FYI.

This story is over 5 years old.

Música

O BaianaSystem é a nostalgia do futuro

Saiba como foi o lançamento de ‘Duas Cidades’ em São Paulo.

O coro comendo no show. Foto: Drago

A passagem de som do BaianaSystem já dava sinais de que a noite seria cabulosa. O grave batia pesado na choperia ainda vazia do Sesc Pompeia. Russo Passapusso, na pista, organizava os últimos retoques e pedia menos 20% de delay numa faixa. No palco, Seko Bass, Japa System, João Meirelles, Mahal Pitta, Roberto Barreto e Juninho Costa tocam entre uma carranca e um Cavalo do Cão, que faziam as vezes de protetores raivosos. “A carranca e o Cavalo do Cão são figuras que dão proteção, mas para isso elas assustam. A carranca fica na frente dos barcos pra abrir caminho. É o bem que é mal. Você deixa ela na porta da sua casa, mas nunca virada pra dentro de casa”, explica Filipe Cartaxo, um elemento surpresa do grupo. Ele é o responsável pelas fotos, vídeos e toda identidade visual. Faltam poucos detalhes para o segundo dia do lançamento de Duas Cidades (segundo disco da banda) em São Paulo. As duas apresentações, dias 26 e 27 de maio, esgotaram-se como picolé no deserto em apenas um dia. E, pela primeira vez, o Baiana chegou à cidade como artista grande. “Das outras vezes que viemos pra São Paulo era um retorno com a Bahia, mas dessa vez tinha 70%, me ouso a falar, de gente de São Paulo que eu confundia com a Bahia. Aí me trouxe realmente uma raíz que eu procuro nas ruas quando, por exemplo, eu entro num táxi e o cara fala que a mãe é baiana, eu sou de lá, minha vó, minha mulher. Aí eu vejo que São Paulo realmente é um monte de hiperlink de formação do DNA brasileiro”, explica o vocalista Russo Passapusso. Ele explica também a mudança de postura - assumidamente mais combativa e política. “Antigamente a gente vinha aqui pra fortificar frente ao público, hoje é pra se reconhecer nesse público. Muda a perspectiva, você se reconhece dentro daquilo.” Corria a boca pequena entre os funcionários da unidade. Esses seriam os melhores shows do ano mesmo com o mês de maio protagonizando no calendário. Enquanto o Baiana passava o som, algumas pessoas ainda buscavam aquele 1% de chance de conseguir um ingressozinho na bilheteria e algumas funcionárias do Sesc arriscavam passos de dança ainda tímidos. “A gente está muito feliz com isso. Nós entramos de tal forma na bolha de trabalho que essas coisas são surpresas de verdade. É uma surpresa quando estamos num trio elétrico pequenininho e olhamos pra trás e tem um mundaréu de gente, é muito foda. É uma surpresa muito boa”, conta Russo.

Publicidade

O Cavalo do Cão, a carranca e o Baiana. Foto: Drago O caminho, porém, nem sempre foi tão principesco. “O Baiana começa há três, quatro carnavais com fulano dando dedo (mostrando o dedo do meio), mandando embora, porque não era aquele tal. Ou então fulano do camarote nem olhava pra nossa cara, fazia careta. Todo tipo de repúdio na rua. Você ter o repúdio da rua é muito ruim, porque a rua é a rua. A verdade é aquela ali, quando fulano não quer ouvir seu som é uma merda”, explica Russo. O grupo começou a subverter a ordem no Carnaval de Salvador com seu pequeno trio elétrico, o navio pirata. Era treta com a polícia, com muita gente que não entendia a proposta. Era embaçado. “Quando a gente começa a sair nos trios furando o cerco dos blocos, já tínhamos essa atitude de contestação. O bloco pirata, a máscara. Era tudo muito denso”, diz Roberto Barreto, fundador do grupo e o cara que manda ver na guitarra baiana. No último Carnaval, no entanto, a história mudou. O Baiana passou a figurar o centro das atenções e até fofocas sobre o fato deles terem ganho camisas do Bahia, clube da cidade, e não terem usado. Chamados de estrelas pela imprensa local, a banda teve que lidar com o holofote e também com a falta de conhecimento que insiste em encaixá-los na prateleira do novo axé. Tem axé no som? Pra caralho, mas tem Dorival Caymmi, Death Grips, tem Ramiro Musotto, Ratatat, Armandinho, Dodô e Osmar, tem Augustus Pablo, Olodum, Trio Tapajós, tem Lee Scratch Perry, Margareth Menezes, tem refereências aos blocos afros, tem as ruas de Salvador, tem um bocado de outras coisas, mas tem a sutiileza de soar único. Um nostálgico que aponta para a frente. “A gente de alguma forma repete elementos importantes. Brincamos um pouco com a nostalgia do futuro. Você vê coisas que te lembram algo que você não sabe o que é e no final das contas é um ciclo”, explica Cartaxo. E complementa. “Tem a ver com memória visual. As casas da Ilha de Itaparica são brancas com o peitoril pintado de azul. A própria Salvador é muito mais céu, é uma cidade muito azul." Barreto, sua guitarra baiana, e Juninho Costa. Foto: Drago Ele contextualiza a identidade visual nesse universo. “O carrinho de café é um soundsystem, o trio elétrico é esse grande carrinho de café. Os elementos gráficos se juntaram nisso”. O preto, azul e branco também tem origem histórica. “Olodum são três cores, o Ilê Ayiê são três cores e a gente assumiu isso”. O azul predominante vem de Iemanjá e pela coincidência cósmica. “A gente fez o primeiro show dia 2 de fevereiro [dia em que se homenageia a rainha do mar, orixá representada pelas cores branca e azul], então meio que justificou”, conclui Cartaxo. A fórmula nem é tão complicada: Jamaica e Bahia são próximas musicalmente. O que parecia improvável — o agudo da guitarra baiana com os graves potentes dos soundsystems — deu certo. Adicione a isso uma performance explosiva ao vivo e um disco muito bem produzido por Daniel Ganjaman. Pronto, se tem algo surpreendente e disposto a não mais pedir licença com o matulão nas costas. É pé na porta. É ouro demais.

Publicidade

Russo Passapusso dando aquela alongada antes do show. Foto: Drago Tudo pronto. Som batendo direito, ansiedade de camarim — diga-se de passagem muito comportado. Mas uma coisa era certa: o BaianaSystem estava preparado para São Paulo. Se você se impressionou com o peso do álbum e ficou em choque com a energia dos caras no Carnaval de Salvador, talvez também estivesse pronto para vê-los ao vivo.

Russo se empolga com uma sacola cinza que vai parar em suas mãos. Para a entrevista e anuncia. “Neste momento, galera. Acabou de chegar o original Mudei de Ideia, do Antonio Carlos e Jocafi, com a capa foda, que eu adquiri. Está registrado para a VICE e para o mundo inteiro que eu tenho esse disco. Chegou agora no segundo dia do show do Baiana pra batizar”. Seko Bass explica a euforia. “Ele tá faz tempo atrás desse disco. Tá numas de fazer a coleção completa dos artistas."

"Eu faço figa pra essa vida tão sofrida terminar bem sucedida." Foto: Drago

Pouco depois das 21h30 o BaianaSystem subiu ao palco com casa cheia e com o jogo ganho de lavada. Quem estava ali demonstrava, desde antes do show, disposição pra se jogar. Máscaras começaram a ser distribuídas, CDs vendidos, tudo nos conformes. Menos, é claro, a fila da cerveja, que ia quase até a pista e, diferente do Carnaval de Salvador patrocinado pela Nova Schin, não rolava umas Skols e Brahmas vendidas na clandestinidade.

O show foi uma pancada quase ininterrupta. A única acalmada foi em “Terapia” e na participação de Siba, que entra com sua rabeca em “Cigano” e Mestre Nico. Russo explica a presença pernambucana. “Eu sou muito agradecido ao movimento manguebeat, muito. Porque eles realmente trataram isso da forma que devia ser tratada mesmo. Eles falavam de pluralidade musical, não é só se tem maracatu que é manguebeat. Como o manguebeat se revela através de poética, de comportamento. A gente também trata a coisa assim. Graças.”

Publicidade

Siba, que tocou guitarra e rabeca. Foto: Drago

Uma coisa que vale ressaltar é a presença de pelo menos dois sons novos na lista de músicas. A coisa é tão orgânica, que ela vai mudando ao longo do percurso e as músicas vão sendo criadas em cima das bases de canções já existentes. Por exemplo, “Playsom” nasceu da base de “Terapia”, “Jah Jah Revolta Parte 2” é a sequência da Parte 1. “Barra Avenida Parte 2tem uma primeira parte e assim por diante.

Um dos vídeos que mais marcou o Carnaval do Baiana foi o do tal Cavalo do Cão. O sample anunciava “não consumir cocaína, na adrenalina, na adrenalina” e a massa ensandecida pula antes do refrão de “Playsom”. “Essa faixa se chama “Forasteiro” e rolou no Carnaval. É uma faixa instrumental e aí vem a energia de Russo fazendo a coisa de MC e a carga dela. É só energia essa música”, explica Beto.

Cavalo do Cão, Seko Bass e Russo Passapusso. Foto: Drago

O salto evolutivo do BaianaSystem do primeiro para o segundo disco é nítido. E ele está em todos os detalhes: na postura de palco e nas referências jamaicanas do Russo, na pesquisa e na guitarra de Beto e no baixo pesado de Seko, que o principal responsável pelos beats em Duas Cidades. “Quando a gente começou a fazer os dois singles: “Terapia” e “Amendoim Pão de Mel” eu ainda tava meio indeciso sobre a qualidade. Eu mandei pra Dudu Marote e ele falou: ‘porra, Seko, é isso aí velho’. Eu ia gravar batera e acabei desistindo, porque ele me incentivou a não colocar. A partia disso eu comecei a acreditar na minha onda do beat.”

Publicidade

O Pompeia, literalmente, ficou pequeno para o Baiana, que transportou a porra toda para uma Fresh! no meio do Pelourinho. Ainda desnorteado, o público saiu da choperia, voltou à realidade, ao frio paulistano, mas com a sensação de que a os funcionários do Sesc talvez tenham toda razão: Vai ser embaçado ter outro espetáculo tão impactante quando esse.

Chuva, suor e cerveja. Foto: Drago

Se liga que tem mais fotos do Drago.

Foto: Drago

Foto: Drago

Foto: Drago

Foto: Drago

Foto: Drago Foto: Drago

Foto: Drago

O BaianaSystem está no Facebook, Instagram e Soundcloud

Siga o Noisey nas redes Facebook | Soundcloud | Twitter