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Música

Aesop Rock explica por que seu novo disco é na real uma recriação de ‘O Iluminado’

Ouça com exclusividade o novo álbum do rapper nova-iorquino ‘The Impossible Kid’, seu sétimo e mais pessoal trabalho.

Foto por Ben Colen

Nessa semana rola o lançamento oficial de The Impossible Kid, do Aesop Rock, o primeiro disco solo do letrista do hip-hop desde Skelethon, de 2012. Embora no cômputo geral este seja seu sétimo lançamento, The Impossible Kid é o projeto mais pessoal do artista de 39 anos. Tendo passado a maior parte dos últimos vinte anos construindo sua reputação como um dos letristas mais vocabulosos do hip hop, a tendência de Aesop de fazer comentários abstratos sobre questões sociais muitas vezes é vista como sinônimo de seu nome. Começando com sua estreia de 1997, Music for Earthworms, seu papel como uma das figuras mais importantes da cena underground de hip hop de Nova York naquela época se expandiu, ultrapassou a barreira do rap e atingiu gêneros diferentes, o que rendeu a Aesop justas aclamações.

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Mesmo com as letras fugindo à sua costumeira obscuridade, The Impossible Kid retém sua maneira caracteristicamente fluida de cantar, e temáticas edificantes, com a diferença principal vindo de ele erguer o véu que separava suas próprias vulnerabilidades e a relação delas com sua vida pessoal e a arte que ele cria. Em nossa conversa recente com Aesop, o artista se abriu sobre esse novo tipo de direção, e sobre porque ele não se sente mais tão ligado à cena do hip hop. Leia a entrevista abaixo e não deixe de dar uma olhada no stream exclusivo do Noisey de The Impossible Kid, que é uma recriação completa, cena por cena, de O Iluminado, e puta merda, por que você ainda tá lendo essa introdução.

Noisey: Uma das coisas que chamaram a minha atenção no press release de The Impossible Kid foi o fato de que você voltou a desenhar. Levando em conta que tudo isso começou enquanto você estudava artes visuais na faculdade ali nos anos 1990, existe alguma correlação entre essa volta às suas raízes artísticas e o material que você escolheu colocar no novo disco?
Aesop Rock: Ah, eu acho que é capaz de ter — mas é uma coisa estranha, eu não me dei conta de que um monte dessas coisas poderiam, em tese, ter ligação umas com as outras, só muito depois da coisa rolar. Desenhar e artes visuais foram meio que a minha primeira paixão, isso desde quando eu era garoto. Sempre senti que era aquilo que eu tinha nascido para fazer — mas, na verdade, acho que nunca tive o talento para fazer da coisa uma profissão. Acho que saber que esse seria meu último disco antes de fazer 40 anos foi algo que pesou para mim, e tanto na minha escrita quanto na minha vida tenho refletido sobre isso. Sempre mantive um caderno de desenhos por perto, mas passo por longas fases de nem chegar a encostar nele. Nos últimos tempos venho tentando ficar bastante ativo no caderno, para ver se consigo retornar àquele sentimento original.

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Na sua opinião, existe alguma relação entre o visual e o verbal?
Acho que de duas maneiras — uma é que eu adoro letras que têm milhares metáforas e referências tangíveis. Tento escrever coisas detalhadas que façam o ouvinte querer continuar ouvindo, parecido com como a pintura certa pode fazer alguém ficar a olhando fixamente por muito tempo. Além disso — sempre me senti mais ligado à solidão das artes visuais. Eu curtia o fato de que a coisa se resumia a ficar sentado numa sala, vendo o que dava para fazer — e acho que, nos últimos anos, tento deixar com que a música cumpra esse papel para mim. A música sempre me pareceu ser mais um evento social. Obviamente, há a solidão do estúdio, mas uma parte muito grande do que as pessoas pensam no que diz respeito à música é ouvir a música, ou até mesmo criar música, em uma situação de grupo, e grupos de amigos, desde a época do ensino médio, são divididos pelo tipo de música que gostam. Isso traz certos estigmas sociais. Acho que venho, nos últimos tempos, tentando tratar a minha música da mesma maneira como se eu estivesse desenhando em casa.

The Impossible Kid é um disco muito pessoal, o que é uma direção pela qual você não havia adentrado muito nos últimos tempos. Qual foi o catalisador principal que finalmente fez você se permitir ser vulnerável na sua música?
Bom, eu meio que discordo com parte da premissa da sua pergunta — para mim, sempre foi uma coisa pessoal e introspectiva, então sinto que, de certa maneira, é uma direção pela qual eu venho adentrando desde o início. Na verdade, acho que esse disco é menos críptico em certos momento — e acho que meu estilo simplesmente evoluiu pra isso. Para ser completamente sincero, não me dei conta de que estava indo por aí. Apenas fui escrevendo o que achava que deveria ser escrito, e quando depois botei um pessoal para ouvir, um comentário que fizeram foi o de que tudo parecia um pouco mais acessível — no sentido de que dessa vez as letras não eram tão enigmáticas. Agora consigo ver isso, mas na verdade não foi a minha intenção. Em alguns momentos dos processos de escrita e gravação você na verdade não percebe o quanto está sendo vulnerável. Eu meio que só vou seguindo em frente, e faço tudo estando dentro de uma bolha. É só mesmo quando os outros apontam para a coisa que eu meio que encaro aquilo que criei.

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Houve de início algum desafio em colocar as suas experiências pessoais sob os holofotes da música em The Impossible Kid?
Não muitos. Não importa se estou sendo muito abstrato ou muito direto, nem de qual assunto estou falando — tudo tem suas raízes no conjunto de experiências que coletei na vida. Acho que diferentes coisas ganham importância como assunto em diferentes fases da minha vida, mas não posso dizer que haja uma mudança consciente na minha abordagem. Eu meio que só busco o que estiver disponível naquele momento. Às vezes anoto uma ideia para uma música — mas quando sento para escrever, o panorama maior de como eu criaria a música simplesmente me escapa. Os versos simplesmente não aparecem. As coisas dependiam não do que eu achava que fosse uma boa ideia para uma música, mas sim do que estava pronto para sair de mim.

Você abre o coração sobre a depressão nesse disco. O que fez com que você se abrisse de forma tão clara sobre esse tópico especificamente em The Impossible Kid?
É um assunto que abordei bastante nos meus trabalhos — mas, talvez, de uma maneira bem mais complicada antes. É como eu disse, acho que isso é um subproduto do meu processo criativo seja algo como que ficar dentro de uma bolha. As coisas que escrevo muitas vezes são as que precisam sair, mais do que as que eu tenho vontade de escrever. Não sei nem se estou disposto a ficar falando muito sobre o assunto. [Risos] Acho que, quando é a letra de uma música, estou totalmente no controle do que é dito, e da maneira como ele é contextualizado, e há um pouquinho de segurança nisso. Posso discutir só as partes em cima das quais trabalhei na minha música. Mas não tenho muito interesse em discutir de verdade, tipo numa conversa, muitas dessas coisas.

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Falando do hip hop como um todo, qual você crê que seja o motivo de os artistas de hoje terem muito mais disposição de se abrir sobre o que ainda é visto como um estigma social, a depressão?
Tipo, o rap historicamente é uma parada meio macho alfa. Então chegar no microfone e falar das próprias fraquezas não é bem a abordagem mais confortável ou mesmo bem recebida. Além do mais, quando alguém faz isso, você se dá conta de que tem um monte de gente por aí que talvez nunca teve quem conversasse com elas diretamente, e elas pensam: “ei, finalmente alguém está falando comigo”. Mas na verdade você está se voluntariando para ser a pessoa mais fraca do lugar — e isso nunca vai ser algo fácil. Há também um efeito colateral engraçado, em que todas as pessoas que fazem rap partindo da atitude de uma autoconfiança extrema não fazem nem ideia do que fazer quando ouvem alguém expressando dúvidas a respeito de si mesmo. É uma coisa genuinamente estranha para eles. Adoro o espírito de zuera e de vanglória que acompanha uma parte imensa dos raps — isso é a pedra fundamental para a maioria dos rappers. Mas não existe nada mais bizarro para mim do que alguém que nunca teve dúvidas a respeito de si mesmo.

O hip hop continua sendo a mesma força cáustica e polêmica que era em meados da década de 90, quando você começou?
Acho que, com certeza, ele pode ser. Tipo, todos os gêneros evoluem e passam por diferentes fases com o tempo — e, com certeza, houve períodos em que o som da atualidade simplesmente não fez jus ao potencial daquele meio, na minha opinião. Mas ainda não existe algo que seja mais direto do que ouvir uma rima forte, cantada por uma voz poderosa, por cima de uma batida contagiante — e essa continua sendo a base fundamental do som. Coisas diferentes vão atrair diferentes pessoas devido a diferenças entre as gerações, e para onde as pessoas acabam sendo levadas por seus ouvidos — mas, apesar de todas as mudanças que ocorreram no rap, eu ainda consigo encontrar alguma coisa que no mínimo faça referência aos sentimentos que tive quando ouvi rap pela primeira vez, nos anos 80, e ao que depois me inspirou a tentar escrever minhas próprias coisas.

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Existem assuntos ou certos temas que você abordou nas suas letras nos primeiros anos e que hoje deixou para trás, ou que hoje evita deliberadamente?
Acho que sim. Teve uma época, durante o None Shall Pass, em que eu tentava conscientemente evitar usar muito a palavra “eu”. Acho que eu estava farto do narcisismo intrínseco, e tentei substituir o “eu” por “ele”. Acho que isso também me ajudou com o aspecto de narrar histórias — ao colocar tudo na terceira pessoa, tive a sensação de contar algo sobre alguém. Estou meio que de volta ao “eu” nesse disco, mas sinto que, graças àquele período, posso aplicar melhor algumas técnicas narrativas quando preciso delas. Outra coisa é que acho que eu costumava usar os palavrões com uma intenção mais de chocar, e não de uma maneira estratégica. Eu exagerava neles meio que só para dar uma sacudida no ouvinte. Mas hoje em dia vejo isso como uma coisa meio burra. Ainda falo muito palavrão, mas acho que usá-los de um jeito mais parecido com o que se usa numa conversa me ajudou muito. Além disso tudo, acho que meu braggadocio evoluiu. Ainda me gabo — mas de um jeito muito mais brincalhão do que antes. Gosto de adotar o tom de vanglória quando estou meio que tirando uma com a minha cara. Rob Sonic e eu fazemos muito isso no projeto Hail Mary Mallon — usando meio que aquela voz de braggadocio enquanto estamos falando mal da gente mesmo. Há algo de engraçado, para mim, em criar os versos mais críticos e virulentos possíveis, e aí usá-los para falar de mim mesmo. Isso é muito mais a minha cara do que fazer diss para outros rappers.

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Como um músico que é conhecido por assumir o controle de basicamente todos os aspectos da sua música, a produção, etc., esse tipo de autonomia criativa conduz ao sucesso, do ponto de vista criativo?
Não tenho certeza se leva mais ao sucesso ou ao fracasso, mas, com certeza, é algo que me permite ter propriedade plena sobre seja lá qual for o resultado. Se eu fracasso, não posso pôr a culpa em ninguém. A mesma coisa vale para o sucesso. Quanto mais velho fui ficando, mais foi ficando importante fazer com que essas empreitadas solo fossem sobre o que eu consigo fazer. Para que eu possa sentir orgulho, e sentir que aquele trabalho é meu, preciso mesmo que eu faça o trabalho. É difícil dizer: “esse aqui é um disco do Aesop” se eu não cheguei a fazer nem metade das paradas que estão lá. Hoje em dia, gosto de controlar todos os aspectos — e mesmo nas coisas que tecnicamente não faço sozinho, tenho total controle sobre elas. Não estou dizendo que nunca mais vou trabalhar com um produtor na vida nem nada assim, mas, ultimamente, essa abordagem é a que tem funcionado para mim.

Esse tipo de autonomia e independência é algo que você sente ser especialmente importante num gênero que se estabeleceu partindo desse mesmo tipo de perspectiva?
Não creio que o gênero seja o motivo. Só acho que quero que o meu trabalho me represente plenamente.

Você se sente tão ligado ao hip hop quanto era em 1997?
Hoje em dia não sou tão ligado à cena. Mas, mesmo na época em que eu fazia parte de alguma coisa que parecia ser ligada à cena, eu não me sentia muito à vontade. Quase chego a achar que a cena é algo que te distrai do trabalho propriamente dito. Eu adoraria encontrar ainda mais maneiras de me desligar da cena — uma coisa que não é fácil quando você tem uma carreira a manter. Adoraria que minha existência como artista tivesse a ver exclusivamente com a minha arte — e não com minha presença nas mídias sociais, ou com a comparação do que eu faço com o que é visto como cool atualmente, e nem mesmo com se eu mando bem ou não numa entrevista. Só quero mostrar o meu trabalho para o mundo, talvez explicá-lo se eu tiver vontade, e ponto final. Mas, no que diz respeito à minha própria música, me sinto mais ligado do que nunca, mais sintonizado com quem eu sou e com a contribuição que consigo fazer, e sinto que compreendo melhor minhas próprias capacidades.

Jonathan Dick é escritor e não está no Twitter, então ele é só escritor mesmo.

Tradução: Marcio Stockler

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