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Música

O Grime Britânico Precisa da Aprovação dos Americanos Tanto Quanto Você Precisa de um Soco

Não perca tempo imaginando que essa cena só passa a existir com o aval do Kanye West no Brit Awards.

Faz mais de um mês que tivemos o Brit Awards, e já deu tempo para refletir. Mas, nas tentativas desesperadas de se encontrar um contexto polêmico, parece não haver ninguém capaz de concluir se foi necessário ou avançado o Kanye West se juntar a uma seleção dos melhores astros do rap e do grime da Grã-Bretanha no palco da premiação. Então, veja só, as pessoas estão fazendo exatamente o que elas tendem a fazer quando são mantidas no escuro sobre situações que querem abordar: estão fazendo suposições.

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As principais são:

A) De que os artistas britânicos desejam desesperadamente ser aprovados ou validados pelos americanos.
B) De que eles compareceram porque acharam que seria algo avançado para a cena britânica.
C) De que esses artistas nunca subiriam num palco do Brits não fosse por isso, embora realmente mereçam o privilégio.

Ora, eu já li todos os artigos de opinião, refleti arduamente sobre cada tweet e (preciso admitir), ri de cada meme. Fui convidada para participar de três painéis de debate televisados, e recusei. Por quê? Porque temo que iria acabar realizando o equivalente britânico daquela entrevista da Azealia Banks para a Hot 97: onde paixão e frustração colidem em meio a uma conversa pontilhada de ignorância e falta de instrução, me deixando estatelada na poça de minhas próprias lágrimas. E, sinceramente, manabadman do sul de Londres – não sou eu, eu não tô dentro.

Começando pelo começo, o Brit Awards não é a questão aqui. O Brits representa artistas selecionados das posições mais altas dos rankings britânicos. Se a seleção de indicados foi precisa ou sistemática é uma questão para outro texto completamente diferente, e não caiamos na confusão de que os Brits existem para representar a cultura britânica como um todo – não creio que jamais tenham afirmado isso. Se você não sabe até agora que os rankings dos mais vendidos da Grã-Bretanha não refletem diretamente a cultura britânica, então já está indo para um beco que não tem saída para o diálogo. Se todas as pessoas da minha região que totalmente amam "Still Sitting Here", do Fekky, não simplesmente a ripassem do YouTube, e tivessem uma conta no iTunes, aí sim, talvez singles como aquele estivessem indo para o top 10 nos rankings britânicos mais vezes, e portanto aparecendo nos Brits.

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Vi muita gente fazendo comparações com o show do So Solid Crew no Brits de 2002, e muita gente se dizendo frustrada por isso não haver se repetido desde então. Mas esclareçamos uma coisa: o So Solid teve três singles no top 10 (do disco

They Don't Know

), entre 2001 e 2003. Eles eram um reflexo dos rankings britânicos da época, e portanto eram uma escolha apropriada para os Brits. Pessoalmente, se eu ligasse a minha TV e de fato visse aquela seleção de artistas britânicos do grime e do rap nos Brits de chamego com a Taylor Swift, ficaria irritada. Estou aqui esperando o seu disco e você está lá sentadão no Brit Awards abrindo um champanhe com a ex-namorada de Harry Styles? Para com isso e volta pro estúdio, cara. Solte um disco fenomenal, apareça nas listas de mais vendidos e volte no ano que vem, quando tiver vendido no mesmo nível que Ed Sheeran e Sam Smith, e entre na lista dos que podem ser indicados, se um Brit Award importa tanto assim para você.

Agora, se o fato de Skepta, Jammer, Novelist, Stormzy, Shorty, Fekky, Krept & Konan e todos os outros terem subido ao palco junto de Kanye é algo avançado ou não, na minha opinião, é uma questão burra pra caralho. Nunca vai existir um mundo em que o fato de Kanye West – que já lançou sete discos de estúdio, dois discos ao vivo, quatro mixtapes e 91 clipes, em todo o mundo – estar no mesmo lugar que os principais artistas britânicos de cenas que foram geradas em pequenas áreas das regiões norte, leste, oeste e sul de Londres não ser um avanço. É algo inspirador, não importa quem você seja; Kanye West é um sujeito poderoso e talentoso.

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Sim, é um pouco espertinho da parte do Kanye se associar à Grã-Bretanha agora, numa época em que o grime e o road rap são os estilos quentes. Mas a ideia de que West tratou com condescendência e tirou vantagem da nossa cena ao convidar aqueles artistas para o palco faz parecer que os próprios astros que optaram por se juntar a ele não tinham nenhuma liberdade de escolha, e pinta um retrato falso de alguns dos nomes mais diretos e obstinados da música na Grã-Bretanha desse momento, dando a impressão de que são umas ovelhinhas ingênuas e indefesas. Você está me dizendo que aqueles homens, que lutaram incansavelmente para abrir as portas dentro da cena e levá-la à altura em que se encontra, e que tomam decisões independentes todos os dias, sabendo que suas escolhas de carreira vão afetar o acesso da próxima geração, não sabiam o que estavam fazendo quando concordaram em subir naquele palco? E que só estavam em busca de aprovação?

Dê uma nova olhada em quem estava lá em cima. Na cena grime, Boy Better Know fez o esforço mais incansável para derrubar quaisquer barreiras internacionais que tenham aparecido em sua frente. Eles participaram do Red Bull Culture Clash e levaram o grime para a Jamaica. Trabalharam com P Diddy (Skepta) e com Cam'ron (Wiley) e fizeram o grime cruzar o oceano e chegar aos EUA. Acabaram de passar por Nova York, levando junto com eles a próxima geração e agendando shows no caminho. Em meio a isso, Skepta está lutando pelos direitos nigerianos na campanha Nigerian Lives Matter, Jammer está andando para cima e para baixo pelo país, colocando novos MCs no mapa com o Lord of the Mics, e o Novelist está trabalhando em seu disco com a XL Recordings, provavelmente a gravadora independente mais reverenciada do mundo. Esses não são caras que estavam parados à espera da chance de ficarem caidinhos por um contrato conjunto com alguma estrela dos rankings. O motivo do grime e do rap britânico estarem prestes a se tornarem propostas singularmente especiais nesse momento é seus maiores exponentes terem demonstrado determinação e realismo. Tenho inumeráveis faixas do Wiley no meu e-mail que vão muito além do estilo simpático aos rankings de "Heatwave" (um single que chegou ao primeiro lugar). Se o Boy Better Know quisesse, poderia se aproveitar destas faixas e soltar agora mais um single que chegaria ao top 10. Mas esse não foi o objetivo nesses últimos 18 meses. O que os atuais artistas britânicos do rap e do grime estão tentando fazer é redefinir o 'pop', de modo que ele passe a incluir o rap de verdade e o grime – "Heatwave Part 2" não é a resposta.

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O rap e o grime britânicos da atualidade estão fazendo com perfeição todo o trabalho de base nesse momento, e talvez em breve levem toda a nossa cena para novos lugares. Há lançamentos marcados de discos de Skepta e Krept & Konan para os próximos meses, e também mais músicas do Boy Better Know, e novatos como Novelist e Stormzy (que está sendo paquerado por todas as grandes gravadoras) na verdade só podem olhar para esses artistas em busca de inspiração e de direcionamento no que diz respeito a cada um dos próximos movimentos de grande porte no jogo de xadrez da cena. Isso às vezes me faz ficar pensando de onde o Boy Better Know tira sua inspiração, onde busca orientação, no que diz respeito a levar o grime para as massas, e talvez até mesmo torná-lo, em sua forma natural e sem filtros, algo viável no Brit Awards. Afinal, o nosso maior exemplo de um rapper britânico de sucesso que teve sua origem na mesma cena em que começamos e conseguiu fazer um sucesso fenomenal nos rankings é o Tinie Tempah, mas ele não chegou lá fazendo uma música grime ou road rap. Mas essa safra do grime e do rap britânicos ainda não deu nenhum passo em falso, e cabe a nós manter a fé, em vez de questionar abertamente suas motivações.

Aparecer nos Brits num momento poderoso e cheio de rebeldia junto com Kanye West não é um avanço ou algo inspirador, que mostra à atual família do grime e do rap da Grã-Bretanha aonde eles são capazes de chegar sem se corromper, então me mostrem algo que seria. Mesmo que tudo se resumisse a eles querendo ter a experiência de estar no palco com um magnata global do rap, deveríamos respeitar isso, e esperar que isso lhes proporcionasse um tipo diferente de motivação para voltar ao estúdio e finalizar seus discos. Não me surpreendeu que uma faixa do Skepta (ouça acima), que sampleia uma citação da imprensa sobre o show do Brit Awards, tenha tido seu processo de masterização acelerado para um lançamento poucos dias depois do evento. Aposto que o maior fogo em cima do palco no Brits não foi a chegada daqueles lança-chamas, e sim, na barriga dos garotos que estavam por trás deles.

Então, se você quer fazer perguntas relevantes a respeito de Kanye e da cena de grime e rap da Grã-Bretanha no Brit Awards, elas não devem incluir "as ações de Kanye e companhia deram uma mãozinha para a cena britânica?", porque isso é uma armadilha. Deviam sim, tratar de “por que coube a um artista americano realizar esse gesto, e não a algum dos grandes artistas britânicos presentes?”. “Por que eles não estão fazendo a ponte e nos ajudando?” Essa deve ser a nossa maior frustração, esse deve ser o tema da conversa.

Sian Anderson é uma autoproclamada ativista do grime e toda noite de quarta-feira trabalha como apresentadora na BBC Radio 1Xtra. Siga-a no Twitter.