FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Do Analógico ao Digital: Uma História (Muito, Muito Simplificada) do Áudio

Fizemos um guia simplificado pra você saber escolher os melhores equipamentos de gravação, válvulas e transistores e saber sustentar uma conversa com aquele seu tio chato colecionador de música.

“Que microfone devo comprar?” “Quais os melhores monitores?”. Como sou uma espécie de maníaco por equipamentos, essas são algumas perguntas que escuto o tempo inteiro – como se existisse uma resposta certa e perfeita que pudesse tirar da minha manga assim, sem mais nem menos.

Pro bem ou pro mal, a democratização dos equipamentos de gravação colocaram a gravação, produção e distribuição ao alcance de qualquer um com um computador. Um mercado vibrante de equipamentos surgiu para usurpar as bitcoins ganhas com muito custo de quem quer gravar em casa, vendendo promessas de recriar aquele som vintage quintessencial bem ali no seu porão. Mas como chegamos até aqui?

Publicidade

Da Fita ao Computador

Analógico é como o mundo natural funciona: detalhes infinitos, resolução infinita. A fita é um meio que representa a informação em áudio analógico; outro exemplo são discos de vinil. Quando algo é convertido de analógico para digital, aquele detalhe infinito é destilado em um número finito de valores, então ao digitalizar algo, naturalmente se perde alguma informação. A ideia é que essa informação seja tão mínima que nem dê pra perceber, mas é lógico que algum nerd vai aparecer e dizer que dá sim, com certeza. Os audiófilos podem ir dos chatos – “Vinil soa melhor que CDs, MP3s são horrívels!” – aos enigmáticos – “Esses acordes soam mais transparentes”. Tá bom, bicho.

De qualquer forma, o áudio digital é um pilar da revolução computadorizada mais ampla que vem ocorrendo desde os anos 50. Esse lance todo de gravar em casa ficou sério mesmo (supondo que você não levasse a sério os gravadores de 4 canais) quando os computadores e conversão do analógico para o digital ficaram boas o suficiente e baratas o bastante para serem úteis para leigos. Mal sabe você que o GarageBand incluído no seu Macbook que o papai lhe comprou antes de te deixar na faculdade é construído sobre uma plataforma milhões de anos luz à frente do equipamento analógico multitrilha que Les Paul criou por volta de 1950. A fita costumava ser o formato em que se gravava áudio, mas a fita morreu. O digital é conveniente demais e barato. Manter e calibrar uma máquina de fita não é mais necessário. Então todos saúdem a revolução digital; perdemos um tiquinho, mas nós – as massas – ganhamos muito.

Publicidade

Válvulas e Transistores

As pessoas se empolgam pra cacete com válvulas. Válvulas geralmente são associadas com som de qualidade, mas que diabos são essas coisas?

As válvulas foram nossas primeiras ferramentas usadas para ampliar e modular sinais. As válvulas a vácuo consistem em uma placa de metal super quente que envia elétrons a uma placa receptora. Décadas atrás, ratos de laboratório com jalecos brancos e óculos de aros grossos (não irônicos) descobriram que poderiam colocar uma tela entre essas placas e controlar quantos daqueles elétrons fritos chegariam à receptora. O som valvulado no qual as pessoas piram se deve a duas coisas: os nerds de jaleco – eram profissionais que criaram um excelente design para outros profissionais de produção musical e do mundo das transmissões. E em segundo lugar, a maioria de nós – dependendo de quantos anos você tem – acha o som valvulado reconfortante porque muito dos discos que crescemos ouvindo foram gravados com essas válvulas. Enquanto você ficava sentado no carro da sua mãe se balançando ao som Linda Ronstadt, seus circuitos mentais estavam se ligando em válvulas.

Aí temos o estado sólido aka transistores, de reputação ruim. Ele usa o mesmo princípio que as válvulas: um transmissor, um receptor e um modulador, mas a diferença é que usa semicondutores dopados. Geralmente, o silicone é o material de base e então algum outro elemento como o boro é adicionado para dar a certa área uma propriedade elétrica diferente. É bem interessante assistir a uma aula de Física de Estado Sólido, não porque é legal dizer “sou um nerdão das ciências” hoje em dia, mas porque essa merda mudou o mundo e tal.

Publicidade

Mas e aí, qual a treta de todo mundo com os transistores? Na maior parte do tempo, design ruim e limitações tecnológicas que rolaram no início. Esse tipo de equipamento era barato de se fazer, e como resultado, veio a ser o que estava (e está) nas mãos das massas. A maioria dos equipamentos transistorizados que inundaram o mercado foram feitos para consumidores (ou seja, com menor qualidade) e com chips que não haviam sido criados para uso em áudio. O som resultante era desagradável. Adicione isso ao fato de que nossos cérebros estavam acostumados ao som valvulado e o transistor estaria condenado a ser algo de segunda classe. Infelizmente, porque com o design correto e as peças certas, dá pra se conseguir um excelente som.

Hoje em dia, valvulados e transistorizados ficam lado a lado. Com a mudança do analógico pro digital, a tendência é que haja mais poder nas mãos de mais pessoas por um custo menor, o que talvez possa significar uma qualidade um pouquinho menor.

Colecionadores versus Músicos

A fetichização de equipamentos é um problema sério. Muitos “músicos” são, na verdade, colecionadores posando de artistas para legitimizar seu consumo exagerado de porcaria. Comprar porcarias faz a gente se sentir bem. Eu mesmo já fui vítima disso, e percebo colegas que fazem o mesmo. Algumas das piores demonstrações disso são os acumuladores de equipamento vintage, que compram as peças certas para recriar algum som antigo dos Rolling Stones ou um disco dos Beatles. Como diabos isso seria um uso decente do seu tempo e bitcoins? Esses grandes discos do passado são magníficos por conta de músicos excelentes e não há a menor chance desses colecionadores chegarem de seu emprego de horário comercial e gravarem um Sticky Fingers Parte II no tempo livre. Este sonho faz os produtos girarem e protege o preço do investimento do verdadeiro colecionador, que vende suas coisas pra assalariados (em sua maioria baby boomers) que nutrem seus sonhos de rock’n’roll. Ou você é colecionador ou músico; sugiro que escolha um desses e siga em frente.

Estamos entrando em um novo mundo em que cada vez mais pessoas tem os meios para criar e distribuir música. É um belo desdobramento e me lembra do teorema do macaco infinito: talvez se você der a infinitos músicos com infinitos GarageBands uma quantidade infinita de tempo, eventualmente eles gravarão algo que seja massa. Ou então montarão um projeto de chillwave gravado no quarto. Só o tempo dirá.

Traduzido por: Thiago “Índio” Silva