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Música

Fantasiosamente Romântico: Alan Palomo, do Neon Indian, Amadurece e Continua Dançando

Acompanhamos o responsável por um dos melhores discos de dance do ano no 'The Tonight Show with Jimmy Fallon' e descobrimos seu passado amoroso.

A principal artéria do The Tonight Show with Jimmy Fallon é um único e estreito corredor no sexto andar do Rockefeller Plaza, nº 30. As dimensões do espaço são incongruentes com o fluxo constante de rostos famosos e com as imagens icônicas atulhadas lá dentro. Entrar no estúdio é um tanto surreal – as portas do elevador se abrem a poucos passos do camarim do The Roots, a banda de palco do programa. Numa tarde recente de outubro, estou percorrendo esse corredor para me encontrar com o convidado musical do programa da noite. Faltam algumas horas para a apresentação, e o estúdio 6B é uma colmeia de atividades: figurinistas dão os últimos retoques nos trajes enquanto assistentes da NBC correm para lá e para cá. Há muito, muito spray de cabelo no ar.

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O camarim do Neon Indian fica atrás da última porta do corredor. Para chegar lá, cruzo com o Questlove e passo por portas com os nomes "Clive Owen" e "Gabrielle Union". Union passa deslizando por mim, acompanhada de um esquadrão de assistentes. A.D. Miles, o escritor-chefe do Tonight Show, anda atrás de dois funcionários que carregam uma peça cômica do cenário. Estou basicamente em uma paródia do 30 Rock.

Atrás da porta com o nome "Neon Indian" há uma sala lotada que cheira a roupa suja e tequila, uma garrafa aberta da qual se encontra em cima da mesa. O baixista da banda, Jorge Palomo, um garoto do Texas via México, assim como seu irmão Alan, divide um copo com um romancista mexicano-americano. O guitarrista Max Townsley é todo sorrisos – ficou noivo recentemente, e a noiva está na plateia do auditório. Enquanto o monólogo de abertura de Fallon brilha na TV de tela plana em cima de um piano, novas doses de tequila são servidas.

Alan Palomo – o rosto, o compositor e principal arquiteto criativo do Neon Indian – assiste em seu estado costumeiro de movimento, em algum ponto entre andar de um lado para o outro como um maníaco e uma calma diretorial. Ele está vestido todo de branco, cabelos encaracolados e carinha de bebê ainda intactos, apesar de anos do que ele chama de "estilo de vida notívago". Durante a introdução dos convidados, Fallon se desfaz em elogios ao novo disco do Neon Indian, VEGA INTL. Night School, recém-lançado pela Mom+Pop/Transgressive. Até mesmo o seu agente publicitário se surpreende com o tempo de tela e a profusão dos elogios – e o sorriso de Palomo se amplia. A banda está no 30 Rock desde as oito da manhã, fazendo passagens de som, revisando detalhes intermináveis. Dentro de alguns minutos, o mago do synth pop de 27 anos fará seu retorno aos olhos do público, tocando "Annie", o single principal de seu primeiro disco em quatro anos.

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A estreia de Palomo em 2009, Psychic Chasms, foi um dos assuntos mais debatidos na história da blogosfera indie. Em alguns círculos, o músico foi rápida e teimosamente classificado como o porta-bandeiras do muito discutido e muitas vezes espinafrado pseudo-fenômeno do "chillwave" (ver também: "glowfi"; ver também: Hipster Runoff). Em seguida, ele soltou um impressionante segundo disco, Era Extraña, de 2011, mas o ínterim de quase meia década foi tumultuado. Durante esse período, ele conseguiu perder praticamente um disco inteiro em um desmaio, editar faixas em cruzeiros marítimos com a cachola cheia de tequila, e tomar um corte na cara quando carregava um sintetizador. Mas, em vez de continuar sua ausência ou surfar na perturbadora pergunta "será que alguém ainda liga para a minha música?", Palomo optou por dobrar a aposta, lançando um ambicioso LP duplo.

Palomo passa os últimos minutos antes da apresentação aquecendo a voz até que o booker do The Tonight Show faça o sinal indicando que é hora de entrar. Alguns minutos depois da partida da banda, uma charmosa assistente da NBC traz o restante da galera para dentro do estúdio. Ficamos olhando enquanto Palomo entra com tudo em "Annie", com uns passos de dança que fazem lembrar a barroca apresentação do Future Island no Letterman, em 2014. Fallon, de sua cadeira, curte o som sem demonstrar qualquer vergonha. Quando a música para, o apresentador pula para o palco com sua clássica empolgação de menino, só que ainda mais intensa do que o normal. Ele e Palomo trocam um abraço de velhos amigos.

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Mais tarde, comendo tacos perto do apartamento de Palomo em Greenpoint, ele me conta que Fallon fez piada com ele no palco, sobre a vez que a mãe de Palomo o abordou no Universal Studios: Meu filho vai estar no seu programa essa semana! "Mas ele também me disse outra coisa", conta Palomo, bebericando uma cerveja Pacifico. "Ele me disse: 'Somos crescidos agora.'"

De uma certa maneira, a carreira do Neon Indian realmente cresceu paralelamente à de Fallon. Palomo apareceu no Late Night pela primeira vez em 2010, aos 21 anos, com cabelo de esfregão e cara de bebê. Psychic Chasms acabara de ser lançado, e o mundo indie online estava em polvorosa, tentando descobrir o que achava dele. A Pitchfork classificou o disco na categoria "Best New Music" e chamou a banda de "Daft Punk de pobre". Outros pegaram em armas contra o que viram como os males da apropriação. Ele foi incluído na coluna "Music We Hate" da Maisonneuve com a desfavorável descrição: "O negócio do Neon Indian é o revivalismo oco. As músicas de… Psychic Chasms não passam de uma festa à fantasia pretensiosa, kitsch, de Ray Ban." Eu fazia faculdade na Califórnia quando o disco saiu, e os viciados em música e o povo festeiro o admiraram igualmente. A maioria das pessoas que eu conhecia não tinha notícia ou não se importava com o ruído dos blogs em torno do disco, elas só dançavam ao som dele, e transavam ao som dele, e compraram ingressos quando o Neon Indian veio à cidade.

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Palomo apareceu no Late Night novamente em 2011, promovendo seu segundo LP, Era Extraña. Fallon os apresentou dizendo: "As coisas que eles fazem ninguém por aí faz igual… Vocês vão pirar, vão adorar as músicas dessa banda." Mas nem todos compartilhavam da euforia de Fallon em relação ao lançamento. O disco trazia "Polish Girl", provavelmente a música mais reconhecível do Neon Indian, e teve bom desempenho entre os críticos, mas não realizou o mesmo tipo de ataque sorrateiro e veloz ao capital cultural como fez Chasms. Mas Palomo diz que ele nunca chegou a ficar inteiramente satisfeito com o lançamento. Ele é alguém que, na minha avaliação, se vê como competindo para ser um artista canônico; em qualquer meio em que escolha tocar. Embora tenha feito uma palestra no Ted em 2014 sobre o "mito do auteur", Palomo tem uma preocupação quase obsessiva com todos os aspectos da estética visual, do som, e da persona idiossincrática do Neon Indian. Ele se veste como talvez Wes Anderson se vestiria ao sair para uma noite de bebedeira no verão de 1984. Ele é, para usar a analogia óbvia, o diretor de sua própria Escola Noturna, e a classe dele vai gabaritar a prova custe o que custar.

De volta ao bar em Greenpoint, terminamos nossas cervejas e saímos para encarar os estertores do verão. Palomo alugou um estiloso espaço de arte perto da Madison Square, chamado NeueHouse, para transmitir o The Tonight Show. No lugar ridiculamente opulento, peles de animais, livros raros e manchetes com fofocas da indústria da música adornam as paredes. Durante o intervalo comercial que antecede sua apresentação, Palomo fica de pé diante da estranha reunião de jovens góticos, poetas, agentes publicitários, executivos de gravadoras e outros frequentadores da cena, e diz se sentir grato pela presença da enorme equipe que trabalhou no disco. Dentro de alguns dias, Night School receberá a classificação de "Best New Music" da Pitchfork, com frases como "Palomo age como um elegante anfitrião, trazendo o disco mais luxuoso e abrangente do Neon Indian até o momento." Naquela mesma noite, ele se apresentará para uma casa lotada e estridente no Webster Hall. A festa continuará por dias.

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Em março deste ano, contudo, essa comemoração parecia improvável. No auge de um dos invernos mais brutais da história recente de Nova York, Palomo estava envolvido na tentativa de concluir Night School, com diferentes graus de sucesso. Em uma das noites mais frias do ano, voltou para casa após uma longa noite bebericando tequila, e se deu conta de que teria que pegar a estrada para Atlanta dentro de poucas horas para gravar com Ben Allen, produtor de longa data do Deerhunter. Começou a carregar os sintetizadores, tentando se aprontar para a viagem. Seu companheiro de apartamento ouviu um baque, e ao descer encontrou todo mundo gritando e Palomo coberto de sangue. Os óculos que Palomo usava quebraram em seu rosto com o impacto de uma peça solta do equipamento. Ele ficou deitado no chão enquanto sua então namorada chamava um táxi. A quantidade de sangue que se esvaía de sua cabeça assustou a todos.

Já era dia quando chegaram à clínica de emergência de Williamsburg. O médico que suturou o corte era um homem de maneiras gentis do Alabama. "Tenho quase certeza de que ele usava botas de caubói e tinha acabado de chegar do brunch", diz Palomo. A namorada segurou-lhe mão enquanto nove pontos eram costurados na sua sobrancelha. O médico fez piada, dizendo que o nome dele deveria entrar no encarte do disco. Palomo, impassível, respondeu que antes era preciso haver um disco. Quando pergunto a Palomo se ele estava preocupado com como o ferimento afetaria as sessões de gravação, ele responde: "Acho que eu estava em choque, pensando mais em se meu rosto ficaria desfigurado para sempre", diz. "A ficha só foi cair mais tarde."

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Depois de deixar a emergência, Palomo foi de táxi a uma farmácia de genéricos em Greenpoint. Dildos e bucetas de bolso adornavam estranhos manequins. Palomo pagou por seu Tylex e curativos enquanto um freguês comprava três frascos de lubrificante. Ele conversava constantemente pelo telefone com seu empresário, tentando se organizar para cair na estrada assim que possível.

Palomo voltou para o apartamento – e os degraus da entrada estavam cobertos de gelo. Uma pá, que pegou emprestada em um bar próximo, mostrou-se inútil, então foi preciso quebrar o gelo com um martelo. Os efeitos colaterais do Tylex começaram a lhe causar um enjoo muito forte, e ele teve de entrar e vomitar várias vezes. "Foi só quando eu estava vomitando para tudo que era lado que me dei conta de como as últimas 24 horas tinham sido um pesadelo", diz ele.

Palomo por fim conseguiria entrar no carro e pegar a estrada para Atlanta, mas não sairia da Georgia com um disco finalizado. Para isso, teria que voltar ao Brooklyn e trabalhar com um novo grupo de colaboradores. Não houve mais nenhum ferimento, e o disco que saiu valeu qualquer cicatriz. É uma obra madura, que transcende tanto a música pop caseira lo-fi quanto a presença em festivais badalados. Ao ignorar todas as expectativas e pôr fé em um álbum conceitual que poderia ser percebido como ridículo, Palomo produziu a melhor obra de arte da sua carreira.

Talvez a melhor representação do ethos do álbum seja o clipe de seu segundo single, "Slumlord", codirigido por Palomo. Nele, seu irmão Jorge veste um traje de látex e é levado para passear numa boate. É um retrato visual do que o Neon Indian faz de melhor – parte nostalgia, parte boquete bêbado no banheiro, parte autoria mortalmente séria. Palomo me mostra o vídeo no iPhone, rindo, no bar perto de sua casa, alguns dias antes da data marcada para o início de uma turnê. Passamos o dia falando sobre o processo maratonesco de produzir o Night School, sobre amor, e sobre o elitismo paradoxal da dance music.

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Noisey: Suponho que devamos começar com o episódio de você perder um notebook que continha material equivalente a um disco. Conte sobre aquela noite.
Alan Palomo: Eu tinha acabado de fazer um show no Terminal 5. Organizamos uma pequena after party no Le Baron, em Chinatown. Levei o notebook comigo porque eu seria o DJ. Estava com passaporte, óculos, tudo na bolsa do note. Ficamos bebendo noite adentro, são quatro da manhã. Estou enchendo a cara, não faço a menor ideia de quanto ia sair a conta, mas peço uma terceira garrafa. Eles ficam tipo "você está sabendo que essas garrafas custam trezentos dólares cada uma, e que você já está com uma conta de novecentos dólares, né?". Foi um caos total. Saio para ir a alguma outra festa e tenho um blecaute rapidão. Lembro vagamente de dançar numa passarela com uma mina. Quando volto a mim estou planejando mandar uma garrafa de tequila com meu amigo Rambo. Mas não conseguimos entrar no meu apartamento. Estou bêbado demais para isso, e desmaio em cima do notebook. Quatro horas depois lembro vagamente de alguém falando tipo, você tá bem? Por algum motivo, respondi "ahã, tô tomando sol". Era um cara com um filho. Era meio-dia e alguém tinha roubado meu notebook enquanto eu dormia.

Há uma história famosa de a primeira esposa do Hemingway esquecer no trem as primeiras obras dele. O episódio te causou alguma sensação de limpeza?
Tive uma atitude surpreendentemente zen. O negócio tinha sumido, não havia nada a fazer. Quem levou provavelmente colocou no penhor. Mas se eu tivesse usado aqueles trabalhos, seria um disco totalmente diferente.

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É um disco fantasma.
Mas é engraçado, porque a coisa essencial que transformou o disco no que ele enfim virou foi trabalhar como DJ durante aquele tempo perdido. Na época em que eu morava no Texas, teve uma noite com o meu baterista em que tocamos muita italo disco. Como aquela era a minha única vocação de verdade, exceto pelo meu emprego como garçom de sushi, ela foi a minha principal válvula para extravasar a criatividade. Toda semana eu tinha que ter coisas novas para tocar, e procurava agressivamente por novas músicas. Então o Night School foi a primeira vez que voltei para isso. Compus dois discos de cabo a rabo sem nenhum novo conjunto de influências. Estava absorto demais na narrativa do que eu estava fazendo.

Morar em Nova York ajudou nesse processo? Se formos falar da linhagem da dance music, Nova York foi uma de suas primeiras capitais.
Não posso negar que meu estilo de vida notívago é totalmente entrelaçado com a cultura dance music de Nova York. Nova York foi o epicentro da dance music, e da disco e do início da house, com lugares como o Paradise Garage, e a ironia disso hoje é que nos transformamos em um lugar em que a dance music é, numa certa medida, uma força de exclusão. Há uma certa narrativa elitista que permeia o Brooklyn. A festa lotou e nós só continuamos a colocar mais gente para dentro.

Então é elitista e está saturada ao mesmo tempo?
Densamente saturada com todas essas variedades de música, mas se você não produz o popular subgênero da música eletrônica, não entra na festa. Isso me parece um paradigma muito novo, porque quando eu era criança no Texas, tinha um monte de gente que se focava em coisas específicas, mas todo mundo se agrupava sob a ideia de que a gente simplesmente gostava de ficar zoando no teclado.

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Falando em popularidade, você sentiu que esse disco sofreu pressão por alguma percepção de que o segundo não teve sucesso [Era Extraña, de 2011]?
Como se eu tivesse que retornar à velha forma?

Sim, de uma certa maneira.
Olha, obviamente as pessoas falam sobre a queda que acontece no segundo disco. É difícil contextualizar esse cenário quando está acontecendo com você. Eu fiz aquele disco e amo aquele disco, mas meu amor por ele e pelo primeiro têm razões diferentes. O segundo com certeza foi feito um pouquinho sob a mira de uma arma. Acho que, por algum tempo, as pessoas que trabalhavam comigo me fizeram engolir uma narrativa de que, se eu não malhasse o ferro enquanto ele ainda estava quente, tudo o que eu havia conquistado com meu trabalho de repente iria água abaixo. Antes mesmo de conseguir avaliar se isso era verdade, tive que começar a fazer música de novo. Mesmo que no final eu tivesse algo que amava de verdade, disse a mim mesmo que nunca mais queria fazer música naquelas circunstâncias de novo. O aspecto mais libertador de compor esse disco mais recente foi poder voltar para a faculdade de cinema, eu pude fazer outras coisas. Nunca me ocorreu que o único meio pelo qual devo me expressar é a música. Até um certo ponto, mesmo hoje não me vejo inteiramente como um músico.

Na verdade nunca vi você como um músico no sentido tradicional da palavra.
Sei tocar minhas próprias músicas, mas de jeito nenhum sou um prodígio técnico. Para falar a verdade, fico feliz por ver que na música eletrônica moderna o termo "produtor" costuma ser muito usado. Porque está implícito nessa palavra que fazer arte é uma produção, da mesma forma que o cinema é um meio colaborativo. Há muitas incógnitas, muita gente participando. Esse disco foi meio que tratado da mesma forma, óbvio que numa escala muito menor. E trazendo algum perigo para a minha vida pessoal, porque não tenho um orçamento inexaurível. Houve muita navegação que rolou nesse disco, situações em que eu queria tentar lidar com esse nível de responsabilidade diretorial. Deixar de ser uma criança em corpo de adulto e passar a ser um adulto de verdade.

As músicas do Neon Indian, além de serem dance music e projetos de arte diretorial, sempre foram sobre nostalgia e amor, muita gente encara assim. Você já se apaixonou alguma vez?
Acho que a maioria dos amores que encontrei quando mais novo foram não-correspondidos. E isso me deixou um pouco mais reticente na hora de expressar minhas emoções. E namoro em Nova York é no geral uma coisa muito sociopata. Você está jantando com alguém, e tudo o que querem é que você demonstre o seu valor. Não é assim que conheço uma pessoa. Isso me deixou cauteloso em relação a encontrar um amor de verdade, porque acho que é uma coisa especial. Não é uma coisa que se dê a alguém que vá brincar com ela. E acho que é isso que eu talvez tenha feito quando morava em Denton e tinha 18 anos.

Qual foi sua primeira experiência de amor não-correspondido?
A garota que tirou minha virgindade. Não podíamos ter um namoro de verdade, porque ela já tinha namorado. Fiquei aturdido, completamente apaixonado, e todas as outras coisas que vêm junto de fazer sexo pela primeira vez, mas aí tudo isso me foi tirado, porque não tinha como dar certo. Muita ginástica mental precisou ser feita. Foi uma coisa incrível mas também muito breve. E pronto, a realidade foi essa. Houve também um término que foi uma dessas experiências formativas, em Denton. Numa época dessas, quando você está com um grupo muito pequeno de pessoas, no Texas, as possibilidades parecem muito limitadas, e aquele primeiro amor define para você o que é a beleza corporificada. Nesse caso essa pessoa era vingativa. Nenhum de nós dois tinha controle sobre a própria vida também, mas ela com certeza não teve escrúpulos de zoar com a minha.

De que maneira?
Nunca conheci ninguém capaz daquele tipo de crueldade. Essencialmente ela deu para um cara numa festa fetichista de Halloween em um galpão, na frente de todos os meus amigos. Parada bizarra pra caralho. Esse foi o caso que me fez pensar tipo, Jesus Cristo, eu não tinha noção de que alguém poderia fazer isso com outra pessoa.

Ainda sente algum amor por ela?
Não, mas em virtude de ser uma das primeiras pessoas pelas quais me apaixonei na vida, talvez eu gravite para o mesmo tipo de mulher. Tipo um conceito do que na minha visão é a beleza. Não é possível escapar disso, é assim e pronto. Obviamente é uma pessoa que não tenho mais nenhum interesse em conhecer, e isso há mais de uma década. Mas não posso negar que essas realidades formaram o meu temperamento.

Então o que o amor significa para você no momento?
Uma parte de mim ainda é fantasiosamente romântica, mas é vigiada de perto, policiada e mediada pelos lados mais lógicos de mim mesmo. É complicado, as pessoas não mudam, você só vai agregando mais coisas à equação. Meu romantismo nunca foi embora, só se perdeu nessas outras reações instintivas à paixão. Mas todos buscamos ainda aquela idílica primeira vez. Mas, enquanto isso, ainda é possível se divertir, conhecer pessoas. Aquela pessoa dá forma ao seu tipo idealizado, mas isso é besteira. Agora eu acharia melhor ser surpreendido pelo amor, em vez de ficar tipo "finalmente a encontrei e ela é bem do jeitinho que eu imaginava". Predisposições são o que fazem as pessoas entrarem em furadas. Nada disso tem base na experiência concreta. Dito isso, acho legal ser um pouquinho pornográfico às vezes. Gosto de meias calças e clichês ruins. Mas me reservo o direito de também saber que há um romântico dentro de mim, à espera da oportunidade certa.

Kai Flanders é escritor e mora no Brooklyn.