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Música

Antes de Chiraq, Havia Fayettenam: J. Cole nos Leva à sua Cidade Natal

Desde o "super gueto" até a compra da casa de sua mãe, o rapper da Carolina do Norte deve tudo a Fayetteville.

Todas as fotos por Samuel Bradley

“AND COULD I BE A STAR?
DOES FAME IN THIS GAME HAVE TO CHANGE WHO YOU ARE?
OR COULD I BE THE SAME ONE WHO CAME FROM A FARAWAY LIFE,
JUST TO MAKE IT IN THESE BROADWAY LIGHTS?”

"SEREI EU UM ASTRO?
NESSE JOGO A FAMA SEMPRE MUDA QUEM VOCÊ É?
OU SEREI EU O MESMO QUE VEIO DE UMA VIDA DISTANTE,
PARA FAZER SUCESSO SOB ESSAS LUZES DA BROADWAY?"

O ano é 2009, e faz apenas três meses que Jermaine Lamarr Cole, de 24 anos, fechou contrato com a Roc Nation. Sem saber exatamente como, ele se viu sentado no estúdio junto com Jay Z e Beyoncé, tendo que lidar com a pressão nada invejável de criar um verso diante dos olhares cheios de expectativas dos dois. Enquanto se recuperava do estresse, Cole esperou o verão inteiro para descobrir se apareceria na versão final de "A Star Is Born", do Jay Z. O produtor No I.D. dera a entender que Jay estava considerando a possibilidade de mandar ele mesmo todos os três versos. A hora da verdade veio quando Cole, junto com todo mundo, no mundo inteiro, viu a lista de faixas de Blueprint 3, do Jay, publicada na internet: "A Star Is Born", by Jay Z ft. Cole.

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Agora, comigo sentado bem na sua frente, J Cole está tendo um insight. "Todo o tema daqueles versos se resume à pergunta: é possível estourar e continuar sendo o Jermaine? Não sei, veremos". Mas foram justamente aqueles versos que fizeram com que ele estourasse. "Sim, é tipo: puta merda! Tá vendo? Aquele foi um momento insano. Isso é louco demais. Acho que não apreciei a coisa do jeito que deveria. Quando penso nisso agora é tipo: puta merda, eu entrei no disco do Jay Z. E falei da vila nos meus primeiros versos em colaboração. Previ essa porra toda naquele verso. Toda a trajetória da minha carreira."

"A vila" é Fayetteville, a cidadezinha da Carolina do Norte em que Cole cresceu, depois de passar seus primeiros oito meses de vida em uma base militar de Frankfurt, na Alemanha. É uma cidade tão importante para a música de Cole quanto Compton para a música de Dre, ou Brooklyn para a de Biggie. Se meu plano era entender Cole de verdade, eu tinha que ir encontrá-lo em sua terra natal. No embarque do avião para Fayetteville já fica evidente que a cidade tem ligações fortes com os militares, Fort Bragg atraindo muitos patriotas camuflados para os aviões que partem da capital para lá. Como diz Cole, a base é o "pão com manteiga" da cidade. Ao aterrissar, você encontra um pequeno aeroporto coberto de pinturas de soldados, pastores alemães, metralhadoras, helicópteros, águias, estrelas e faixas brancas e vermelhas, e há boas chances de que você seja levado até a cidade por um veterano de guerra. Não é difícil entender de onde veio o apelido "Fayettenam".

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"No estado da Carolina do Norte, eles olham para a gente como se fôssemos a pior cidade, a cidade com mais crimes, a mais perigosa. Sair daqui e dizer para os outros que você é de Fayetteville é tipo: 'Ih, caralho. Eita'. A reputação é essa", explica Cole. Ele fala sobre o apelido Fayettenam: "A gente tem esse nome faz anos; Chiraq começou praticamente ontem, essa porra aqui é Fayettenam desde que eu nasci". Cruzando a vila dentro de um táxi, é difícil não perceber o padrão: os strip clubs, lojas de penhor e estacionamentos, todos fechados, sobre os quais Cole me alertara. "Bem no meio do centro da cidade tem um lugar chamado Market House", diz. "Eles costumavam vender escravos bem ali. Mas é o único ponto turístico que temos em Fayetteville, então, quando você procura no Google, é ele que aparece."

Ao contrário do que costuma acontecer com filhos de militares, Cole acabou não viajando muito. Sua mãe se separou do seu pai e saiu das forças armadas, pegando vários empregos para facilitar ao máximo a vida para Jermaine e seu irmão, Zach. Até Cole fazer 11 anos, moraram numa série de pequenas casas, em bairros e estacionamentos de trailers, lugares que Cole descreveria como "super gueto". Zach passa diante de uma das casas na Lewis Street – é pouco mais do que um casebre. Na casinha de dois quartos os irmãos se refugiavam, vivendo um praticamente em cima do outro.

Isso tudo mudou quando a mãe de Cole se casou novamente, e a família se mudou para uma propriedade muito melhor, em Forest Hills Drive – o endereço que viraria o título de seu terceiro disco, que venceu o prêmio de Melhor Disco de Rap no Billboard Award de 2015. "Conseguimos ficar com a casa, porque havia uma outra fonte de renda", explica Cole. "O meu padrasto era do exército, ela tinha um emprego nos correios. Duas rendas de US$30.000 por ano combinadas, então pudemos subir de nível". A primeira coisa que você percebe ao se aproximar no número 2014 de Forest Hills Drive é o espaço em volta – há um enorme gramado na frente e um jardim na parte de trás da casa. Andando pela casa de três quartos, dá para ver porque qualquer criança ficaria extasiada de se mudar para lá.

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"Eu morei naquela casa por tipo uns sete bons anos da minha vida, dos 11 aos 18. Então foi nessa casa que comecei a fazer rap, que fiz minha primeira batida, escrevi minha primeira música, tive minha primeira namorada, minhas primeiras conversas madrugada adentro, arranjei meu primeiro emprego, foi enquanto morava lá que entrei no time de basquete; sabe como é, muitas boas memórias associadas com aquela casa."

Olhando pela janela da cozinha para o jardim atrás da casa, espetado por um monte de árvores gigantescas, é fácil imaginar os pitbulls do padrasto de Cole acorrentados, ferozes, afugentando os indesejados. Cole e seu irmão o admiravam. Ele gostava de rap – os irmãos achavam isso maneiro. Mais tarde, depois de Cole sair para cursar a universidade, o casamento de sua mãe acabou. Não havia dinheiro para continuar na casa, e a hipoteca foi executada.

Naquela noite, vamos até a pista de patinação Round-A-Bout, ali perto, outra parte importante da vida em Forest Hills Drive. O salão amarelo brilhante, com destaques em vermelho e globo de discoteca, parece meio com um clube onde jovens se reúnem e meio com uma festa de aniversário infantil; garotos andam de patins por um circuito, enquanto um DJ toca as faixas mais novas de drill e trap. Cole passava tanto tempo por lá quando criança que acabaram lhe oferecendo um emprego. Depois de um pouco de planejamento estratégico para penetrar as multidões de fãs, ele exibe suas habilidades, deslizando todo tranquilão, cercado por jovens devotos.

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Conversar com Cole é diferente da maioria das entrevistas com a maioria dos artistas que costumam esgotar ingressos em estádios como se não fosse nada. Quase de imediato você se sente muito à vontade falando com ele, não há pressão. Cole é um cara muito sincero e normal, e você sai sentido que realmente participou de uma conversa substancial, em vez da baboseira autopromocional de sempre. Fica claro que – para responder à pergunta em seus versos de "A Star Is Born" – a fama não necessariamente muda quem você é. Mas isso quase chegou a acontecer com J. Cole.

Embora sua primeira mixtape, The Come Up, de 2007, tenha sido feita sem pressa, The Warm Up, de 2009, saiu bem na época de sua colaboração com Jay Z, e foi seguida pela aclamada Friday Night Lights. Entre uma tape e outra, que não sofreram interferência do pessoal de grandes gravadoras, Cole entrou para a realeza dos blogs de rap. As caixas de comentários ficaram cheias de gente que proclamava que Cole era "a verdade", um líder da nova guarda, pondo-o num pedestal ao lado de Kendrick Lamar – para o qual ele produzira 'HiiiPoWer', e com o qual estava planejando soltar uma mixtape em colaboração – aumentando as expectativas em torno de sua estreia por uma grande gravadora.

Embora Cole World: The Sideline Story tivesse algumas faixas de qualidade, o disco foi atravancado por exigências da grande gravadora que, em suas produções anteriores, nunca haviam importado. Single para as rádios, participação de Jay Z, músicas para as boates, confere, confere, confere. Embora tenha feito sucesso comercial, não era o que os fãs tinham passado a esperar dele. No segundo disco, Born Sinner, Cole estava carregando nos ombros um fardo de frustrações com a indústria da música: “Henny don’t really kill the pain no more, now I’m Cobain with a shotgun aimed at my brain cos I can’t maintain no more” ("O conhaque agora não tá mais matando a dor, agora eu sou Cobain com uma espingarda apontada para os miolos, porque não tou conseguindo segurar mais") ele cospe em "Rich Niggaz". Ele também conta em detalhes a sensação de haver decepcionado um de seus ídolos em "Let Nas Down" ("Vacilei com o Nas"), onde fala sobre receber a notícia de que o rapper de Queensbridge odiara seu single "Work Out". Ele explica a pressão que sofreu da gravadora para que arranjasse um hit para as rádios, como condição para que seu disco recebesse o sinal verde, e que um amigo lhe dissera para "entrar no jogo para mudar o jogo". Nas depois responderia com um remix, dizendo a Cole: “It’s just part of the game, becoming a rap king, my nigga you ain’t let Nas down.” ("Faz parte do jogo, virar um rei do rap, meu nigga, você não vacilou com o Nas.")

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Enquanto gravava o segundo disco, Cole ainda se sentia perdido em meio à batalha da fama e a tentativa de manter a própria identidade. As luzes brilhantes, o dinheiro e as garotas o seduziam, mas não do modo costumeiro. "É claro, dá pra ouvir nas músicas que eu tinha mais consciência disso, eu estava ciente da coisa", reconhece. "Eu vejo o perigo, estou participando do perigo ao mesmo tempo. Andando no fio da navalha. E era isso, mas tudo isso era também um símbolo, de perder o caminho. Em Born Sinner eu não sabia a solução. Estava consciente só do problema. Estava ciente de que corria o perigo de me perder. 2014 Forest Hills Drive é tipo: agora eu descobri, agora tenho uma resposta."

O que mudou? "Precisou que eu fugisse de casa para aprender que, em última análise, é em casa que a coisa está. Agora vejo toda a minha vida de uma perspectiva aérea, e foi absolutamente necessário que tudo o que aconteceu em minha carreira acontecesse; cada passo foi necessário para que eu chegasse à compreensão que tenho agora, que é muito mais centrada no amor e na gratidão."

Com aviso prévio de apenas duas semanas e sem nenhum single, o disco saiu como um projeto acabado que os fãs vivenciariam do início ao fim. A quantidade de cópias vendidas na primeira semana superaria a dos discos anteriores, com 371.000, superaria o recorde de streaming do One Direction, com 15,7 milhões de usuários ouvindo o disco no Spotify, comparados aos 11,5 milhões que ouviram a trupe de Simon Cowell, e acabaria se tornando o primeiro álbum de hip-hop sem a participação de colaboradores creditados a obter disco de platina desde To The Extreme, lançado por Vanilla Ice em 1989.

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Pouco antes de soltar o disco, Cole descobriu que a casa estava de novo no mercado. Com o dinheiro que ganhara com aqueles versos no disco de Jay Z e com os discos anteriores, ele estava pronto para comprar sua primeira propriedade, e simplesmente não conseguiu resistir à tentação.

"Foi uma questão de justiça, comprar a casa de volta foi uma parada de justiça, porque nunca gostei do jeito que tiraram ela da gente. É um símbolo do lar, e de entender melhor a própria vida; entender o que realmente traz felicidade. Nunca fui uma pessoa materialista, mas estava tomado pela carreira, o sucesso me consumia. Estava baseando minha felicidade no meu nível de sucesso, e não em ser grato pelo que tenho, as pessoas queridas e a família que tenho. Então é um símbolo de retomar os laços com essas paradas."

Ele redecorou seu antigo quarto como se 15 anos não tivessem passado, e como se ele ainda morasse lá. As paredes estão cobertas de pôsteres dos lançamentos de hip-hop do final dos anos 90 que influenciaram o seu estilo; 2Pac, DMX, Foxy Brown e Black Star, e também do Bomm Sheltuh, de Fayetteville, um grupo local ao qual J. Cole se uniria usando o pseudônimo Therapist.

Aquela casinha é hoje um monumento homenageando a parte de seu passado que hoje ele compreende, com a qual se reconciliou, e que o fortalece, mas não faria sentido morar lá agora. Cinco meses atrás, Cole anunciou os planos que tinha para a propriedade em um podcast de rap chamado The Combat Jack Show, do Brooklyn; ela se tornaria um refúgio para todas as mães solteiras da região que tivessem muitos filhos e vivessem em habitações impróprias, por períodos de até dois anos de cada vez. "Quero que os filhos delas se sintam como eu me senti quando chegamos na casa", ele contou no podcast. Aquelas quatro paredes formaram o rapper que vemos hoje, e, agora, o conforto e o amor que irradiam do número 2014 de Forest Hills Drive são por elas entregues àqueles que estão mais necessitados desse conforto e desse amor do que J Cole.

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Tradução: Marcio Stockler