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Música

Os fãs do Black Sabbath estão putos com o preço dos ingressos dos shows no Brasil

Motivados pela alta dos ingressos — que bateu na casa dos R$ 700 para ver a despedida da banda do Ozzy — perguntamos para fãs e músicos: quanto vale o show?

Já há cerca de uma década que os preços dos ingressos para os shows de gigantes do rock e do metal no Brasil só aumentam. Os espetáculos de arena viraram um lucrativo esquema de entretenimento para as massas, dos quais todos os envolvidos, do manager às empresas que montam o palco e cobram taxas de conveniência absurdas, tiram seu filão. Acaba de ser anunciada a passagem do Black Sabbath pelo Brasil, com a turnê The End, a última antes do encerramento da carreira, no final de novembro e início de dezembro. As entradas chegam a custar R$ 700.

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Pensa: como é possível o acesso a um evento de viés pop alcançar tamanha desproporção, considerando que o salário mínimo nacional é de R$ 880? Nessas horas a gente entende o estereótipo do headbanger médio, para quem o heavy metal é tipo uma religião. Uma pá de gente nesse momento se queixa nas redes sociais, mas, tal qual aconteceu nos mais recentes shows do AC/DC, Rolling Stones, Metallica, David Gilmour e Iron Maiden, certamente a pista estará abarrotada.

A fim de isqueirar essa questão mal resolvida, pegamos depoimentos de músicos e produtores de eventos ativos na construção de um novo cenário. Pode pá, tá lançada a sorte:

“Eu acho a tour legítima, sim. O Black Sabbath é a banda mais antiga de som mais pesado, cultiva milhões de fãs pelo mundo, e não teria outra forma de vermos eles aqui no Brasil outra vez. Eu não pago esse valor para assistir a um show, realmente é surreal esse preço. Mas o valor é proporcional a muita coisa que tem rolado nos últimos anos no Brasil, e as pessoas juntam a grana que não têm para conseguirem pagar. Todos sabemos também das histórias da Sharon com o lance de grana, Ozzy Fest, a volta do Sabbath sem o Bill Ward, tudo isso faz parte desse meio deles. Pessoas milionárias que não dão ponto sem nó. E juntando isso com as produtoras brasileiras, o resultado não seria diferente.” Juninho Sangiorgio, baixista do Ratos de Porão e guitarrista d’O Inimigo.

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"Curto, amo Black Sabbath desde moleque, mas não pagaria esse valor, é um exagero. Atualmente estou mais interessado em pagar o justo pra ver bandas autorais brasileiras ou bandas novas da cena que fazem um trabalho maravilhoso, como as que a Abraxas traz de fora e tal. É que assim, de alguma forma, estamos também apoiando uma produtora que dá força às bandas brazucas. Qualquer grupo de fora que vem tocar no Brasil lota estádio e casa de show! Quando esses shows não acontecem, lotam as casas de show das bandas covers deles! Parece que aqui paira uma onda de classic rock, de que só presta o rock antigo ou as bandas novas lá da gringa. É bem complexo isso. O público brasileiro anda muito preguiçoso e as bandas autorais não se unem! Rola uma espécie de competição entre elas. O mercado brasileiro desrespeita o músico local e paga pau pra gringo. Isso acontece há muito tempo. O primeiro e último show grande a que fui foi o do Paul McCartney no Morumbi, em 2012, se não me engano. Não foi muito caro, valeu a pena ter ido. A galera do metal é bem fiel. Um público foda! Mas poderia ser assim também com os maravilhosos representantes do metal do Brasil também, isso não tem acontecido.” – Will Just, guitarrista do Muddy Brothers.

“Bizarro. Me faz lembrar do último show deles [Black Sabbath] que rolou no Brasil, onde teve área VIP com buffet custando R$ 1 mil, e encheu. Acredito que o mais caro que eu já paguei por um ingresso foi no show do Mogwai, no Circo Voador, em 2012. Lembro que custou uns R$ 70 de entrada, mas também teve a passagem de avião bate-volta, que foi uns R$ 100. Tive sorte de conseguir uma promoção, no total gastei cerca de R$ 170. Entendo que a relação show X preço varia muito de acordo com o perfil do pagante. Acredito que algumas pessoas dispostas a bancar altos preços são realmente fãs que querem prestigiar o último show da banda, custe o que custar. Outras, podem ter um dinheiro sobrando no bolso e resolveram ver qualé. Algumas devem estar indo mais para tirar selfies e poder dizer que foram no show, mesmo nem sabendo do que se trata.

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Acho que, apesar de adorar o Black Sabbath primeira fase, pra mim não valeria a pena. Infelizmente não me vejo dentro de nenhum dos três perfis que citei [risos]. Diria que essas bandas foram importantíssimas para mim como guitarrista, justamente como uma primeira referência do que é o metal. Comecei a procurar outros gêneros underground do metal por conta de estar cansado de ouvir os mesmos clichês. De certa forma, o mainstream me serviu mais pra dar base, pra muita gente é assim também.” – Lucas Lippaus, do selo Sinewave e da produtora Music Delivery, guitarrista das bandas s.o.m.a., Dolphins on Drugs e Herod.

"É complicado falar sobre e até mesmo decidir se vale gastar um determinado valor em um show, algo tão pessoal e que envolve o negócio que mais gosto na vida: música. Mas de verdade? Acho que na maioria dos casos não vale investir nestes shows gigantes. Você quase sempre vai ver o artista de longe, como uma miniatura no palco (e/ou assistir o show pelo telão), sofrer com um som ruim e/ou baixo, além da falta de opções decentes de transporte para ir e voltar (dependendo do lugar). Uma opção que minimiza (um pouco) esse sofrimento é comprar um ingresso de pista VIP (algo errado desde a sua criação), por exemplo, e que te deixa perto do palco – ou pelo menos num lugar decente para assistir a um show. O problema é que também te deixa R$ 700 mais pobre (ou menos rico), tendo como base os shows grandes mais recentes no Brasil (sem levar em conta as maravilhosas taxas de conveniência).

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Nos últimos anos, tenho evitado ao máximo ir a esses shows gigantes, mesmo adorando Iron Maiden, Black Sabbath, David Gilmour, Rolling Stones, entre outros. Só abri uma exceção para o Paul McCartney justamente pelas razões emocionais que falei. O que costumo fazer para decidir se vou em um show, além da parte financeira, é privilegiar bandas novas e/ou que tenham lançado discos bons de verdade recentemente, evitar ao máximo assistir shows repetidos (com exceções para os artistas favoritos) e fugir se o show for em um lugar ruim, de difícil acesso e/ou com estrutura ruim. Isso não quer dizer que não vale gastar muito para ver um show. Mas que sempre é mais interessante fazer isso se puder incluir uma viagem no pacote e/ou mais shows." – Luiz Mazetto, jornalista, tocou guitarra no Meant To Suffer e é autor do livro Nós Somos a Tempestade.

“Cara, eles cobram porque o pessoal paga. Os custos de produção estão aumentando, e geralmente mega shows têm um viés financeiro mesmo, comercial. Os produtores de grandes shows aumentam o preço tendo em mente os gastos e a manutenção do lucro. O dólar subiu, o preço de todos serviços e fornecedores subiram. É complicado pra quem não tem poder aquisitivo, né. Com certeza pro público isso torna um acesso menos democrático. Não dá pra esperar muita preocupação sociocultural nesse tipo de produção. Nâo que eu esteja criticando A ou B, ou esses shows grandes. Isso só comprova que quem se ferra com a crise é quem tem mais dificuldade de ter acesso mesmo. Para o produtor está bem mais difícil. O público paga o pato, mas o produtor está pagando também.” – Camilo Rodovalho, produtor da Fósforo Cultural.

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“Eu não vou a nenhum desses shows, me recuso. Fui num Metallica faz uns anos, mas porque minha irmã me deu o ingresso. Eu acho que as pessoas se sujeitam a pagar porque não têm muita opção. O cara, na Europa e nos Estados Unidos, tem. Tem show o tempo todo, a preços bem mais justos. Por exemplo, em 2014 o Black Sabbath também tocou no Hellfest. O preço do ingresso foi em torno de 200 dinheiros deles (sem converter, porque é o dinheiro que um europeu ganha). Mas quem pagou por isso viu, no mesmo festival: Iron Maiden, Slayer, Emperor, Carcass, Paradise Lost e muito mais nos três dias de festival. Eu acho que o show do Sabbath vai ser foda, mas me recuso a pagar esse valor. Talvez valha a pena pra quem está disposto a pagar e a sustentar esse absurdo pra ver uma banda a um quilômetro de distância por um telão, sem infraestrutura, pra tomar uma cerveja sem curtir o show como deveria. Aliás o Black Sabbath toca no Hellfest esse ano e, pelo mesmo valor, ainda vai ter King Diamond, Enslaved, Slayer, Asphyx, só pra citar algumas das outras dezenas de bandas que rolam no evento, pela metade do preço (dinheiro por dinheiro) do Sabbath aqui.” – Thiago Vakka, guitarrista e vocalista do Jupiterian.

“Eu acho que o Sabbath é uma entidade ‘acima’ de qualquer coisa, mas não pagaria, por motivos de falta de grana da minha parte e pelo fato de que essa turnê é puro caça-níquel. No mais, a única banda que posso considerar de arena que gosto é o Soundgarden. E mesmo sendo minha banda favorita, acho que só voltando no tempo pra pagar por um show deles. Existem três categorias de gente que paga por isso: 1) A pessoa que gosta de rock/metal, escuta rádios mainstream como Kiss FM, 89 Rock, mas não leva como parte de sua vida; 2) O headbanger mais comum, que vai por fanatismo e um pouco de ingenuidade; 3) O pessoal do underground. Os dois primeiros grupos são uma grande massa, maior do que o terceiro, que está mais preocupado em fortalecer a sua própria cena. E nisso, gera não só um grande hype em cima do que já é clássico, mas os oportunistas vão de fato cair em cima e cobrar absurdos por ingressos.” – Felipe Dalam, guitarrista, vocalista e tocador de synth no Saturndust.

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“O headbanger brasileiro de hoje que vai a esses shows de arena, na minha visão, pode ser comparado ao cara que vai numa micareta ou show de sertanejo. Ele está ali mais pelo espetáculo do show do que pelo compromisso com a música. O enfoque está no ídolo e o que ele representa na vida do espectador. Em alguns casos o fanatismo seria até cômico se não fosse trágico, pois podemos identificar que diversos desses headbangers estão pagando no ingresso às vezes um valor próximo ao que recebem de salário por um mês inteiro de trabalho. A comparação com o crente, apesar de soar banal num primeiro momento, faz total sentido. Não quero soar determinista, mas a idolatria é uma coisa que vem muito naturalmente no brasileiro. Percebo que o brasileiro tem essa facilidade em colocar pessoas no pedestal, vide a nossa necessidade diária em encontrar um político salvador da pátria e o novo herói da nação. E, por algum motivo, a própria sociedade se retroalimenta desse tipo de postura.

Você agora transpõe isso pro mundo da música e faz uma análise dos últimos 30-40 anos do show business brasileiro, a partir da década de 1980, e percebe claramente que a nossa indústria funcionou em cima disso o tempo todo. Atualmente, Iron Maiden, Black Sabbath, Metallica, só fazem esses shows de arena bombados no Brasil e em outros países que geralmente se assemelham ao Brasil. No sentido de ainda serem subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento), com forte herança cristã (acredito que daí venha a nossa idolatria), certa desigualdade social, e em sua maioria latinos. Se você pegar essas mesmas bandas e analisar os shows que fazem em alguns países da Europa ou nos Estados Unidos, verá que eles tocam muito mais em festivais de grande porte e os shows solo não são em lugares bizarramente grandes como a Apoteose, o Maracanã e o Morumbi. Ingresso de R$ 700 é imoral, na boa. Entretenimento fajuto e maquiado.” – Felipe Toscano, produtor, à frente da Abraxas.

"70 mil pessoas pagando R$ 300 reais, em média. Mas não é só no Brasil que os ingressos pra grandes shows são caros. É foda que aqui as pessoas não têm grana, elas deixam de fazer muitas coisas pra ir em show. Não só em show, elas gastam ainda mais em futebol e carnaval, por exemplo. Quando as pessoas amam uma coisa elas não medem o valor, pagam quanto for, se matam pra conseguir a grana, e o mercado de shows sabe disso. Pensando aqui, antes pro Ozzy do que pro Neymar." – João Kombi, guitarrista e vocalista do Test.

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