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Música

Assistimos com Exclusividade ao Documentário de 30 anos do “Crucificados Pelo Sistema”, do Ratos de Porão

Produção da Black Vomit Filmes em parceria com a Laja Rex traça uma radiografia do contexto histórico que se consolidou no primeiro álbum do Ratos de Porão.

Em 1983, o Ratos de Porão gravou o primeiro álbum individual de uma banda punk/hardcore da América Latina. Com sua icônica capa ilustrada pelo desenho de um punk montado no visu, sentado sobre um capacete militar e ostentando uma bandeira com o símbolo da paz, Crucificados Pelo Sistema virou um marco por já chegar introduzindo por aqui uma pegada mais acelerada e suja de se fazer punk rock, o que muitos não digeriram logo de cara. Para comemorar o aniversário de 30 anos do disco, a formação da banda à época do álbum – Jão na batera, Gordo no vocal, Mingau na guitarra e Jabá no baixo – se reuniu para um show que rolou em março de 2014 no Circo Voador, no Rio de janeiro.

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O pessoal da Black Vomit Filmes, a mesma equipe que produziu o próprio documentário do Ratos (Guidable) e do Gangrena Gasosa (Desagradável), registrou o show que será lançado na íntegra em DVD junto com o documentário que contextualiza o período histórico da gravação do álbum e mergulha nos detalhes práticos de sua concepção. O lançamento oficial vai acontecer com um show no dia 31 deste mês, em São Paulo, no Hangar 110, mas já está rolando uma pré-venda via Laja Rex. O Fernando Rick, diretor do filme, me contou que a procura pelo documentário na pré-venda foi tamanha que eles tiveram que encomendar uma segunda prensagem antes mesmo que a primeira estivesse pronta – os DVDs chegam da fábrica nesta semana e a postagem para quem comprou antecipado começa no dia 24.

Colei no QG da Black Vomit, onde pude assistir ao filme em primeira mão direto do computador do Fernando. Tais quais os outros dois títulos citados linhas acima, uma característica salta à percepção nos documentários de música desse pessoal. Eu não sei se eles preparam um roteiro de perguntas bem focadas ou se simplesmente chegam desenrolando um papo, mas todos os três filmes se convergem na peculiaridade de conseguirem extrair muitos, muitos causos. O filme está repleto de fitas impagáveis, insólitas, curiosas e tragicômicas vividas pelos personagens. E punk veio é foda: o que os caras têm de coisas loucas e cabulosas pra contar não é brincadeira.

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Por meio de depoimentos dos próprios integrantes da banda e de nomes que viveram o rolê na época, como a Sandra, do Mercenárias, o Fabião, do Olho Seco e da loja Punk Rock Discos – que afinal bancou o Crucificados -, Renato Martins, do selo Ataque Frontal e ex-empresário do RDPeido, Nivaldo, do Kaos 64, o jornalista Kid Vinil, Marcos, o maluco sem sobrenome na legenda do doc. que fez a arte da capa, Tina & Ariel (Invasores de Cérebros), Miguel Barella, do Voluntários da Pátria, Priscilla Farias, que clicou as fotos do disco, e o Pierre, do Cólera, a gente fica por dentro de coisas como a dificuldade que os punks tinham para descolar padê naqueles tempos e a que tipo de manobra a molecada precisava recorrer para dar uma chapada.

Quem pensou em cola não está totalmente errado. Mas o barato mesmo era tomar um tarja preta zoadão chamado Artane. Todos na banda têm histórias desconcertantes pelo uso dessa substância, e está tudo no documentário. Outro lance curioso são as tretas com as gangues de metaleiros playba da Vilaboim, que chegavam enquadrando os punks a bordo de jipes na porta do clube Napalm. Apesar de serem do metal, e não skinheads, essa turma já dava indícios de sua filosofia de vida, tanto que, segundo os caras do Ratos, a maioria virou polícia. A punkaiada vivia reclamando que o Napalm não lhes oferecia datas e horários decentes, privilegiando o povo da new wave, e quando rolou o primeiro show punk na casa, com RDP e Inocentes, o que os manos fizeram? Iniciaram uma guerra de extintores.

Uma passagem que me fez cascar o bico é quando o RDP leva o repertório do Crucificados para Salvador. Chegando lá, eles toparam com uma galera muito mais tensa do que em São Paulo, uns punks que usavam correntes como acessório e, na hora do pogo, saíam girando as correntes pro alto e batendo no chão, no palco e até na cabeça de neguinho. Para fazer a segurança do show, os guardas iam preparados, munidos de facões. Imagina se não teve treta de correntada vs facada no negócio?! De regresso da viagem, os caras passam pelo Circo Voador no Rio, onde está rolando som do… Capital Inicial. Conhecidos do RDP por causa dos rolês no Napalm, os brasilienses pedem uma carona no busão e quase têm seus instrumentos roubados pelos punks.

Pena que a Black Vomit não conseguiu descolar com a Globo as imagens dos punks causando no Projac, quando o pessoal do movimento recebeu cachê para fazer figuração numa cena da novela Eu Prometo, a última da autora Janete Clair, que morreu vítima de câncer antes do fim da produção. Esta, talvez, tenha sido a primeira “traição” ao movimento. O que esse monte de histórias tem a ver com a música presente no álbum? Bicho, tem tudo a ver. Porque o Crucificados Pelo Sistema aglutina em suas faixas todo esse espírito junkie, debochado, descompromissado, caótico, incerto e inquieto que os moicanos de São Paulo viviam.

O Crucificados, lançado originalmente nas versões capa azul e capa vermelha, gravado com instrumentos e pedais emprestados, um verdadeiro clássico cuja máster fora vendida para a Devil Discos pelo preço de um videocassete, está para o punk nacional assim como o Rocket To Russia está para o punk americano. Viver é uma confusão desgraçada, e nunca isso fica mais claro na vida de alguém do que quando você tem a sua primeira bad trip de Artane…