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Música

Conseguirá o Reggae Roots Ganhar o Coração da Jamaica Novamente?

Protoje e seus conterrâneos estão na crista da onda de um revival do reggae roots que começou a inundar a Jamaica em 2011, e agora vai molhando os pés do mundo.

Por mais que ainda surjam muitas bandas de reggae nos lendários estúdios jamaicanos, o gênero não é mais o padrão do país. Alguns anos atrás, muitas rádios se recusavam a tocar reggae em geral, e ao invés disso davam preferência ao dancehall e R&B locais. Seria o reggae visto como algo pertencente a outra geração? “Eu não sei”, ri Protoje, “mas nos faz olhar para fora da Jamaica. Não receber carinho do seu próprio país é o que te leva a ficar ali no Phillies Cafe em Kensington, Londres, e tentar falar de minha música com gente como você”.

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Junto de Kabaka Pyramid, Jesse Royal, Jah9, Raging Fyah e Chronixx, o colaborador de Major Lazer, Protoje está na crista da onda de um revival do reggae roots que começou a inundar a Jamaica em 2011, e agora vai molhando os pés do mundo. Ele conseguiu alguns hits modestos na França, Canadá e Alemanha, além de tocar para milhares de pessoas em festivais na Bélgica, Suíça e Polônia. Recentemente ele mandou um set ao vivo no Red Bull Soundsystem no Carnaval de Notting, e parecia muito empolgado: “O Rodigan disse que era foda, então eu disse que topava”.

Protoje cresceu em St. Elizabeth, Jamaica, em uma freguesia ao sudoeste da cidade que os locais chamam de “a cesta de pão”, graças à sua reputação na produção agrícola. Com sua mãe, uma estrela do reggae dos anos 70, e seu pai, um grande cantor de calypso, parece justo perguntar se desde criança esperavam que ele fizesse algo na música. “Não, eles não precisaram me encorajar, porque na Jamaica todo mundo faz música. Se você cresce lá, vai mexer com música de alguma forma”.

Logo ele estava deixando a educação de lado em busca de uma carreira integral na música, e quando sua mãe descobriu, lhe deu um ano para dar certo nessa empreitada. Praticamente doze meses depois, sua canção “Rasta Love” – o primeiro grande single deste revival do reggae – estava à frente das rádios locais, quebrando o monopólio do pop e dancehall. Mas quando que a coisa deu certo? “Jamnesia”, sorri Protoje. “Foi o lugar primordial que deu às pessoas a oportunidade de tocar com músicos ao vivo e criar”.

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Jamnesia é um clube de surfe gerenciado por Billy Mystic, o pai da cultura surfista jamaicana, e as jams de Protoje lá, junto com Jah9 e Raging Fyah, foram os momentos que o inspiraram a trabalhar em um disco. Aquilo acabou se tornando seu álbum de estreia, The Seven Year Itch, de onde o single “Rasta Love” veio e bombou. “Fui o primeiro a ser reconhecido mundialmente pela música, mesmo trabalhando ali direto de Jamnesia. Logo depois, Chronixx estava lançando também e eu produzia o primeiro disco de Kabaka. A coisa começou a crescer e se espalhar”.

Reviver algo tão profundo e histórico quanto o reggae roots é uma tremenda missão. Em 23 de setembro de 1980, Bob Marley tocou seu última no show no Stanley Theatre de Pittsburg, e o reggae poderia ter tomado o mundo com sua mensagem de liberdade, aceitação e compreensão. Ao invés disso, aquele show foi seu último. “Peter Tosh morreu pouco depois daquilo”, explica Protoje, “e Jacob Miller já havia falecido em um acidente automobilístico. Imagine três dos maiores nomes do gênero morrendo em uma só década? O reggae desde então tenta se recuperar do baque”. O reggae roots quase reviveu por conta própria no começo dos anos 90 por meio dos desabafos conscientes de Garnett Silk, mas ele também morreu cedo demais. Na Europa, a cultural do soundsystem entrou em erupção como homenagem ao legado jamaicano, mas o progresso na terra natal havia parado, e enquanto pioneiros como Tony Rebel possam ter mantido a chama acesa – por meio de festivais anuais como o Rebel Salute em Mandeville – tudo parecia fruto de nostalgia até então.

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Protoje não tem a menor intenção de deixar este novo movimento morrer. Ele sabe bem demais que o reggae clássico não pode ser simplesmente revendido para um novo público millenial. Para dar ao revival uma esperança de duração, seus sentimentos essenciais rastafári de espiritualidade, esperança e consciência negra devem ser modernizados. Protoje define o pensamento geral por trás do revival: “É inspirado no passado e construído em cima dele. Não é só música que soe como a Jamaica dos anos 70 e 80. Os temas que escolhi tratar envolvem filosofia e jeitos de se viver de centenas de anos atrás, na forma de música, traduzindo-as para o presente dos jovens”.

Para este novo movimento, cada ato traz algo de específico. Alguns deles incorporam elementos da era de ouro do reggae 70, outros relembram a experimentação dub do começo dos anos 80. Chronixx, por exemplo, puxa muito para o dancehall, levando aquele peso para o ritmo roots, uma abordagem que lhe rendeu uma apresentação no programa de Jimmy Fallon em julho. “Todos temos diferentes interpretações do que queremos fazer”, declara Protoje, “mas o que nos une é o respeito pelo passado. Não tem como saber onde você está indo se não sabe de onde veio”.

Além de Judy Mowatt, Althea & Donna e a mãe de Protoje, Lorna Bennett, a época original do reggae roots foi um período predominantemente masculino da música jamaicana, o que refletia a grande população masculina no movimento rastafári do passado. Questiono Protoje se o revival moderno promove oportunidades iguais para as mulheres, e seu rosto se ilumina: “É claro! Há muitas artistas talentosas na Jamaica agora. Jah9 por exemplo, e eu acabo de assinar com uma garota chamada Sevana. Tenho muitas expectativas, e sei que o Reino Unido irá amá-la. Mas você tem que se certificar de que a música seja lançada do jeito certo. Algo que falta no país é a visão de como lançar música adequadamente”.

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O dancehall é um gênero que sabe como distribuir sua música de forma viral, e as playlists atuais das rádios jamaicanas mostram que nem tudo foi pro pau quando o Vybz Kartel caiu, mas é definitivamente um gênero em crise. Aquela mudança para o digital que há um tempo parecia ousada saiu pela culatra agora que qualquer um com um laptop pode se chamar de produtor. E, com um foco menor em shows, o nível de entrada no gênero e sua qualidade geral caíram, resultando em uma nova safra simplesmente incapaz de criar músicas que sobrevivam ao teste do tempo. Com foco voltado para a instrumentação, o movimento reggae roots é a antítese desta abordagem.

Mas quando pergunto a Protoje se ele crê que as últimas duas décadas de dancehall afetaram a cultura jamaicana negativamente, ele reluta em apontar culpados. “Não discrimino o dancehall. Cresci ouvindo-o. Só não acho que foi justo colocar a mensagem do reggae na marcha lenta e deixar o dancehall como tudo que a juventude via. Precisa haver um equilíbrio. É este nosso jeito de passar uma mensagem também e dar à juventude uma escolha”.

O terceiro álbum de Protoje, Ancient Future, sai este mês, e já está tomando forma para ser um ponto chave no futuro da cultura roots. Ele vem com tudo com um single, ‘Who Knows’ – uma jam de reggae profunda cheia de positividade que pinta a Jamaica como um lugar de orgulho e sonhos para aqueles dispostos a mudar de perspectiva. Ele começa a cantar um dos trechos mais pungentes da música pra mim: “Man den in a city hungry and nuh eat / And food den down a country just a drop off a di trees dem / He say poverty nuh real!” [homens famintos em uma cidade sem comida / e a comida está ali nas árvores / ele diz que a pobreza não é real]. A canção realça um estranho paradoxo na vida jamaicana, em que pessoas passam fome nas cidades, mas lugares como sua cidade natal, St. Elizabeth, jogam fora alimentos que simplesmente não têm como vender.

Antes de Protoje chegar ao café, estava lendo sobre a última noite repleta de tiros e gás lacrimogêneo em Ferguson, Missouri, e pergunto a ele sua opinião. “Falar de Ferguson é falar de um incidente ainda maior. Não que eu queira diminuir o que acontece agora, porque sempre que alguém perde a vida, é trágico, mas o que acontece em Ferguson é rotina na Jamaica”. Ele me pergunta sobre uma vítima recente, Mario Deane, e me sinto envergonhado pelo fato do nome não vir à mente tão rápido quanto Michael Brown, de Ferguson. “Mario Deane”, ele explica, “foi preso por conta de um baseado e foi espancado até a morte sob custódia policial em St. James. Este tipo de coisa vai aparecer mais e mais e as pessoas se rebelarão ainda mais. Quem sabe o que vem por aí? A única coisa que sei é que: a polícia existe para proteger e servir os direitos do estado, sob o pretexto de proteger a população, pelos meios que forem necessários”.

O papel do estado é algo que Protoje se envolve muito, e durante nossa conversa, ele dispara alguns comentários sobre a corrupção jamaicana, “imperialismo de quinto estágio”, e o domínio do FMI sobre seu país. Concluindo, pergunto a ele qual sua postura diante do fato do governo ter se agarrado ao revival do reggae roots como forma de estimular o turismo no país, adicionando que se os Conservadores de repente apoiassem como a loucura no Reino Unido em torno do pop politicamente correto, não acabaria estragando a coisa toda para o público em geral. “Sim, poderia ter um efeito negativo”, ri, “mas não vamos deixar o governo chegar e controlar nossa música, alterando-a como bem entenderem. Vemos dezenas de milhares de pessoas quando tocamos em festivais, então sim, já fazemos parte importante da indústria turística… Mas nós falamos de forma autêntica o que é a Jamaica agora”.

Tradução: Thiago “Índio” Silva