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Música

Esqueça as Camisas de Flanela: É a Cena Punk Feminista que Salva o Rock de Seattle

Dez bandas lideradas por mulheres mostram como a cena música & arte na capital do grunge está diferente graças a influência feminista.

Foto cortesia de Mommy Long Legs

São onze da noite de uma sexta-feira na Pine Street, no bairro Capitol Hill, em Seattle, e o quarteirão está fervilhando com gente jovem entrando e saindo de boates e bares. Um grupo de pessoas de vinte e poucos anos se congrega em volta de um pau de selfie. Elas dão risadinhas e apontam seus rostos vermelhos, suados e sorridentes na direção da câmera. Uma mulher passa por ali, oscilando em cima de seus saltos de dez centímetros enquanto se apoia um pouco no braço do namorado. Virando a esquina, um mano de fraternidade, bêbado e usando camisa polo, deixa pender desalentadamente a cabeça em um beco, e vomita as batatas que comeu há pouco no diner de preços salgados ali perto. O amigo, com um boné do Seahawks ao contrário, berra obscenidades ininteligíveis para uma mulher que passa por ali usando minissaia, cujas lantejoulas brilham na rua mal iluminada.

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No meio desse apocalipse de bróders saturados de vodca, há esperança. Na esquina seguinte, saindo dessa zorra, está o Cockpit, um espaço de música e artes DIY queer. É um lugar mágico, embebido de místicas luzes tecnicolor, e decorado com um manequim vestido em roupa de bondage. O espaço tem até mesmo um loft amplo e um balanço. É colorido, absurdo, tem uma vibe de outro mundo, e é inquestionavelmente queer. Apesar da presença vibrante do Cockpit, nos dois últimos anos, os ataques às pessoas que se identificam como LGBTQ dispararam no bairro, historicamente identificado com o movimento.

O bairro de Capitol Hill mudou extraordinariamente nos últimos anos. Antigo coração da comunidade queer de Seattle e epicentro da cena artística, a vizinhança hoje é lar de numerosos e imensos condomínios pré-fabricados, bares excêntricos e smoothies verdes de vinte dólares. Surpreendentemente, em meio a crescente gentrificação, parte da cena de música e artes de Seattle continua a crescer, em especial a música, a arte e o ativismo feministas. No decorrer dos últimos anos, enquanto grupos foram desfeitos como os queridinhos do indie-pop Death Cab for Cutie e os barbados do Fleet Foxes, os integrantes das bandas alternativas mais renomadas de Seattle deixaram de consistir basicamente nos caras brancos e tristonhos usando camisas de flanela, e passaram a ser mulheres de bandas francamente feministas. Nesse ano, por exemplo, as bandas veteranas da cena Tacocat e Chastity Belt vêm ganhando atenção nacional, e bandas mais novas, como Mombutt, La Luz e Mommy Long Legs surgiram.

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Essas bandas, e suas letras de construção implicitamente feminista, subvertem as normalidades da história da música alternativa ao abordar questões importantes como gentrificação, assédio nas ruas e liberdade sexual. Bree McKenna, baixista do Tacocat e do Childbirth diz: "Nunca se sentiu mais orgulhosa e feliz de participar da cena de artes de Seattle". Ela conta que o feminismo é "um assunto da minha música porque é uma parte importante das minhas experiências de vida. Vivenciar o sexismo, a homofobia e a discriminação influenciou muitos elementos da minha vida cotidiana, que eu acabo investigando na minha música." Ela continua: "Tendo sofrido muitas dessas coisas nos meus anos de formação, fico extra feliz ao ver que as vozes sub-representadas estão gritando o mais alto possível."

Embora questões explicitamente feministas estejam sendo abordadas na cena musical de Seattle, outras questões e identidades não são ignoradas. Bailey Skye, integrante da banda Mombutt, elabora: "Tenho a impressão de que a cena se esforça muito para expressar abertamente a sua inclusão, mas acaba fetichizando um ou alguns artistas de cor por causa da imagem que têm, em vez de tentar desmantelar as verdadeiras questões que estão aí. Os espaços meio que subconscientemente perpetuam a marginalização, ao só apresentar e apoiar amigos e colegas brancos que têm um trabalho 'bom' no sentido comum, mas que não demonstram um posicionamento, porque eles nunca foram oprimidos."

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Elena Kuran, integrante do Mombutt, ecoa essas declarações, e acrescenta conselhos para os jovens de identidades marginalizadas que querem participar da cena de música e artes de Seattle. Ela diz: "Sou cercada por privilégios todos os dias, e participo de uma cena que em tese é uma fuga deles, mas que os perpetua. Essa é uma verdade injusta, e não vai mudar a menos que a abordemos ativamente. Como uma garota de origem em parte japonesa envolvida na cena de música e artes, isso é uma coisa da qual faço sempre questão de me lembrar." Ela dá conselho a "qualquer um que esteja pensando em se envolver na cena de música e artes, especialmente os que são de identidades marginalizadas" e os encoraja a "formar bandas com amigos que compartilhem de experiências semelhantes às suas, fazer zines sobre questões que são importantes para você, e apoiar os artistas locais, indo aos shows deles e comprando seus produtos." O mais importante, diz ela, "é não se deixar diluir por causa de ninguém."

Mombutt

Embora as integrantes não tenham nem vinte anos, a música do Mumbutt traz em si uma sofisticação ingênua.Em "r u cirrus", a voz delicada de Kuran flutua acima de padrões de bateria estilo pop e de uma guitarra econômica. "need me" se destaca. "Ooohs e ahhs" angélicos fazem par com berros furiosos em "need me" -- "You tell me you need me / You don’t need me!" ("Você diz que precisa de mim / Você não precisa de mim!").Curtas e simples, suas músicas são ainda assim cativantes e comunicam uma esperteza sarcástica que desmente a idade das integrantes da banda.

Mommy Long Legs

O show do Mommy Long Legs é horripilante e cintilante — ao vivo, elas tocam com os rostos empapados de glitter e batom preto. Na faixa de destaque "Weird Girls", do EP Assholes, o Mommy Long Legs rosna: "Don’t wanna be another Ashley / Don’t wanna count my fucking calories / Don’t wanna worry about my body ‘cause dickheads will like me." ("Não quero ser uma outra Ashley / Não quero contar essas porras de calorias / Não quero me preocupar com o meu corpo para que babacas gostem de mim.") A música delas, cheia de guinchos e cordas quebradiças, é raivosa e farsesca, porém inegavelmente feminista.

Tacocat

O Tacocat chamou a atenção do país com o lançamento do disco NVM, pela Hardly Art. Cheio de doces melodias pop punk, NVM tem músicas que grudam na cabeça sobre vaias, roommates anarquistas irritantes, o temido metrô-ônibus nº8 de Seattle e um surf rock sobre menstruação. O lançamento de 2010, Shame Spiral, está cheio de faixas que agradam os gostos punk, como "UTI" (“bathwater sex, contraception, I think I got a urinary tract infection!” — "sexo de água de banheira, contracepção, acho que meu trato urinário pegou uma infecção!"), "Peeps" (uma ode àquele lambuzento doce de marshmallow) e "Leotard" ["collant"] (sobre um método especial de castidade). Ouvir o Tacocat é recomendado quando você quer receber aquela dose de pop punke sentir um barato de açúcar.

Chastity Belt

O Chastity Belt – formado por Julia Shapiro, Lydia Lind, Annie Trunscott e Gretchen Grimm – começou no Whitman College, em Walla Walla, Washington. Após o lançamento, em 2015, do disco Time To Go Home, aclamado pela crítica, elas receberam atenção nacional e uma menção na New Yorker (o que resultou em minha tia não-punk de meia-idade me perguntando se eu sabia quem eram). Uma das melhores faixas de Time To Go Home é "Cool Slut", um hino pró-vadia, e embora muitas dessas músicas ainda tenham o característico senso de humor maluco do Chastity Belt, há a presença de uma nova sofisticação e tristeza. Ainda assim, para dar risadas e ouvir algo que não vai sair da sua cabeça, dê uma olhada nas clássicas "Giant (Vagina)" e "Pussy Weed Beer".

THEEsatisfaction

THEEsatisfaction é surfista das galáxias, o superpoder cósmico de hip-hop dos seus sonhos. Trata-se de Stas Irons e Cat Harris-White, cujas batidas insanas são clássicos de Seattle. Elas abordam temas como identidades queer, racismo e colonialismo em muitas das suas músicas. Juntas, criaram as festas Black Weirdo, com o objetivo de reverenciar a comunidade negra e construir vínculos com ela. Procure o EP EarTHEE, lançado pela Sub Pop em 2015, para uma dose de sintetizadores alienígenas transformadores.

Childbirth

Childbirth é o supergrupo punk feminista quintessencial de Seattle. Formado por Julia Shapiro (do Chastity Belt), Stacy Peck (Pony Time) e Bree McKenna (Tacocat), as músicas delas são descaradamente feministas, e geram um sentimento de identificação. O lançamento mais recente, Women's Rights (que a Suicide Squeezeacabou de lançar), tem viciantes hinos pop punk sobre gentrificação e mansplaining.

Gifted Gab

Integrante do coletivo Moor Gang, de Seattle, Gifted Gab é uma figura de destaque da cena rapper de Seattle desde que se formou no segundo grau, dominando a cena normalmente governada por homens. Seu lançamentobrutalmente honesto Girl Rap, de 2014, traz um rap viciante e animado, com a participação do clássico, Nacho Picasso, e as rimas dela são inteligentes, têm uma construção impecável, e são inquestionavelmente difíceis de tirar da cabeça.

Lisa Prank

Lisa Prank cria um pop punk chiclete com vibe de meu quarto, meu mundo. Sua música faz lembrar anotações sentimentais de diário, canetas gel cintilantes e presilhas de plástico, e, nos shows, ela faz covers de músicas queridas e antigas, como "Dammit", do Blink-182. Para uma viagem de volta à adolescência com tons cor-de-rosa, mas também angustiada, dê uma olhada em Crush on the World.

NighTraiN

Mating Call, de 2014, é muito feminista e puramente punk. A melhor faixa do disco é "Girl Band", na qual a vocalista principal, Rachael Ferguson, canta: "We are a girl band / Don’t get it twisted / We’re gonna wear you out." ("Somos uma girl band / Não entenda errado / Vamos exaurir você"). No álbum há também hinos à liberdade sexual e com presença forte do baixo como Bathwater e Reply, o punk movido a funk do NighTraiN é perfeito para uma festa cheia de dança libidinosa e caótica.

La Luz

La Luz faz um surf-rock ensolarado e hipnótico que brilha como um farol na chuvosa Seattle. O inquietante EP Weirdo Shrine é baseado na graphic novel Black Hole, do quadrinista criado em Seattle Charles Burns. Cheio de riffs de guitarra tortuosos e com reverberadores intensos, além de harmonias fantasmagóricas, La Luz transportará quem o ouvir para uma praia sombria e desolada do Pacífico Noroeste.

Emma May está no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler

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