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Música

A 0800 Crew Está de Saco Cheio do Rap Nacional

E chegou com os dois pés na porta na intenção de mudar a cena com o clipe de “Fuck the Fakes”.

Desde os primórdios do rap aqui no Brasil construímos uma imagem do rapper — e, consequentemente, de sua música — como alguém carrancudo e mau, abordando temas como criminalidade e questões sociais pertinentes à favela. Já no fim dos anos 90, se notava o começo de uma mudança, com MCs como Sabotage se manifestando em pról de um rap mais brando e que buscasse alegrar a periferia. De SP Funk a Quinto Andar, passando por Inumanos, Jigaboo e Contrafluxo, temos hoje uma leva riquíssima de grupos e artistas inspirados por estes pioneiros que levam o rap com mais leveza e humor — mas sem se esquecer do tal do compromisso.

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Dentre eles, podemos destacar Atentado Napalm, Sem Modos, o próprio De Leve em sua carreira solo, e mais recentemente, Lester e os meninos do 0800. Oriundos de Curitiba, a crew é composta por André “Dé Sayajin” Charneski (que também assina como produtor musical sob a alcunha de Kuririn, além de cuidar da parte audiovisual do grupo), Rafael “Asiatiko” (“o motoboy do grupo”, segundo eles mesmos) e Robson “Chefe TF” dos Santos. A turma vem fazendo barulho desde o lançamento da mixtape Liga Nóiz, um trampo debochado e ao mesmo tempo altamente técnico, abrangendo os mais variados assuntos, desde política até a internet e como nossas relações são afetadas por ela, como na excelente faixa “Skynet”. A última pedrada do grupo foi a faixa “Fuck the Fakes”, um meta-rap que conta com a participação de um especialista nisso de rir e rimar, o Lester, que você provavelmente já sabe que é o Anderson-Silva-Sem-Drostanolona da Liga Nocaute.

Bati um papo via WhatsApp com a crew para conhecer e entender o universo de rimas meméticas e polirrítmicas dos curitibanos. Olho no lance:

Noisey: Como foi a experiência de fazer um som com o Lester? O feedback do público está sendo positivo?
André Charneski: Então, já rolava uma certa identificação com o som do Lester, mas principalmente com as batalhas dele na Liga Nocaute, ele é criativo pra caramba. A gente já tinha conversado algumas vezes pela internet, elogiado um o som do outro. Depois do Liga Noiz, algumas pessoas que nos ouvem sugeriram esse som em parceria. Quem convidou mesmo ele foi o TF, e ele parece ter gostado da ideia. A gente deu risada pra caramba e enquanto o som "acontecia" nos quatro falamos muita merda. Ele filmou/gravou tudo em São Paulo e mandou pra gente. Infelizmente, o fato de todo mundo trabalhar (e ironicamente não ter muito dinheiro) fez ser assim [à distância].

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Robson TF: Engraçado que eu mesmo não acompanho tanto a Liga Nocaute, mas quando me mostraram esse gordinho destruindo a galera na hora eu falei: “Temos que gravar com esse puto!”

André: Quanto a repercussão, eu particularmente estou satisfeito. Quem já nos acompanha parece ter gostado do som e, pelo que vi, ganhamos novos ouvintes depois dele, assim como o Lester. Espero que façamos mais sons juntos no futuro!

Notei bastante referências à cultura pop do final dos anos 90 e começo dos anos 2000 no “Fuck the Fakes”. Quais são as inspirações de vocês?
André: No geral eu escuto mais rap mesmo, gosto de caras que usam referências, trocadilhos, analogias… Atualmente tenho ouvido muito Ogi, Amiri, Napalm. Eu sou muito fã de Mamonas Assassinas! Assistir, cara, muuuita coisa, o que mais assisto é anime. Eu sou do tipo que acompanha algumas das temporadas que lançam no Japão semanalmente. Gosto muito de séries também, vídeos de stand-up, curto demais! Quanto a ler HQs, gosto principalmente das da Marvel, sou fã do Deadpool. Leio muito mangá também, faço coleção, tenho mais de 300 em casa. E gosto de muitos livros, de diversos gêneros, mas sou muito fã de toda série do Percy Jackson.

Ótima série (os livros)!
André: Sim, os filmes são um lixo! Você que estiver lendo, ignore os filmes e vá atrás dos livros! Ah, também acho legal citar que assisto muitos canais do YouTube… Sou fã de altos caras.

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Robson: Eu escuto quase tudo, desde os raps "de mensagem" dos anos 90 nacionais ou não até o trap, funk, jovem guarda, Molejão, etc. Minhas referências principais no rap são: Boss ACc, Valete e Sam the kid de Portugal, Black Alien, Speed, Suave, Quinto andar, SP Funk e Slim Rimografia entre os nacionais; e Rugged Man, Vinnie Paz e Celph Titled entre os gringos.

Inclusive rola uma releitura da parte do De Leve em “Pra Falar de Amor” né?
André: De Leve é um deus nessa porra! Rola sim! Ásia fez uma referência direta no disco. A galera sempre reconhece isso e a gente fica felizão.

Robson: O De Leve, por incrível que pareça, eu conheci porque em 2006. Um amigo meu me disse que meu som lembrava o dele. Um misto de Slim Rimografia com Suave e De Leve. Os outros eu já conhecia, daí fui pesquisar esse cara que dizia que era largado.

Qual é o sentimento de vocês em relação à cena atual do rap?
Robson: Eu tenho a visão de que o rap foi feito pra você falar o que quiser. Antes eu pensava "esse som é de playboy", "esse som é de vendido", mas daí percebi que você acaba afastando outras pessoas que podem acrescentar não só no seu som mas na sua cultura de uma maneira geral. Criolo Doido e Caetano Veloso. Cara, eles fazem um som muito bacana. Antigamente você não teria um som como aquele "Não existe amor em SP". ‘Porque o rap tem que falar de droga, quebrada etc.’ não tem dessa: o som é meu, falo do que eu quero, você ouve se quiser. Vai ter quem pensa igual você e ouve, vai ter quem discorda e não ouve, vai ter quem discorda e ouve porque é bom. Eu não fumo maconha e acho o disco do Planet Hemp foda demais. Falta aquela coisa de rir do outro mas aprender a rir de si mesmo também com a piada do outro.

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Vocês viram dificuldade em bombar a mix por estarem fora do eixo RJ-SP? O retorno do trampo foi bom na cena local? E fora?
André: Não sei explicar uma fórmula mágica pra fazer as pessoas ouvirem… Primeiro a galera daqui mesmo começou a ouvir e dar uma força, acho que aí uma pessoa vai passando a frente pra um conhecido ou outro e, aos poucos, "infesta", mas demora. Aí entra a paciência de novo. A gente teve a dádiva de contar com umas divulgações de uns caras em especial também, como a “Prefs” de Curitiba, perfil bastante hypado, que postou um som nosso.

A própria página da Prefeitura de Curitiba cresceu bastante por abordar os assuntos de uma forma bem-humorada e informal. Como vocês enxergam esse viés dentro do rap?
André: Eu acho que ficou muito tempo em falta, mas agora está ressurgindo. Seja por alguns MCs como os que citei aqui (Napalm, Lester, Ogi), mas também em esforços como a Liga Nocaute e páginas como a Ol’ Darth Bástarde, o Rapstream, paradas que eu acho muito fodas e acompanho todas. A gente quer trazer coisa assim pro nosso canal de YouTube também. E eu quero mais e que isso fique maior, bom humor, irreverência.

Robson: Pra mim, os pais disso no rap nacional são os caras do SP Funk. Eles já diziam na época que a moda era ser gangsta: "chega de morte, chega de tiro, eu sei que a realidade é foda mas o rap, maluco, não é só isso."

Gostaria que vocês comentassem um pouco da faixa “Skynet”, uma das mais pesadas da mix.
Robson: Essa faixa é uma das minhas favoritas, junto com a “Faz Me Rir”. O Asiátiko diz que é a favorita dele. Como ela fala sobre a tecnologia, escolhemos o nome “Skynet”, que vem daquela empresa do filme O Exterminador do Futuro, a empresa que proporciona a revolução das máquinas contra a humanidade. Hoje todo mundo depende da tecnologia, essa entrevista via WhatsApp é um ótimo exemplo, é uma coisa muito boa mas tudo tem seu preço. Tudo o que hoje você pode registrar com seu smartphone, deixa uma cópia pra alguém te vigiando lá no Google, na Apple, Facebook, etc. "Nem os nerds morrem virgens" porque essa vigilância abusa da privacidade de todos. E a ideia é pensar, até onde isso é bom? Você pode se comunicar com sua namorada do outro lado da cidade, mas saiba que alguém tem acesso a tudo o que estão falando ou fazendo no smartphone. Tem aplicativo de lanterna que pede autorização pra controlar sua câmera, mas pra quê? Por quê? Não sei, mas tá lá nos termos de uso que ninguém lê, mas aceita. A gente fala também que a tecnologia ao mesmo tempo que aproxima afasta as pessoas. Você fala com seu amigo no outro estado graças a tecnologia, mas deixa de sair com seus amigos da sua rua também graças a tecnologia.

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A parte em inglês diz "Diga oi pra tecnologia e tchau pra sua vida, pra cortar relacionamentos Facebook é uma boa faca". Na Internet, geral tem a vida perfeita, como quer que pareça pros outros, fora da sua realidade, como em uma Matrix. Eu escrevi um artigo científico sobre isso na faculdade mas é muita coisa pra explicar aqui.

André: O sample do beat da “Skynet” vem de um anime chamado Code Geass, o tema central do anime não é tecnologia, mas da pra linkar de certa forma. Esse anime é a obra mais sensacional que já vi na vida.

Certo, agora é aquela última pergunta padrão que não é uma pergunta, mas apenas um espaço para vocês mandar em o famoso Salve para os Trutas e Quebradas.
Robson: Pô, um salve pra geral que tem fechado com a gente, DJ Bandeira, Dario, I Love CWBeats, M2K, ODB, Lester, Atentado Napalm, Jimmy Luv, a galera que segue a gente no YouTube e manda pergunta (continuem assim!) , Cambada Crew, Faustão Sombrio Crew, Tomate Seco Crew, Player2, minha mãe e meu pai.

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