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Música

O Bomba Estéreo Tenta Abrir Caminho para a Paz na Colômbia com suas Good Vibes Caribenhas

O duo colombiano fala sobre fazer música regional que seja universal e o novo disco 'Amanecer'.

O Bomba Estéreo tomou de assalto as pistas de dança em 2009 com seu explosivo hino electro-tropical "Fuego", faixa do segundo disco da banda, Blow Up. O grupo colombiano, cujos integrantes principais são o baixista e produtor Simón Mejía e a cantora e letrista Liliana "Li" Saumet, inicialmente chamou atenção e construiu uma base de fãs com uma dance music ousada e apaixonada, inspirada em estilos afro-caribenhos tradicionais, como cumbia e champeta. Uma forte subcorrente psicodélica e uma rebeldia política sutil só fazem aumentar o nível de cool da parada.

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O disco seguinte, Elegancia Tropical, de 2013, veio com um som mais polido, uma produção profunda e atmosférica, e conseguiu isso sem sacrificar a energia. O single "El Alma y El Cuerpo" é uma daquelas delícias rítmicas que são a companhia perfeita para o auge de uma festa, e também para a longa viagem de volta para casa. O novo disco deles, Amanecer, leva essa evolução ainda mais além. Com sua batida house e gancho irresistível da guitarra, a faixa-título abre os braços para envolver grandes espaços e grandes públicos de festivais, sem com isso perder a identidade.

A ser lançado no dia 2 de junho pela Sony US Latin, Amanecer é a estreia da banda por uma grande gravadora, e a primeira vez que a veterana dupla de compositores trabalhou com um produtor de fora. A Sony fez a ponte entre eles e o criador de sucessos Ricky Reed, que mora em LA e já produziu para Jason Derulo, Jesse J e Pitbull. O resultado da colaboração aumenta o nível da euforia e acrescenta mais elementos de dance e hip-hop mainstream. É um disco amplo e ambicioso, que conta com algumas batidas dignas de Timbaland, mas que não foge à identidade sul-americana da banda. A mudança de vibe e a absorção de ainda mais influências musicais inauguram um novo capítulo na longa carreira da dupla.

Há dez anos, a química musical entre Li, uma vocalista carismática da quente cidade litorânea de Barranquilla, no Caribe, e Simón, um produtor da capital Bogotá, que fica bem no centro do país, vem resultando em um fluxo de músicas de festa notoriamente irresistíveis – músicas que eles colocaram no último volume em sistemas de som por todo o mundo, fazendo turnês e tocando em festivais como Coachella e Glastonbury. Mas, como Mejía contou pelo telefone lá de Bogotá, a coisa toda agora para ele não se resume só a dançar. Nessa entrevista, ele examina a história de uma década da banda e medita sobre a vida, suas raízes, e sobre a música na Colômbia.

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Noisey: Por que vocês decidiram passar para uma grande gravadora?
Simón Mejía: Eles que vieram nos procurar. Foi feita uma proposta, e nós queríamos experimentar um pouquinho do mundo fora do independente. Ser uma banda colombiana e ser independente é um caminho muito difícil. A gente queria ver como seria a ajuda de uma grande gravadora, especialmente na divulgação, nos vídeos, as coisas nas quais as majors são um pouco mais evoluídas. Assinamos contrato apenas para esse disco, e estamos muito felizes com os resultados, em especial com o produtor que eles propuseram. Ricky Reed, que foi o produtor do disco, foi uma proposta da Sony.

Você passou tempo no estúdio junto com ele, em Los Angeles?
A gente dividiu. Fizemos quatro sessões com ele, duas foram em LA, e duas aqui em Bogotá. Achamos que seria importante para ele vir a Bogotá e sentir a energia do local, porque o Bomba Estéreo é uma banda muito colombiana. Ele nunca tinha vindo à América do Sul, então ficou muito empolgado. Levamos ele a alguns bares, e tocamos música colombiana tradicional para ele. Queríamos levá-lo ao litoral caribenho, mas acabou não dando tempo. Mas ele esteve aqui duas vezes, adorou o lugar e se apaixonou pela música. Foi muito legal, além do disco e da produção e tal. Foi um compartilhamento muito legal de energia e cultura entre ele e nós.

Então você sente que ele entendeu a natureza musical de vocês?
Sim. A gente queria chegar a um som mais global. No caso desse disco, acho que a influência colombiana está mais nas letras de Li, nos temas das letras, do que na música. Por exemplo, "Somos Dos" é um tipo de música muito Bomba Estéreo, com uma vibe muito caribenha. Acho que a música mais colombiana, mais Bomba Estéreo, é "Raíz". Essa é muito forte, e "Fiesta" é totalmente Carnaval.

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Você sabe que em Barranquilla, aqui na Colômbia, temos o Carnaval em fevereiro, e é um dos festivais culturais mais importantes da Colômbia. E Liliana tem uma ligação muito profunda com essa festa. Ela tem um grupo de pessoas [seus comparsa, ou grupo de dançarinos fantasiados, La Puntica No Ma'] que saem e se maquiam e vão dançando pelas ruas e tal, e essa música "Fiesta" é sobre o Carnaval. Escolhemos essa música para ser o single por ela ter um sabor muito, muito local.

Então, vocês têm músicas como essa e têm músicas como "Amanecer", que têm um som mais global, com influências de dancehall, de hip-hop e de música eletrônica. Vocês têm feito música eletrônica que acrescenta coisas como cumbia e champeta faz anos. O que você acha de como esse tipo de música se espalhou e acabou virando um gênero na década passada?

Acho que é um processo muito interessante, porque é uma manifestação de como os jovens de todo o mundo e aqui da América Latina conhecem as tradições musicais do passado, todas essas tradições que nós, sendo latino-americanos, herdamos diretamente da África, quando os escravos vieram para cá e se misturaram com os indígenas. Uma música incrível apareceu séculos atrás – música incrível em termos de ritmo.

Então, o pessoal jovem como nós cada dia está mais ciente dessa tradição, que tem um grande peso, mas estamos cientes também de que somos uma nova geração, e crescemos ouvindo música eletrônica, house ou drum and bass, todas as influências europeias e americanas com que crescemos. Então, é só mais uma maneira de misturar as coisas que crescemos ouvindo: as expressões muito, muito tradicionais e as expressões mais contemporâneas. É um processo muito interessante e orgânico para esta época da música.

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Você diria que a champeta acabou virando uma influência maior com o tempo? Ou sempre foi uma inspiração?
Acho que sempre foi uma inspiração. Especialmente para Liliana, porque ela cresceu com esse background musical. Aqui na Colômbia, os backgrounds musicais são muito diferentes, conforme cada região. Se você é do litoral caribenho, é muito exposto à champeta, ou à cumbia, ou à música tradicional. Se está aqui em Bogotá, tem o tempo frio, e lá em cima, nas montanhas, a pessoa é exposta a outros tipos de música. A champeta é um gênero aqui na Colômbia desde os anos 70, 80, 90. Hoje em dia, está um pouco mais na moda, mas já está aqui faz muito tempo.

A champeta é uma influência sobre a banda de um ponto de vista político também?
Não é uma coisa muito política. O aspecto político da champeta é que, no passado, era mais ou menos um gênero proibido, porque vinha de lugares muito pobres do Caribe. As festas champetas sempre acabavam com brigas e tiroteios, um pouco como o dancehall na Jamaica, um pouco esse tipo de vibe. As letras não são tão políticas, mas a música propriamente dita era tipo uma oposição, e os brancos rejeitavam esse tipo de música. Mas as letras eram mais sexuais, mais uma coisa de festa.

Na música "Raza", no final do disco Blow Up, a letra de Li fala sobre querer compartilhar a música de vocês com gente do mundo todo. Agora que conseguiram isso, você tem alguma opinião sobre essa jornada?
Nesse disco, muita coisa gira em torno dessa ideia. A gente não chega a ser uma banda muito antiga, mas já faz dez anos, e dez anos não são dez dias, né? Nesses dez anos, a gente aprendeu, e está aprendendo ainda, que o processo de fazer música e de fazer letras e de cantar para pessoas e de compartilhar a energia da música que estamos fazendo vai muito além da música propriamente dita.

Compartilhar energia e receber energia é uma comunicação que vai muito além de moda ou de gênero musical, ou de onde você é, ou de onde são as outras pessoas. É construir uma ponte entre você e os outros, e compartilhar boas vibrações. É tipo um ritual, tipo um ritual moderno. Você se eleva a um nível mais espiritual junto com as pessoas. Isso é uma coisa muito linda e, com o passar dos anos, nós fomos ganhando a consciência de que essa condição vem com uma responsabilidade sua, como músico ou artista. É preciso ser muito cuidadoso com essa responsabilidade, e comunicar às pessoas que a música que você está fazendo não é apenas música, mas é energia, uma boa energia que você está compartilhando. A Colômbia é um lugar muito violento. Toda vez que tocamos, tentamos criar um clima de paz que, pelo menos enquanto dura o show, pode mudar as pessoas.

Você postou no Instagram uma foto algumas semanas atrás. Foi tirada na cidade e tem um tanque da polícia e nuvens de fumaça. O que está rolando ali?
Foi perto da minha casa! Isso acontece tipo toda semana. Semana passada na Colômbia os professores estavam pedindo ao governo um aumento salarial. Eles estavam de greve na universidade, e aquela universidade específica está em greve quase que diariamente, então eles estavam num combate com a polícia. Aqui na Colômbia, vivemos num contexto muito difícil. Desde que os espanhóis vieram para a América Latina, esse continente está em guerra o tempo todo. E a Colômbia é tipo o país mais velho da América Latina em que ainda está acontecendo uma guerra, essa guerrilha contra o governo. Temos que lidar com essa situação todos os dias. Agora eles estão em Cuba, tentando assinar um tratado de paz, mas o contexto da Colômbia é o contexto de um país em guerra. Esse pessoal [das FARC] afirma ser comunista, mas eles só ficam ganhando dinheiro, e tudo está fodido. A essa equação você pode adicionar o fato de que a Colômbia é um dos principais exportadores de drogas.

Então, quando você cresce no meio dessa zona, é possível tomar a posição de politizar a sua música e tentar dividir as pessoas, ou é possível tomar o caminho que estamos tentando tomar, o de fazer da música um meio de criar ambientes de paz, e tentar dizer às pessoas que, talvez, se o país continua em guerra, e se o governo não quer assinar o tratado de paz com as guerrilhas ou sei lá, o que você pode fazer enquanto indivíduo é mudar a si mesmo, por dentro, e isso talvez possa ajudar. Acho que essa é a mensagem principal do disco inteiro: em vez de lutar contra o que está fora de você, olhe para dentro de si, mude você mesmo, e aí, talvez, possamos ver alguma luz no futuro.