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Música

O Metaleiro Brasileiro Que Compõe Músicas Pros Games que Você Joga

De queimar uma pizza a chutar uma árvore, tudo é inspiração para as trilhas sonoras criadas por Antonio Teoli.

Todas as fotos por João Paulo Machado

Um pulo, um som. A música fica tensa, e você sabe que o chefão está perto. Você começa a correr e os sons são mais rápidos e agitados, dando aquela adrenalina. A gente às vezes não repara, mas a música tem um papel essencial nos games. E criar músicas para esses jogos é uma arte à parte. É esse o trabalho de Antonio Teoli, um dos pioneiros na música para games no Brasil, que saiu de São Paulo para assumir o posto de lead composer e lead sound designer na Samsung Game Team, em Manaus.

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Teoli é compositor das trilhas sonoras de jogos e responsável por toda musicalidade que encontramos neles, desde o som que o personagem ‘faz’ ao “pular” ao que toca quando enfrentamos os temidos vilões. Ele é a cabeça por trás do Abracompers - Associação Brasileira dos Compositores de Games, e tem no currículo projetos como Gamer Hero, Blood Gate - Age of Alchemy e Invasion. E a inspiração para criar os sons vem de tudo, de queimar uma pizza a chutar uma árvore a… er, transar.

Desde moleque, com uns cinco, seis anos, ele já era viciado em games, mas foi um jogo específico que o levou a seguir a carreira: Sonic. O personagem “rock’n’roll”, como ele mesmo define, que corria pelos cenários com trilhas sonoras rápidas e grandes arranjos (quem aí lembra da música do chefão, na fase do cassino?), foi quem fez Teoli querer ser músico. Mais tarde, cursou Design de Games em sua cidade natal, São Paulo, e partiu daí pra criar suas próprias trilhas.

Ele é não só compositor e sound designer como também guitarrista e orquestrador da banda de rock Marmor, e já cantou em coral, toca tuba, violão erudito e piano. Falamos com Teoli para entender como funciona esse processo criativo e também os seus métodos “polêmicos”.

Noisey: Qual foi o primeiro game que você compôs a trilha?
Antonio Teoli: Fiz meu primeiro jogo com 16 anos, não profissionalmente, em 2002. Era um game no estilo RPG que nem chegou a ter nome, já que foi um projeto bem curto. Na real, o pai de um amigo investiu uma grana para que começássemos a conhecer esse mundo das trilhas sonoras e jogos. Um ano depois, logo quando entrei na faculdade, fui contratado pela Devworks pra compor a trilha de um game publicitário, pro Dia das Crianças. Não lembro o nome nem tenho nada guardado, mas fiquei super nervoso. Pela minha falta de experiência na época, tenho certeza que ficou uma bosta.

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Sei que você adora Sonic. Como o personagem te influenciou na carreira?
Sonic foi o semeador de tudo o que despertou em mim com relação a composição para games. Ele era um personagem rock'n'roll, de atitude. Quando eu joguei o Sonic pela primeira vez, com uns seis, sete anos, eu disse para mim mesmo: quero ser músico! Nessa altura do campeonato, eu não sabia que iria me tornar um compositor de games, mas o amor pela música veio daí. Comecei a estudar piano e depois fui pra guitarra, meu instrumento principal até hoje.

Falando em rock’n’roll, você é guitarrista da banda Marmor, junto a vários nomes que são referência no metal nacional e internacional. Como ser headbanger influencia nos games?
Musicalmente falando, são mundos que coexistem. Ser headbanger é ter atitude e acho que essa atitude, incorporada ao trabalho criativo, pode gerar um diferencial fantástico em um compositor de games. Em resumo, seja um headbanger em atitude mas nunca enclausurado em um único estilo de música. Gosto de sons que vão de Dream Theater, Sepultura, Rush a Beethoven. E tudo que você escuta acaba sendo incorporado ao que eu chamo de DNA criativo.

Vamos falar então das trilhas. O cliente te procurou. Quais os próximos passos para compor a trilha?
A primeira etapa da criação é, impreterivelmente, a partitura. Componho e escrevo nota por nota, instrumento por instrumento, dobra por dobra, articulação por articulação, literalmente um a um. Hoje em dia as bibliotecas sonoras de instrumentos, também conhecidas como samples, conseguem simular um instrumento real muito bem e geralmente funcionam de maneira excelente para seus propósitos. Na segunda etapa começo a gravar alguns instrumentos reais em cima dos samples para, assim, conseguir um elemento humano e "enganar" melhor o ouvinte, fazendo com que ele acredite fortemente que a música que está ouvindo tenha sido gravada por uma orquestra de verdade. Essa técnica de blend é usada por inúmeros estúdios de games AAA e inclusive por filmes de Hollywood, claro que em proporções diferentes.

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E pra “encaixar” a música no jogo, como faz?
Depois do blend entro na etapa de mixagem, em que preciso eliminar e enfatizar as frequências desejadas e/ou indesejadas. Balancear volumes, paneamento (esquerda e direita), reverbs, delays, compressões… Aí vem a masterização, a última etapa, em que, o trabalho basicamente consiste em fazer com que a música soe uniforme entre as outras músicas e que seja reproduzida da melhor maneira possível no maior número de speakers.

Por fim, a música é implementada no que chamamos de middleware, em que adiciono funções de comportamento no game, fazendo com que ela toque de diversas maneiras diferentes e responda a ações diretas dos jogadores.

Não temos como saber qual decisão o jogador tomará no game. Quando você diz que a música responde a ações diretas, significa que para cada ação do jogador existe uma música diferente?
Precisamos criar vários tipos de músicas que conversam entre si, se comunicam e mudam entre si para se adequar ao que acontece no jogo. Por exemplo o Super Mario World. Quando o Mario sobe no Yoshi poucas pessoas se lembram que uma nova pista de áudio com bongos começa a tocar, dando a entender o que Mario com o Yoshi juntos tornam-se mais "selvagens".

Quais critérios você usa para iniciar o processo de composição da trilha?
Pode ser a história, um concept art, uma animação ou até uma conversa sobre a idéia do projeto. É impossível citar todos os elementos que são colocados, mas sempre pergunto sobre a motivação do personagem principal, o mundo em que o jogo se passará, paletas de cores, dinâmica (um jogo rápido ou mais lento), se é de época ou não e nunca, jamais, referências. Eu evito isso pois prefiro ver o que sai de mim naturalmente. Às vezes as referências são enviadas, escuto naturalmente e aí volto a conversa original com o cliente para propor o que eu achava que poderia ser um caminho mais interessante.

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Qual a diferença entre compor um herói e um vilão?
Quando se trata de um vilão, em termos de conceito, ele normalmente representa a antítese do herói. Então se o herói possui acordes maiores, o vilão terá acordes menores. Se o herói possui o trompete como instrumento principal, o vilão poderá ter um trombone, que é um instrumento também de metal só que mais pesado.

De onde você tira suas maiores inspirações na hora de compor?
Os animais? A natureza? A espiritualidade? Minha mãe? Tudo o que me remete a vida, ao prazer de viver ou o prazer de criar, me serve como fonte de inspiração. Já tive momentos em que criei, como todo músico, dentro do estúdio, mas já tive momentos em que no meio do show veio uma ideia e fiquei desesperado para escrever antes que ela fosse embora. Já teve música que eu fiz durante uma relação sexual - e não, não era uma música romântica.

A música do jogo Blood Gate eu compus enquanto estava em casa, preparando uma pizza. Tudo estava dando errado e a pizza começou a queimar, e então comecei a ouvir essas primeiras notas que tocam na musica de batalha deste game. Um outro exemplo foi a música do game recém-lançado, Finding Monsters, que nasceu enquanto eu batia em árvores e galhos para tentar criar o som do personagem Harry Scary. Ao perceber um padrão rítmico, criei a parte que compõe a percussão e depois os violões.

Qual o projeto mais polêmico você já participou?
Vai ser a primeira vez que vou mencionar isso em público. Em 2013 fiz um game chamado Kamasutra Quiz e a empresa queria vozes sensuais. Queriam que a cada momento que jogador acertasse uma pergunta ou fracassasse no quiz uma voz da garota insatisfeita tocasse. Sugeri gravarmos a voz também na música e eles aceitaram. Tentei de tudo, bibliotecas sonoras, gravações de dubladoras profissionais, mas nada estava encaixando. Então decidi levar minha namorada da época para a área de gravação, onde transamos enquanto gravávamos todo o áudio dela, e BOOM! O cliente amou!

O cliente ficou sabendo como você “compôs” a trilha?
A primeira ração do cliente foi perguntar se eu tinha pego aquele som de alguma biblioteca e eu disse que não, que havia gravado com minha namorada na época. Ele riu e entendeu a piada. No final, tudo acabou ficando bastante divertido.

Se você pudesse escolher um jogo pra fazer a trilha, qual seria?
Metal Gear! Pra mim é a mistura perfeita entre filme e game. As possibilidades de sensibilidade aplicada à música são inúmeras. Os jogadores realmente se conectam com o Snake e sua história. Acredito que em alguns cenários uma mistura de música brasileira com os elementos percussivos eletrônicos, característicos da série, não fariam mal algum. Alguns violões e algumas percussões tipicas de nosso país misturadas com a sonoridade clássica de um action game, que no caso é claramente utilizado no Metal Gear. Sei que parece louco falar isso, mas acredite, na minha cabeça soa muito bem e tenho certeza que se isso acontecesse, as pessoas se surpreenderiam! Por exemplo, quando criei a trilha de um game sobre uma invasão alienigena usei o berimbau para representar o big boss, pois acho que o berimbau tem um som extremamente alienígena. Em outro game, fiz uma trilha para uma perseguição dentro de uma escola de samba. Tive que recriar uma música tradicional de perseguição misturada com a escola de samba que estava tocando ao fundo. Enfim, o score do Metal Gear é perfeito, mas adoraria poder testar elementos sonoros diferentes.