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Música

Desvendando Conhecimentos Proibidos com os Crusties do Occultist

Falamos com o guitarrista Jim Reed sobre o som podrera feito em Richmond, intrigas da Igreja Católica e o "Death Sigils", sensacional disco de estreia da banda.

Foto por Joanna Moreno.

Já faz um tempo que o underground do sudeste norte-americano segue revelando ótimos rebentos da música extrema e discordante. E é de lá que vem um dos melhores atentados sonoros do barulhento e sujo ano de 2013. Estou falando do Occultist, de Richmond, Virgínia. Dá pra dizer que tem muitos crusties desfilando seu visual pelas ruas de onde eles vêm, mas não muita gente ativa formando bandas ao ponto em que poderíamos mapear um fenômeno d-beat/crust em ebulição. De qualquer jeito, se você curte um barulho de qualidade, vai concordar comigo que a energia de grupos como Asylum, Aghast, Violent Party, e Parasytic já valem um olhar mais apurado sobre as coisas que estão sendo produzidas por lá.

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Talvez o expoente mais bem resolvido desse cenário em termos de proposta e produção seja mesmo o Occultist. A banda foi formada em 2009 e chegou metendo os seus dois pés no peito com o lançamento do seu primeiro álbum, agora no finalzinho de 2013. Intitulado Death Sigils, o trabalho pode ser descrito em termos genéricos como uma espécie de crossover que liquidifica poderosamente influências que vão do crustcore ao trash metal, passando pelo doom/black metal e o d-beat. Em 2012, o Occultist já tinha chamado a atenção da rapaziada banger com a demo Hell by Our Hands, mas o disco novo chegou para revelar uma faceta ainda mais agressiva e avassaladora, sobretudo com a entrada da vocalista Kerry Zylstra.

Aproveitei a deixa para conversar com o guitarrista Jim Reed sobre a gravação do álbum, política, a cena de Richmond e a respeito de seu interesse tão inflamado pelo lado oculto da força. Eis o que rendeu:

Noisey: O Occultist apresenta um tipo de som bem definido e peculiar, combinando influências diversas do punk e do metal. Fiquei curioso sobre a trajetória de vocês na cena de Richmond. De onde vocês trazem essa vivência artística e política tão plural?
Jim Reed: Todos nós nos conhecemos como frequentadores de shows no circuito punk/metal DIY aqui em Richmond, Virgínia. Alguns de nós se identificam mais ou menos como freaks, crusties, punks ou metaleiros. Mas, no geral, todo mundo curte todo tipo de rolê por aqui. Claro que tem aqueles mais seletivos ou que se acham foda demais para estarem abertos a tudo, mas no todo posso afirmar que temos uma cena musical muito saudável. Como cada um de nós tem um envolvimento político particular, prefiro não ser porta voz da banda nesse aspecto, até porque todos demonstramos variadas opiniões sobre diferentes assuntos. É certo afirmar, no entanto, que toda a banda considera o corrente regime cleptocrata como uma fraude de marca maior. Não acreditamos que o sistema em vigência apresente uma estrutura sustentável, por isso ele vai eventualmente sucumbir sob o peso de seu próprios erros e afundar seu bote num mar de hipocrisias. As forças da natureza darão conta disso, ou então tudo irá pelos ares em um incêndio nuclear detonado por algum demente capaz de simplesmente apertar o botão do fim do mundo.

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Nos últimos tempos andei lendo e pesquisando sobre o oculto aleatoriamente. Quanto mais a gente descobre, mais surgem coisas para decifrar. No caso de vocês, o que mais atraiu para que a banda abordasse essa temática com tanto afinco?
Bem, isso é uma longa história. Para mim, tudo começou quando minha mãe me contou pela primeira vez a história da supressão dos Gnósticos pela Igreja Católica. Meus pais eram mente aberta e acreditavam que toda religião ou sistema possui algum tipo de valor; eles nunca frequentaram igreja e nunca tentaram enfiar preceitos religiosos pela minha goela abaixo, ainda bem. Minha mãe foi criada sob os costumes nativo-americanos mixados com o Catolicismo, mas ela formou sua própria noção de espiritualidade a partir desses valores e me encorajou para que encontrasse o meu próprio caminho na vida, tanto quanto meu pai, que foi criado como Protestante, nunca foi super religioso. Depois de estudar sobre os Gnósticos, eu li sobre todas as seitas que já sofreram perseguições. Acho que sou um pouco noia com conhecimentos históricos. Enfim, fiquei fascinado com as Cruzadas, as lendas do Santo Graal e com a Idade Medieval, quando criança. Fui ficando cada vez mais intrigado e mergulhei nas pesquisas para entender por que os credos não-Cristãos eram tão temidos pelos cristianistas e descobri que um sem-número desses credos foram na verdade importados das primeiras culturas pagãs. Nada disso fazia sentido, mas abriu meus olhos para a hipocrisia e a destruição de conhecimento que não só o Cristianismo como toda religião organizada impôs à nossa espécie. Meu avô por parte de mãe foi historiador, arquivista e esteve fortemente envolvido com a Maçonaria a maior parte de sua vida. Ele era bastante reservado sobre seu envolvimento com os maçons e ninguém da família ousara lhe perguntar qualquer coisa porque todos sabiam que não seriam respondidos. Ele levou consigo para o túmulo o que tinha de conhecimento acumulado sobre a fraternidade. E eu queria saber mais sobre o que ele escondia, então fui explorar as origens dessa ordem da melhor maneira possível, sem mesmo ter sido iniciado, e passei a ler todos os livros a respeito que caíam em minhas mãos. Isso foi muito antes da popularização da internet como a conhecemos e antes dessa caricatura que temos dos maçons, dos caras de chapéu ali reunidos em grupo, ser construída. Mais tarde a pesquisa me levou a descobrir os recônditos da Alquimia, as ordens obscuras, os caminhos da esquerda e da direita, variados ocultistas… Não sigo um caminho em particular, e percebo muito do conhecimento que nos restou como apenas um grão de areia, mas o maior aprendizado que tiro disso tudo é que a força do pensamento disciplinado pode surtir mudanças no mundo material – e entenda isso como você quiser. Resumindo, o conhecimento proibido e o entendimento do desconhecido são os elementos que mais nos atraem.

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A entrada de Kerry Zylstra no vocal trouxe um elemento estético que combinou demais com as discordantes bases de guitarra. O timbre de vocal berrado feminino fica muito bom nesse tipo de som. Lembrei até do Abuso Sonoro em algumas partes…
Pô, valeu! Não conheço o Abuso Sonoro, mas vou atrás de escutar com certeza. A Kerry costumava pintar nos nossos shows no nosso primeiro ano de banda, quando nos apresentávamos com um outro vocalista, nosso amigo Will Towles. Daí que o Will saiu e logo na sequência ela apareceu se oferecendo para cantar. Kerry nunca esteve em uma banda antes, mas a partir do momento em que ela pegou no microfone num barzinho onde costumávamos ensaiar, eu sabia que ela era a pessoa certa.

Foto por Sarja Hansen.

Hoje em dia as bandas recém-formadas se apressam em gravar e lançar seus discos. Vocês lançaram Death Sigils praticamente quatro anos após a formação da banda, não é? Por que tanto tempo?
Bem, nós lançamos um EP com quatro faixas chamado Hell by Our Hands no ano passado, como aperitivo. Agora, por que o álbum demorou? Sei lá, tivemos alguns altos e baixos na vida, mudanças na formação e, além do mais, a gente quis fazer no nosso ritmo, sem aquela preocupação de se mostrar, até para que pudéssemos nos focar naquilo que é importante para nós. Sei que a gente se moveu a passos curtos, só que eu também sinto que com a facilidade de acesso a equipamentos de gravação hoje em dia, muitas bandas se precipitam em registrar suas composições antes mesmo dos músicos estarem familiarizados com as bases. Queríamos que nossas diferenças musicais e pessoais pudessem ser transmitidas à gravação de maneira honesta, então as músicas se desenvolveram organicamente. Demorou, mas entregamos um trabalho que todos na banda consideram especial, e estamos verdadeiramente satisfeitos e seguros de apresentá-lo ao mundo.

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Fiquei sabendo que vocês gravaram esse repertório no estúdio dos caras do GWAR. Vocês chegaram a se conhecer? Eles são muito loucos ou engraçados pessoalmente? Conta aí esse rolê do estúdio. Tem alguma curiosidade que rolou durante as gravações?
O processo todo foi sensacional. Gravamos no Slave-Pit, que é o estúdio dos caras do GWAR aqui em Richmond. Trabalhamos com o Dave Gibson e o lançamento foi masterizado pelo super profissional "Sound Gooder" Dan Randal no Mammoth Sound Mastering. Manjo tudo de GWAR e nós gravamos ao mesmo tempo em que eles estavam trabalhando no repertório do disco novo deles, o Battle Maximus, no mesmo estúdio. Nós topávamos com os caras direto nesse período por ali, e até deu pra sacar a passagem de som deles. Mas nenhuma história muito louca pra contar. Apenas que eles curtiram o que escutaram do nosso som enquanto mixávamos e foram bastante receptivos e cordiais.

Quem escreve as letras de vocês e qual a mensagem a banda quer passar? Que bandeira vocês defendem?
Quem escreve a maioria das letras é a Kerry, e alguns de nós também contribuímos, assim como um amigo nosso que não faz parte da banda, o Justin Ryan. Não temos uma bandeira específica para levantar - somos uma banda que funciona mais como uma entidade abstrata. Acho que a exploração do desconhecido, o questionamento de tudo nessa realidade e a criatividade extraída do obscuro em si mesmo, assim como o mundo exterior em si mesmo, são elementos comuns que gostamos de abordar.

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Foto por George Lawhorn.

Sobrou algum material extra que não entrou no LP para ser lançado em outra plataforma? Qual o próximo passo? Vocês vão entrar em turnê para promover o álbum?
Não, não sobraram b-sides nem faixas não aproveitadas pra lançar em outros formatos. Estamos neste mês, porém, gravando um cover do Plasmatics para um split, além de algumas faixas novas que vamos gravar para um novo EP que, com sorte, será lançado na próxima temporada. Também estamos planejando uma turnê parcial pelos Estados Unidos em abril com as bandas Iron Reagan e Ghoul, e vamos participar de alguns festivais e fazer uma turnê no verão norte-americano de 2014.

Achei bem louca a ilustração da capa do disco. Quem é a pessoa por trás da identidade visual? Aquele desenho foi ideia de vocês ou simplesmente deram carta branca para algum artista criar livremente?
O cara por trás dssa arte chama-se Stiv Bar-itch, que é um dos meus artistas favoritos. Ele é o líder de uma banda de crust muito do caralho chamada Visions of War e já rabiscou um monte de capas de discos ou outras criações para destacadas bandas do cenário crust/punk. Eu tinha um tema genérico e lancei pro Stiv que ele podia viajar na parada o quanto quisesse. Ele fez um trabalho incrível, eu não poderia ter ficado mais contente, saiu além das minhas expectativas. Esperem por mais artes dele em nosso próximos trabalhos.

Você se sente representado pela música contemporânea de modo geral?
Me sinto feliz pelo fato de ter a oportunidade de conhecer um monte de gente mais nova do que eu que se mostra realmente interessada na subcultura do it yourself, tanto nas coisas das antigas quanto no que está sendo produzido atualmente. Acho que o nível de entusiasmo é muito latente quando vemos as gerações mais novas carregando a tocha do punk, do metal e da música de vanguarda. Fora isso, tem um monte de ótimas bandas que estão trabalhando com a inovação ao longo de todo o mapa hoje em dia. O que fode tudo é aquilo de sempre, muito som sem alma e sem arte sendo feito por conta da busca em alcançar um apelo pop. O mercado ainda tem demanda para coisas sem substância, de valor e consumo sazonais. O fato de que atualmente as pessoas conseguem usar um computador para maquiar sua falta de talento e, ainda assim, não conseguirem produzir nada relevante, é de fato muito frustrante.