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Música

A Ressurreição de Lauryn Hill

A heroína dos refugiados não faz questão dos holofotes, e mesmo assim continua conduzindo uma legião de fãs esperançosos.

Na semana passada, antes de fazer um show na Boston House of Blues, Lauryn Hill visitou a Haley House, uma entidade sem fins lucrativos no bairro de Beantown em Roxbury, especializada na reintegração de ex-detentos perante à sociedade dando a eles oportunidades de emprego. Roxbury, notória por sua grande população afro-islâmica e haitiana, é o lar de pessoas que foram chamadas depreciativamente de “Fugees” ou “Refugees” (refugiados) por mais tempo do que Lauryn já foi. De certa forma, foi uma festa de boas-vindas para a artista multiplatinada, com fãs obstinados acompanhando sua timeline no Twitter para saber quando ela iria chegar.

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Uma fila dava a volta no quarteirão para entrar em Haley, que tinha o tamanho de uma cafeteria. Muitos dos presentes tinham tatuagens do rosto da artista. Era a primeira aparição de Lauryn Hill em Boston depois de ter sido presa no Instituto Correcional Federal de Danbury (FCI, na sigla em inglês), Connecticut, uma prisão de segurança mínima para mulheres a poucas horas de carro da Haley House.

O clima era tenso – a equipe detrás do balcão em Haley comentou ter sido avisada do meet and greet de última hora. Cerca de 40 pessoas estavam abarrotadas em uma área possivelmente mais acostumada a receber uma dezena, e todas esperavam por uma chance para beijar o famoso anel da Sra. Hill. Quando ela chegou, uma onda de energia tomou conta do cômodo. Com brincos de ouro balançando, combinando com seu colar, um conjunto jeans e um chapéu fedora inclinado, Lauryn Hill fazia com que as transições pelas quais sua vida passou parecessem impossivelmente fáceis.

A primeira vez que falei com ela foi quando ainda estava presa em Danbury. Falávamos a respeito de um documentário que não foi pra frente que ela gostaria de fazer para expor as condições em que as mulheres se encontravam dentro do presídio. Isso há quase um ano atrás, em outubro.

Lauryn Hill me falou dos paralelos entre a sua história e de muitas outras “criminosas” de colarinho branco que lá estavam.

“Quando era jovem, não percebia que a habilidade de compor um hit era um dom raro. Era tão natural que acabava presumindo que todos sabiam fazer aquilo. E estas mulheres que conheci têm habilidades como a de perceber padrões, no mercado de ações, por exemplo, e alguns homens perceberam isso e as exploraram”, disse. “As histórias que escuto aqui, Jesus Cristo, meu Deus, essas meninas têm vinte e poucos anos e estão recebendo pena de prisão perpétua por conta de drogas”. Continuando, ela disse: “Muitas destas mulheres são frutos de circunstâncias ruins, mas buscaram o sucesso à sua maneira. Suas mentes brilhantes podem ser subdesenvolvidas em algum aspecto, mas aquela parte brilhante não vai parar”.

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Quando alguém é condenado a um crime de colarinho branco, uma regra geral é a de que quanto maior a perda financeira, pior a sentença. De acordo com Hill, muitas vezes as mulheres que conheceu em Danbury eram o bode expiatório de esquemas que envolviam homens oportunistas, muitos dos quais saíram ilesos. “Estamos falando do impacto, em vidas de verdade, da criminalização do vício, da criminalização de doenças mentais, e até mesmo da criminalização de vítimas de abuso”, disse. “Digo, sério? Você não consegue ver que esta pessoa é claramente uma vítima?”.

Ela não chegou a acusar o sistema penitenciário de racista ou sexista, mas disse que era “excessivamente imparcial”, no sentido de como criminaliza, de forma injusta, os desfavorecidos, abusados e pobres.

O FCI de Danbury rejeitou meu pedido para documentar as condições das mulheres ali presas, geralmente de origens menos privilegiadas e mantidas em condições piores que detentos do sexo masculino (o sistema carcerário feminino é geralmente deixado de lado, mesmo com a privatização atual). Livre, a própria Lauryn Hill escreveu um pedido à mão, escaneado pelos seus agentes e enviado a mim. Foi um ato de gentileza e dedicação à justiça social raramente encontrado em qualquer celebridade, ainda mais em uma com uma reputação tão espinhosa quanto a Sra. Hill.

Rumores sobre o comportamento de Lauryn Hill infelizmente dominaram a última década de sua carreira. O crítico do Los Angeles Times, Robert Hilburn, usou palavras como “demente” em sua resenha do álbum acústico de Lauryn feito para a MTV. “Ela sempre foi uma perfeccionista e uma estrela”, declarou o engenheiro de som Gordon Williams (geralmente creditado como Comissário Gordon). “Ela era uma estrela antes mesmo de despontar, um imã de atenção desde quando entrou no estúdio pela primeira vez”.

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Você tem a impressão de que suposto comportamento “exigente” de Lauryn seria aceitável por parte de muitos homens cujo estilo é admitidamente influenciado por ela – digamos, Kanye West. Mesmo de fãs de música ouvi coisas terríveis a respeito de Lauryn em termos distintos de gênero; “ela é louca”, “ela é mandona” ou “ela é irracional”. Apesar de sua popularidade e impacto – antes que esqueçamos, Drake cedeu tempo no palco em seu OVO Fest para a Sra. Hill neste último final de semana – muitos demonstraram ceticismo diante de sua potencial reintegração na indústria musical. Mas se você perguntar a ela, ela não é louca, só verdadeira.

“Eu não faço fofoca, não falo merda”, me disse. “Sou muito intuitiva, e consigo sentir o cheiro de enrolação a um quilômetro de distância. É muito desconfortável pra mim ficar zanzando por aí. Você não me vê pela rua. Não posso ficar perto de tolices”.

Depois de sua saída dos Fugees, a carreira de Lauryn tem sido menos que estável. Além de seu Acústico MTV e sua estreia multiplatinada, ela não fez muita coisa. Mas precisa? Seu show na House of Blues na última quinta contou com versões não menos que perfeitas de qualquer música que você pudesse imaginar. Pra dar um charme, sua banda tocou uma versão estendida de “Guns of Brixton” do The Clash, em que ela rimou freestyle.

Foi um set sem qualquer frescura ou longos discursos. Na metade, ela pegou um violão e tocou algumas das canções quase-completas de seu acústico, como “Adam Lives in Theory”. Seguida da aparição na Hayley House, o show parecia um gesto de gratidão, até mesmo uma oferta de paz para os fãs que ficaram ao seu lado na longa volta para a casa. Seu entusiasmo me lembrava de algo que ela havia me dito meses atrás.

“Estas mulheres que estão presas poderiam estar lá fora pagando sua dívida com a sociedade, poderiam estar ganhando algo ao invés de ficarem enjauladas”, afirmou. Sua performance trocou firulas por um flow puro e simples. Ela continua nos dando algo. Era Lauryn Hill, no melhor de sua intuição.

Basim Usmani é um escritor que mora em Boston. Siga-o no Twitter - @BasimBTW

Tradução: Thiago “Índio” Silva