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Música

Medindo a Temperatura da Cena Musical Insanamente Eclética de Tel Aviv

Em meio ao calor intenso e as tensões políticas, a segunda maior metrópole de Israel abriga um grande talento musical de todos os gêneros.

A dupla de electro-pop Reo, de Tel Aviv

Por favor, desculpem minha postura patética. É que estou toda encolhida sob o peso de uma gigantesca bolsa de gelo pingante, com a qual estou tentando esfriar o meu corpo. Mesmo para esta africana, caminhar pelas ruas de Tel Aviv durante o auge da fúria do verão parece um evento levemente bíblico – um centímetro na direção errada e corro risco de entrar em combustão.

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Ah, sim! Guerra! Violência! Cá estão vocês. Esqueci de ficar puta com as vossas existências por uma semana inteira.

Eu me mudei para Tel Aviv vinda de Cidade do Cabo, na África do Sul, onze meses atrás. Estava precisando de uma mudança de ares. Precisava de mais. Precisava continuar me sentindo no limite, continuar me sentindo viva. Às vezes, a escolha mais racional que podemos fazer é uma investida aleatória em meio às trevas. E também eu não conseguia lidar com ter uma opinião sem estar lá, nas trincheiras, para ver tudo em primeira mão, porque a empatia é um instrumento frágil demais para conseguir efetivar qualquer tipo de progresso moral, e apontar o seu dedinho na cara dos outros à distância é algo que tem suas limitações.

Depois de ouvir dizer que a indústria da música era semelhante à África do Sul – no sentido de conseguir seguir em frente apesar de seu tamanho diminuto, de sofrer colossais desafios políticos, e de carecer de recursos de produção – eu precisava dar o salto e cair bem lá no fundo. Estou agora nadando em um gigantesco tanque de “que porra é essa?”. Já faz um ano desde a última guerra de verão, e embora as organizações terroristas extremistas continuem a lançar foguetes contra os territórios israelenses, os extremistas israelenses continuam a retaliar. É esse toma-lá-dá-cá desumano, esse estalar do chicote político, que transforma a experiência de morar e trabalhar aqui num enigma constante.

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Posso comparar a sensação de morar em Tel Aviv ao exato momento em que tudo passa do severo e combativo preto-e-branco para o colorido vivo no filme Pleasantville. É raro se encontrar sem absolutamente nada para fazer; a cena underground daqui fica tão acima da superfície que não há como não tropeçar nela. É uma cena progressista, composta de múltiplas raças (em alguns lugares, é mais fácil ouvir gente falando francês do que inglês), e suponho que suas dimensões miúdas (daria para colocar aproximadamente 34 Israéis dentro do estado do Texas) impliquem na cena artística ser inacreditavelmente unida.

Há alguns anos, os artistas israelenses (de modo semelhante ao que aconteceu com a classe criativa da África do Sul) se transformaram em símbolos aos quais o resto do mundo pede que abordem o ódio político, e muitas vezes as críticas se focam mais em quem eles são do que em seus atos. Ao que parece, da perspectiva de quem está no meio da confusão, eles chegaram a uma colisão impenitente entre percepção e realidade; árabes e judeus estão fazendo música juntos, judeus cantam em árabe, árabes fazem covers de músicas judaicas – estamos praticamente vendo seu dedo do meio levantar em resposta às expectativas dos outros. Os artistas estão corajosamente abraçando as limitações, e usando-as como combustível da criatividade.

Há muito tempo é chique dizer que o mundo está encolhendo. As distâncias são esmagadas pela tecnologia, e é importante (só não mais fácil) derreter com laser as camadas de hipocrisia que existem na mídia e na política. Caramba, os gregos já ficavam intrigados com o fato de termos dois ouvidos e uma só boca, e é nessa proporção que eles devem ser usados. Então, embora a sinfonia humana ainda pareça estar desafinada, a música pode facilmente se tornar o fator essencial para o progresso moral da humanidade, mesmo que gerações ainda tenham

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terroristas extremistas continuem a lançar foguetes contra os territórios israelenses, os extremistas israelenses continuam a retaliar. É esse toma-lá-dá-cá desumano, esse estalar do chicote político, que transforma a experiência de morar e trabalhar aqui num enigma constante.

Posso comparar a sensação de morar em Tel Aviv ao exato momento em que tudo passa do severo e combativo preto-e-branco para o colorido vivo no filme Pleasantville. É raro se encontrar sem absolutamente nada para fazer; a cena underground daqui fica tão acima da superfície que não há como não tropeçar nela. É uma cena progressista, composta de múltiplas raças (em alguns lugares, é mais fácil ouvir gente falando francês do que inglês), e suponho que suas dimensões miúdas (daria para colocar aproximadamente 34 Israéis dentro do estado do Texas) impliquem na cena artística ser inacreditavelmente unida.

Há alguns anos, os artistas israelenses (de modo semelhante ao que aconteceu com a classe criativa da África do Sul) se transformaram em símbolos aos quais o resto do mundo pede que abordem o ódio político, e muitas vezes as críticas se focam mais em quem eles são do que em seus atos. Ao que parece, da perspectiva de quem está no meio da confusão, eles chegaram a uma colisão impenitente entre percepção e realidade; árabes e judeus estão fazendo música juntos, judeus cantam em árabe, árabes fazem covers de músicas judaicas – estamos praticamente vendo seu dedo do meio levantar em resposta às expectativas dos outros. Os artistas estão corajosamente abraçando as limitações, e usando-as como combustível da criatividade.

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Há muito tempo é chique dizer que o mundo está encolhendo. As distâncias são esmagadas pela tecnologia, e é importante (só não mais fácil) derreter com laser as camadas de hipocrisia que existem na mídia e na política. Caramba, os gregos já ficavam intrigados com o fato de termos dois ouvidos e uma só boca, e é nessa proporção que eles devem ser usados. Então, embora a sinfonia humana ainda pareça estar desafinada, a música pode facilmente se tornar o fator essencial para o progresso moral da humanidade, mesmo que gerações ainda tenham que passar antes que os efeitos sejam sentidos.

Bom, pelo menos uma coisa é verdade: não há maneira melhor de compor um retrato de onde se encontra hoje a indústria musical israelense do que examinando um grupo de artistas que transformam as coisas mais difíceis que acontecem em suas vidas em uma narrativa celebratória.

Continua abaixo…

Tzlil

Curtindo essa trip de pop açucarado, um novo ouvinte mereceria perdão por não perceber a veia sombria de Tzlil Danin. Nenhuma emoção é secundária em seu mundo; a vemos juntar um sintetizador suave e reverberante com elementos atmosféricos típicos do Oriente Médio, enquanto descreve em detalhes a topografia de relacionamentos complicados. Não demora muito para que tudo se derrame num caos de R&B, seus cantos rodeando e escalando os instrumentos que complementam o humor soturno das letras. “I know it ain’t easy to feel unique / What can they do I’m in this mess” (“Sei que se sentir única não é fácil / O que podem fazer se estou nessa fossa”, ela canta em “City Friends”, transformando a delicada repetição das palavras “dream on” em uma tatuagem rítmica.

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Acollective

Estar no público em um show do Acollective é algo impossível de descrever da maneira correta sem soar uma idiota: você vê punhos agarrando o ar (como se nem fosse feito de ar), fãs cantando todas as letras, braços entrelaçados e ondulando em conjunto; é extraordinário. Dê uma ouvida em “Happiest of all Memorial Days”, a terceira faixa do disco mais recente, Pangaea, e mesmo ela soa libertadora demais para ser vista como uma música deprimente, e deprimente demais para ser encarada como libertadora. A música explode com uma altura que faz a dor crua e a perda devastadora soarem triunfantes. Eles invocam esse raro equilíbrio entre catarse e sofrimento – uma demonstração adequada de como é viver em Israel – enquanto peregrinam por entre o pop progressivo, o blues, o folk e a música eletrônica do Oriente Médio. Tendo trabalhado com Chris Shaw (há muito tempo o engenheiro de som de Bob Dylan), o septeto criou um dos clipes mais populares no Oriente Médio, da música “Breaking Apart” (com animações das capas de LP mais queridas da música moderna cantando junto) e nos lembra exatamente até que altura podem subir os artistas que se unem.

Nico Teen

Depois dos primeiros poucos segundos do recém-lançado quarto disco de estúdio de Nico Teen, In the Houses, a devastadora melodia vaza para um úmido submundo no qual samples tomam como fungos as paredes de sua produção lo-fi – muito como uma casa assombrada na qual seus habitantes existem sem saber. É uma inquietante mistura de elementos sônicos feita por Zohar Shafir – que vem fazendo música sob o nome de Nico Teen há quase uma década – e com certeza cairá nas graças dos fãs tanto do Warpaint quanto de Grimes. Em meio a tudo isso, temos os cambaleantes vocais meio folk de Shafir, cantarolando uma serenata que insere momentos sombrios em camadas eletrônicas firmes e salpicadas de sujeira, investigando habilmente as ligações entre os seres humanos, quer sejam elas físicas ou verbais.

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lessAcrobats

Lançado nesse julho último, o LP da banda, Other Selves, vem sustentado por um buzz criado em torno dele e por suaves riffs de surf-rock, e uma espetaculosa ênfase numa vibe pop anos 60, mas embora o lessAcrobats utilize a nostalgia como se fosse um tipo de instrumento, foi a mixagem de Thom Monahan (Vetiver, Devendra Banhart, Au Revoir Simone) que acabou sendo o fio condutor entre as faixas do disco. O quarteto oscila entre burners arqueados e psicodélicos com guitarras que fazem lembrar The Drums e The Beach Boys. Itay Nirenblat parece juvenilmente umbigocêntrico, mantendo intacta uma meninice anos 90 e ao mesmo tempo soando franco, e até mesmo vigoroso quando canta. Embora os ganchos sejam sinceros e intensificados pelos gritos metralhados pela guitarra de Roi Keidar, os arranjos não são complicados, e a bateria fecha bem o conjunto.

Bill and Murray

Interrompemos esse escandaloso mix multi-gêneros para uma breve dose de serenidade. Da dissonante frieza de “What's There to Fear” à sombria e retorcida faixa de synth pop “Rabbit Hole”, Bill and Murray é composto de novatos que fazem uma música que é suave, lúgubre e cativante. “The Silence Grows” (acima) é o destaque do disco de estreia, ainda para ser lançado, comparando uma discussão entre amantes à volatilidade do oceano, tudo isso banhado por uma pilha de íntimos e tenros acordes de sintetizador. A voz de Gotshtein carrega também o peso de uma canção de amor – é delicada, porém impossível de ignorar. Eles têm a capacidade de explicar os relacionamentos em um país tumultuado de maneiras dolorosamente simples: “All these colorful lives / We live in a country that dies.” (“Todas essas vidas cheias de cor / As vivemos num país que agoniza.”)

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Reo

Esta jovem dupla de electro-pop embebe seu som, transmitido por instrumentos analógicos, nos anos 80 e 90. As letras em hebraico cavalgam trêmulos acordes eletrônicos, no recente single “Courage”, enquanto os vocais sussurrantes de Zoe Polanski e Or Edry se unem sob espasmos de trilados tingidos de disco. O Reo canta sobre as quedas livres, as ansiedades e os medos humanos. Mesmo que você esteja mergulhado em um cosmos cuja língua desconhece, considere o fato de que, há mais de um século, os escritores de canções investem o seu emocional na reflexão sobre si mesmos, e às vezes o significado é transmitido a despeito de quaisquer barreiras linguísticas. Quando traduzidas literalmente, as letras parecem feitas sob encomenda para o Tumblr: frases motivacionais que encorajam o ouvinte a atacar o dia: “Eu tenho o poder / Não esqueça de se lembrar do que é melhor nessa vida / Não me importo com o que ele acha / Ou quem eu sou”, elas cantam. São três minutos dessa coisa fofinha, pra cima, arejada, e se há alguma coisa que destaca essas meninas de seus pares é a facilidade com que conseguem alternar entre linhas de sintetizador viajandonas e cheias de brilho, por um lado e, por outro, diatribes pessoais sentidas com intensidade.

Buttering Trio

A música desse trio de Tel Aviv é melhor descrita como uma mistura de funk gordo e amanteigado (ahã!), pedaços de neo-soul bons de mastigar, e sedutoras ondas eletrônicas que oscilam como frequências de rádio que não sintonizam direito. Beno Hendler, Rejoicer e KerenDun mordem todos os plugs eletrônicos e, tendo lançado faixas com nomes como “Torrada”, “Geleia” e “Falafel”, podemos dizer que se trata de um grupo esfomeado. Quando Snoop Dogg já chamou você de “maneiro pra caralho”, quando você já recebeu apoio de Hudson Mohawke, e teve suas aulas de música constantemente bombardeadas pelos bombardeios entre Israel e Palestina em 2012 – você pode escolher entre desabar ou se deleitar quando sofre pressão. Músicas como “I Cried”, “What Is Madness” e “Master of Rockets” são exemplos da segunda opção. Com uma saudável porção de batidas de trip-hop, “Master of Rockets” provoca o ouvinte; eles mudam de uma batida dançante a balada sem que com isso a estética saia comprometida. Uma olhada no bandcamp deles já diz tudo – lá, em claros caps, eles gritam: “FAÇA FALAFEL NÃO FAÇA GUERRA.”

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Sun Tailor

Taciturnos riffs do cantor-compositor fornecem o pano de fundo para as letras contemplativas e soturnas de Arnon Naor, o homem por trás do Sun Tailor. Ele exibe um ar de tranquilidade, sugerindo um encanto que não descamba para o excessivamente sentimental. Seus vocais disputam espaço por cima do jubiloso pano de fundo da música, oferecendo calor emocional durante camadas de guitarra dedilhada que se desdobram. Ele é o Guy Garvey do Elbow relaxando com o Jeff Buckley, e há um charme na maneira com que suas palavras se acotovelam, disputando espaço entre as linhas de piano e as gentis batidinhas no tambor acústico. Há uma sensação de que aquilo que você não consegue ouvir – aqueles intervalos de respiração gravada – é tão crucial quanto o tema das canções. As letras carregadas, como “One foot at a time, all together / Don't let them break it up, break us up / We can survive, as the stars shine now” [“Um pé de cada vez, todos juntos / Não deixe que eles nos interrompam, nos separem / Podemos sobreviver, assim como brilham agora as estrelas”], vão para além das músicas, enquanto outras talvez permaneçam humildes, e esse jogo de luz e sombras é, em parte, o que torna Sun Tailor tão cativante.

Ester Rada

Quando a requintada etíope israelense Ester Rada canta sobre pele, sendo que vive num país em que as relações raciais são excepcionalmente conflituosas e complexas, ela está conduzindo uma conversa particular consigo mesma, diante de um público. “Could it be that the moon touched my skin? / Is that the way love is measured?” [“Será que a lua tocou a minha pele? / É dessa maneira que se mede o amor?”], ela pergunta durante “Could It Be” – uma música que pode muito bem estar lidando com o sentimento de ser julgada pela cor da pele, e não pelo que vai dentro. Mas a rainha do jazz de Israel afasta a alienação e a solidão com sua capacidade de soar maravilhosamente poderosa. Numa entrevista recente, ela ponderou: “Tel Aviv é liberdade. Aqui não há fronteiras. Gosto da variedade de pessoas, cores, cheiros, da música e da arte. Principalmente da liberdade”. Seu som desinibido se reflete em uma onda de instrumentais de reggae e R&B que vivem em harmonia dentro da estrutura do etio-jazz.

Tatran

Não fui abençoada com uma quantidade de mãos suficiente para contar a quantidade de músicos instrumentais em Israel. Eletrônica, clássica, tribal e jazz – tudo está aqui, mas embora a linguagem e a tradição tenham o potencial de ser gatilhos para esta proliferação, uma batida animada pode gerar a vontade de escutar praticamente qualquer coisa. Nesse caso, somos presenteados por um trio de jazz-rock incluindo Dan Mayo na bateria, Tamuz Dekel na guitarra e Offir Benjaminov no baixo. Juntos, eles formam o Tatran, três homens que parecem estar se pavoneando, profundamente envolvidos com cada nota musical, gritando, quebrando coisas, e então descomprimindo até atingirem um estado de compostura firme. Soa familiar, uma música que é parente do estado atual de coisas: um país enredado em fragilidade e frenesi.

Pouquíssimas coisas na vida são tão universalmente gratificantes quanto a liberdade musical. Para a esquerda, a música é o ato supremo de uma sociedade em ação e, para a direita, justifica o poder universal da indústria. Embora essas bandas excelentes, que abrangem diferentes gêneros, talvez não capturem totalmente a experiência de cada oferta musical alternativa existente em Israel, elas passam bem perto disso. Um grupo divergente: uma cidade, uma geração, galvaniza a cena musical de Tel Aviv, e poder testemunhar isso em primeira mão é supremamente empolgante.

Lior Phillips é uma escritora sul-africana que mora em Tel Aviv. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler