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Música

Este cara fez uma enciclopédia do rock de Campinas

Thico Soares, um vendedor de 30 anos, compilou mais de uma centena de bandas nos 40 anos de rock campineiro que passou a limpo.

Thico Soares, 30, não toca em banda, não tem gravadora e não é dono de bar. Mas já prestou importantes serviços para o rock de Campinas, cidade dona de uma das mais importantes cenas de rock do estado de São Paulo. Não à toa, no final de maio, Thico lançou em seu blog uma enciclopédia do rock campineiro. E levantou informações desde o fim da década de 1960 num post gigante, que causou comoção entre os roqueiros locais.

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O vendedor de equipamentos de cozinha industrial fez um trabalho de responsa, coisa que muito jornalista musical sonharia em produzir. Ele passou quatro meses entrevistando, colhendo dados, ouvindo discos e fitas, além de ter lido vários blogs e zines. O resultado é um trabalho complexo, que resgata a memória roqueira da cidade.

Traz bandas, casas de shows, estúdios, produtores gravadoras e selos, festivais, lojas de discos, estúdios de tatuagens, fotógrafos, produtores culturais, artistas e outras figuras envolvidas com a música da cidade. E abraça diversas vertentes do rock, sem preconceitos. Metal, punk, progressivo, hard rock, synthpop, alternativo, grunge, hardcore, psicodélico e outros. Está tudo na compilação de Thico.

Por que ele fez isso? “Puro interesse pessoal. É uma curiosidade muito grande que eu sinto. Eu vivo perguntando sobre um monte de coisas pra amigos velhos de cena. Sou muito curioso mesmo. Para mim, faz todo sentido saber sobre a história da música e das artes da própria cidade em que se vive.” O Thico é fã. Um fã FODA.

Ele nasceu em São Bernardo do Campo e chegou a Campinas em 1991. Teve seu primeiro contato com as bandas locais por causa do irmão mais velho. “Meu irmão é mais velho que eu, comecei a escutar rock porque ele aparecia com LP's, CD's e também mixtapes com um monte de bandas, compilações caseiras muito populares nos anos 1990. No meio disso, tinha muita coisa de banda nacional e algumas campineiras”.

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Troquei uma ideia com o Thico para saber mais desse trampo e também pedimos que ele indicasse uma banda de Campinas por década. Vai vendo.

Thico Soares. Arquivo Pessoal.

NOISEY: Qual é o seu envolvimento com a cena de Campinas?
Thico Soares: Bom, não sou nascido em Campinas, mas cresci aqui. Vim do ABC para Campinas em 1991 e fui ter um contato mais profundo com o rock 'n' roll por volta de 1996. Eu toquei bateria e guitarra em algumas bandas de rock nos anos 2000 na cidade de Montes Claros (MG). Conheci alguns nomes do rock campineiro através de fitas K7 e demo tapes de bandas locais que meu irmão mais velho trazia para casa. Meu envolvimento com a cena de Campinas até 2016 foi basicamente sendo público e fã das bandas. Sempre gostei das bandas daqui, mas somente neste ano pude tocar em uma banda campineira e colaborar. Desde janeiro eu toco bateria numa banda nova no pedaço chamada Bat Patrol.

E como é o lance do seu irmão com as bandas de Campinas?
Meu irmão é mais velho do que eu. Comecei a escutar rock porque ele aparecia com LP's, CD's e também mixtapes com um monte de bandas, compilações caseiras muito populares nos anos 90. No meio disso, tinha muita coisa de banda nacional e algumas campineiras. Meu irmão ia em shows aqui Campinas, Paulínia, Vinhedo. No texto, por exemplo, cito a demo "Inferno" da banda Redrum. Uma das demos que mais escutei na minha vida, tocava alguns riffs no violão na época, sequer notava a diferença da qualidade da produção, porque eu ficava muito concentrado na música. Quem diria que, 20 anos depois, eu conheceria o baixista do Redrum e montaríamos uma banda, que é o Bat Patrol?

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De onde surgiu a ideia para fazer essa enciclopédia?
Puro interesse pessoal. É uma curiosidade muito grande que eu sinto. Vivo perguntando sobre um monte de coisas pra amigos velhos de cena. Sou muito curioso mesmo. Para mim, faz todo sentido saber sobre a história da música e das artes da própria cidade em que se vive.

Quanto tempo demorou para levantar o material?
Do início do processo até a conclusão, quando parei de incluir coisas, foram três ou quatro meses. Começou de forma bem arcaica e primitiva, eu fazendo perguntas a diversos amigos e anotando em papeizinhos, muitos os quais eu perdia (risos). Esses amigos me indicavam outras pessoas, que eu não conhecia pessoalmente. Mas eu chegava com a referência dos amigos e era bem recebido por muitos, nem tanto por outros, e o texto foi saindo. Não sei com quantas pessoas conversei pessoalmente, por telefone ou por e-mail. Escutei o máximo das bandas que eu citei, além dos discos das bandas que já conheço. Vi todos os docs, matérias em sites, blogs e zines que tive acesso.

Você fez tudo sozinho?
Sim, eu montei sozinho, escrevendo, incluindo e subtraindo muita coisa. Conta com três depoimentos ricos, de quem viveu e ainda vive essa história. Meu parceiro Thiago Veloso, criador do Música Prumundo e responsável pelo projeto White Lost Ghost em Montes Claros, sabia do trabalho, porque o texto sugere uma nova sessão do MPM, que contará a história rockeira de várias cidades. Temos grande interesse nas movimentações que acontecem fora dos grandes centros. Nisso, estudamos encontrar as pessoas certas para contar essas histórias lindas do rock 'n' roll em outras cidades. Pode-se dizer que antes de [o projeto] ser concluído, ninguém tinha ideia real do que eu estava fazendo, como tentar separar as coisas por décadas, mas, com uma visão de homogeneidade.

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Quais foram seus critérios para incluir bandas, lugares e eventos?
Não imaginei muitos critérios, não os formalizei, pelo menos. Imaginava relevância para o texto. Faltou muita coisa, se eu fizesse o texto durante um ano, se tivesse mais tempo… de qualquer forma, escrevi com olhos de admiração, juntando amigos e seus desafetos, sem amargor e com respeito.

Encontrou muitas tretas dentro da cena?
Não encontrei muitas rixas, porque eu não tive interesse em abordar isso. A minha ideia era fazer o contrário. Sempre tem uma história aqui e ali, mas como não tive interesse em abordar extremismos e tretas, o que eu tento transmitir é que, muita coisa são apenas mal-entendidos. Muita gente remou nesse barco, não só os mocinhos.

Como está sendo a reação das pessoas em Campinas?
Cara, eu nunca imaginei que pudesse causar tanta comoção nas pessoas. Reverem sua própria trajetória, terem seus nomes amarrados numa história de trabalho, produtividade. Tentei contemplar o máximo que pude dentro dos meus limites. Outra ideia da matéria visava homenagear essas pessoas, informar sobre o que está acontecendo atualmente e aumentar o coro de uma torcida que nos últimos anos pede por um documentário em vídeo que tenha carácter definitivo. Algo que vá mais a fundo nessa história tão rica e única, desenvolvida em Campinas e na Região Metropolitana. Afinal, o meu artigo não conta a metade do que acontece por aqui.

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Você tem o objetivo de fazer um documentário, livro… Enfim, esse é um projeto que você pensa em levar para frente? Alguém já demonstrou interesse em ajudar?
Eu mesmo, não. Não sou qualificado para isso. Mas já recebi roteiros de algumas pessoas que tem bastante coisa encaminhada para um documentário. Estou na torcida pra que eles realizem!

Indica para gente uma banda de cada década (60, 70, 80, 90, 00, 10)

Década de 1960: Dos anos 60, ainda não tive acesso, infelizmente. Por isso planejo uma matéria a parte depois. Mas, relacionado ao texto, tem o Rock da Mortalha, que não era uma banda campineira (importante lembrar), mas tinha um dos participantes era morador daqui e ele trouxe suas apresentações para a cidade. A banda surgiu em meados de 1968. Acho que é interessante mostrar o quão à frente eles estavam em se tratando de rock pesado, porque o que eles faziam não era realmente comum no Brasil ainda.

Década 1970: A minha indicação é a Banda do Brejo (Valinhos/Campinas). Eles fizeram muitos shows pelo Brasil, tocaram em programas famosos de TV e auditórios de rádio. Eu indicaria o seu material setentista para os fãs de tropicalismo, que gostam de Sá, Rodrix e Guarabyra, Mutantes, O Terço, Clube da Esquina, Novos Baianos, Ave Sangria e afins.

Década de 1980: Deixo uma indicação da banda Alpha III. O disco "Sombras" é um disco fabuloso! É totalmente indicado para quem gosta de instrumentos de teclas. Tem órgão farfisa, orquestrações, piano elétrico e synths. Com certeza é meu disco preferido da banda, junto ao "Ruínas Circulares".

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Década de 1990: A minha indicação é bastante óbvia para quem me conhece. O disco "Jumentor" é provavelmente o disco mais clássico dos Muzzarelas (não sei se há controvérsias). Aqui eles uniram punk rock, hardcore, bubblegum, thrash metal, letras hilárias, arte pop, monstros, e um monte de outras coisas legais como a sua marca mais que registrada… falar sobre cerveja! Ao vivo essas musicas soam fantásticas, o público realmente fica diferente quando cada uma dessas músicas são tocadas.

Década de 2000: O meu disco preferido é o "Venus Volts is Dead", do Venus Volts. Aqui, eles regravaram musicas do Fluid e remodelaram mais algumas coisas. É a minha fase favorita da banda, com o Pellê e a Trinity cantando juntos. Também curto as músicas já com a voz do Filipe Consolini. Esse disco, eu ouvi pra caralho, mas muito mesmo!

Década de 2010: Eu acho que é super merecido o trabalho do Francisco, el Hombre como destaque. O disco "La Pachanga" é muito bom! Enxergo eles como a grande banda dessa década em Campinas, no sentido de atuarem de forma profissional acima da média em todos os quesitos, sejam musicais, estéticos ou artísticos. Eu gosto bastante de música latina. Ainda indico o "Inviolável Fim" do S.E.T.I. e o “21st Century Reckoning Day” do Don Ramon, para quem gosta de som porrada.

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