FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Adeus Nessa Chascarrillo, do TPM

Na noite de quinta passada (14) o punk rock brasileiro perdeu uma de suas figuras mais queridas. Nessa Chascarrillo, baterista da TPM, morreu após atravessar uma internação por meningite.

Na noite desta quinta-feira (14) o punk rock brasileiro perdeu uma de suas figuras mais queridas. Queridas, mesmo. Todo mundo que eu conheço desde que transitei pela primeira vez no cenário hardcore costuma colecionar desafetos. Mas isso não acontecia com ela. E, por alguma razão, acho que no sustento desse poder que ela tinha residia uma porção de qualidades muito singulares. Nessa Chascarrillo, que foi baterista da banda TPM (Trabalhar Para Morrer) entre os anos de 1997 e 2001, era uma menina muito gente fina, do tipo que inspirava a calma e a graça em quaisquer ambientes por onde passava.

Publicidade

Tão nova, talentosa e esperta, morreu após atravessar uma internação por meningite. Segundo conseguimos apurar nesse meio-tempo, ela sofreu um infarto quando já estava em casa, apenas dois dias após receber alta. Sem fazer alardes, Nessa foi se pá a mina mais riot que o nosso cenário já conheceu, tendo influenciado um monte de garotas a tocar bateria. Algo que, por incrível que pareça, era um lance visto com estranheza pela hostilidade machocore daqueles tempos.

A Nessa ficava sempre na dela, adorava café, pirava nas coisas da Dischord, no Descendents e Love and Rockets, costumava dizer que tocava mal e que seu coração era feito de biscoito. Que coisa. Ela era tão punk que nascera inclusive no ano mais punk da história, 1977. Deixou um filho, o Lucas, que completa 10 anos em dezembro. Ainda nesta semana, cinco dias atrás, ela chegou a publicar um post no seu blog, ironicamente um desabafo dolorido: "Acho que eu nunca me senti tão sozinha, abandonada, como hoje. Esses dias ando batendo os piores recordes da minha vida e, sério, já deu. Não aguento mais tanta merda".

A quantidade de posts de gente ligada ao underground prestando sentimentos a ela, de ontem para hoje, nas redes sociais, foi gigante. Algo parecido rolou quando perdemos o Redson, do Cólera. Isso diz tudo. O corpo será cremado neste sábado (16) pela manhã. A cerimônia é só para os chegados, por isso não divulgamos o local da cerimônia. Colhi alguns depoimentos de um pessoal que conviveu com ela em alguma fase da vida. Fica registrada aqui a homenagem. Não foi possível falar com todxs que eu gostaria por conta do tempo curto de apuração. Mas temos logo abaixo um punhado de bonitas palavras.

Publicidade

"A Nessa era a fofura em forma de garota. Uma fofura contagiante que a fez ficar conhecida na cena do país inteiro. Engraçado tê-la conhecido justo num meio onde todo mundo é carrancudo, punhos em riste… mas acho que é isso. Ela é uma prova de que 'ser punk' está nos seus atos, nas suas escolhas, no que você faz dentro da sua cabeça para viver num mundo melhor e não em quão alto você pode berrar ou quão rasgado você pode andar."

Dráuzio Tronolone, ex-baixista do Sight for Sore Eyes e Street Bulldogs

"Sei lá quantas aulas eu cabulei para ficar papeando com a Nessa pelos corredores da faculdade. Papeávamos sobre tudo, exaustivamente, e eu sempre ficava admirado com a inteligência, a sagacidade e o fino senso de humor da moça. Sem contar os zines e as fitinhas trocados nos intervalos e, mais importante, o seu mundialmente conhecido abraço. Ainda que o tempo apertado não nos permitisse dois dedinhos de prosa, aquele abraço valia o dia. Poxa, irmãzinha… Hoje eu estou achando é que nós não cabulamos aula o suficiente…".

Douglas Utescher, ex-guitarrista do Life is a Lie/Parental Advisory, ex-vocalista do Araukana e atual editor da Ugra Press

"Com a fundação do TPM, Nessa foi uma das responsáveis pelo surgimento da cena riot grrrl em São Paulo no início dos anos 1990. Para além da sua importância pro punk rock feito por mulheres no Brasil, perdemos uma amiga que todas e todos amavam ter por perto, com sua doçura e senso de humor. Nesse momento de dor imensa, meus sentimentos estão com Lucas, filho da Nessa, toda sua família, amigas e amigos."

Publicidade

Elisa Gargiulo, vocalista/guitarrista da Dominatrix

"Essa era a capa do disco, mas a Nessa não quis aparecer sozinha. Disse que a gente era uma banda. Eu deveria ter insistido nessa capa, a banda estava toda ali. Foi incrível tocar com a Nessa. Ela era a alma da banda".

Carlos Issa, guitarra/vocal do Objeto Amarelo. Tocou guitarra no TPM durante um tempo

"Não existem palavras que descrevam o sentimento de agora. Você sempre foi alegre e seu sorriso sempre mandou qualquer tipo de mau humor pra longe. Até o meu. Eu não estou acreditando. Me recuso a acreditar. O mundo desabou de uma hora pra outra. Mas se Deus sempre pede que um anjo da guarda cuide de cada um de nós, eu fico tranquilo porque sei que você está sendo escoltada neste momento por uma legião de anjos. Um dia eu sei que vou te reencontrar e você poderá até estar usando All Star, mas eu não vou me importar, porque o mais importante vai ser poder ver teu sorriso de novo. Vai com Deus minha amiga. Faça com o céu tudo aquilo que você SEMPRE fez na Terra! Irradie bondade e alegria!"

Cesinha Lost, da Highlight Sounds, tocou baixo e guitarra em bandas como Againe, Street Bulldogs, Dance of Days e Seven I Lie

"Certo dia, estava tomando café com um amigo e jogando conversa fora na Padaria Real (ao lado da antiga MTV no Sumaré) e a Nessa apareceu com seu filho, Lucas, vestido de quimono. Após o conhecido 'abraço fofo' da Nessa, ela começou a prosear conosco e eu ali, provocando o filho dela, dizendo que eu vivia batendo no tio-ídolo dele, o talentoso artista gráfico Flávio Bá. O ferinha com aquele ar de morte pro meu lado, mas ao invés de um chute ou algo do gênero, ele só ficava mostrando o dedo médio pra mim na encolha, pra mãe dele não ver. Eu 'entrego' a peste pra Nessa e ela rindo dá uma reprimenda-sorridente pro filho e dispara um 'antes isso que um chute' pra mim. Ela era assim: muito carinhosa e dedicada com todo mundo e acertando com poucas palavras, tipo 'pra um mala como você ficou de bom tamanho'. Dói horrores quando gente dessa estirpe vai embora tão cedo. A comoção em torno da Nessa nos meios subterrâneos foi algo semelhante ao Redson, quando morreu! Que bom que as pessoas sabem valorizar essas almas incríveis."

Publicidade

Arthur Dantas, editou o zine Velotrol, atuou como repórter/editor da revista +Soma e vira e mexe publica na Vice

"Perdemos uma amiga e uma pessoa muito especial. Acho que todos queremos ser lembrados com carinho pelas pessoas que deixamos nesse mundo e ela com certeza conseguiu isso. O TPM foi uma das primeiras bandas a gravar e ensaiar no El Rocha, ainda na casinha da Rua Virgílio, onde fizemos aquele disco em curtas e divertidas sessões de gravação. É difícil escrever algo que preste nessas horas, mas eu só posso desejar muita força para o Lucas, Bá, família."

Fernando Sanchez, baixista de bandas como CPM22, O Inimigo, e engenheiro de áudio no estúdio El Rocha

"A Nessa foi uma das pessoas mais queridas e especiais que eu conheci. Acima de tudo, era alguém cujo coração enorme servia como abrigo contra a hostilidade e julgamentos frequentes num ambiente muitas vezes tão sectário. Desde que nos conhecemos, há quase 20 anos, ela sempre entendeu e acolheu a todos, sorridente e sem medo de demonstrar carinho sem fim por moleques e minas carrancudos como éramos naqueles tempos. Uma amiga, uma irmã, um exemplo de doçura, que viveu como ninguém as palavras de um de seus heróis, o Ian MacKaye: 'não existe coragem no ódio, apenas no amor'."

Pedro Carvalho, guitarrista do Disxease, Futuro e Modulares. Tocou em bandas como Newspeak, I Shot Cyrus e foi editor do zine Angry Voice.