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Música

A Morte Prematura e o Renascimento Glorioso do Faith No More

Claramente, há muito o que discutir: desde o lançamento do novo disco, 'Sol Invictus', depois de 17 anos de intervalo, até a ópera de Roddy Bottum sobre o Pé Grande.

Roddy Bottum não nos diz quem é o escravo. Sua banda Faith No More recentemente revelou uma fotografia promocional em que os integrantes aparecem em smokings enquanto Bottum – o auto-proclamado “gay da banda” – mantém um escravo mascarado em uma coleira. “A foto foi minha ideia, obviamente”, ele nos diz rindo. “Mas o escravo ainda não foi nomeado.”

A foto é significativa além do fator cômico: ela prenuncia um novo disco do Faith No More, Sol Invictus - o primeiro da banda em quase 20 anos. Quando o grupo acabou em 1998, Bottum achou que eles nunca mais tocariam, muito menos lançariam material novo. Quando ele e seus colegas de banda – o vocalista Mike Patton, o baixista Billy Gould, o baterista Mike Bordin e o guitarrista Jon Hudson – se reuniram em 2009, um novo disco não estava no cardápio. Mas seis anos depois, eles entregaram o que muitos (inclusive nós) achavam ser impossível: um novo e fantástico disco do Faith No More que realmente se sustenta ao padrão de seus clássicos bizarros The Real Thing (1989), Angel Dust (1992) e o amplamente subestimado Album of The Year (1997) – o disco que parecia destinado a ser o último.

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Claramente, há muito o que discutir: a improbabilidade da reunião da banda em si; a notável ausência do guitarrista de longa data Jim Martin (que Hudson substituiu em 1996), e o fato que Bottum recentemente compôs uma ópera sobre Sasquatch, o Pé Grande, descaradamente chamada Sasquatch: The Opera. Mas também tem sua inovadora entrevista de saída do armário com o ícone gay Lance Loud na The Advocate em 1993, e também aquela vez que ele conheceu o outro Roddy, o lutador profissional e estrela do filme Eles Vivem, “Rowdy” Roddy Pipper.

Noisey: Seu nome verdadeiro é Roswell. Quando as pessoas começaram a chamá-lo de Roddy?
Roddy Bottum: É um nome de família. Não foi inventado por meus amigos nem nada parecido. Meu avô chamava Roswell, como a cidade no Novo México, e o chamavam de “Roddy.” O nome do meu pai também era Roswell, e o chamavam de “Ros.” Então quando eu cheguei, Roswell Christopher Bottum III, eu era o “Roddy.” Eu fui o Roddy desde criança. É um apelido, mas está na minha carteira de motorista. É como eu sempre fui chamado, mas é um nome bem engraçado. Você pode imaginar ter esse nome enquanto cresce na escola? “Roddy Bottum” lido em voz alta na frente de um monte de crianças? Foi difícil, muito bom para a construção do caráter.

Me faz pensar no “Rowdy” Roddy Piper.
Ah sim, claro. Eu o conheci uma vez.

Sério? Um encontro dos Roddies?
Sim, foi incrível. Nós estávamos na Inglaterra nesse programa de TV. Era mais ou menos como um talk show, mas nós tocamos e estávamos sentados nas cadeiras, então Rowdy Roddy Piper foi ao ar, e ele estava descontrolado. Nós estávamos no palco, então ele subiu lá e eu acho que ele enlouqueceu porque era uma banda de rock então ele achou que éramos um tipo de competição. Ele estava cheio de energia, quicando das paredes em seu kilt. Eu tentei conversar direito com ele mas não era possível. Então eles “ok, estamos cortando para os comerciais.” E a câmera parou e ele estava calmo, tipo, “ei, o que vocês caras andam fazendo?” Ele apenas ligou aquilo e depois desligou.

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A reunião do Faith No More foi anunciada no começo de 2009, mas quando vocês começaram a falar sobre ela seriamente?
Três de nós cinco estávamos dando uma volta quando eu me casei em Los Angeles. Nós não falamos de verdade sobre isso, mas foi a primeira vez que estávamos no mesmo espaço geográfico em um bom tempo. Nos sentimos bem confortáveis, como um reencontro de escola. Passei por muita coisa com esses caras, sabe, e estar na mesma sala com eles depois de tanto tempo foi muito agradável. Acho que todos se sentiram dessa forma. De repente uma oportunidade para um show apareceu, e embora nenhum de nós acreditasse que o faríamos, tendo passado esse tempo juntos nos fez ficar mais abertos para o que poderia ser. Eu sei lá. Apenas aconteceu.

Quando você se casou?
Não sei. Não sou bom com números. [Risos] Nunca fui. Sei quando eu me formei no Ensino Médio, 1981. E é isso.

Durante todos esses anos que o Faith No More esteve inativo, você sentiu que uma reunião ia acontecer?Não, absolutamente não. No momento que chegamos onde estávamos com a banda, estávamos de saco cheio uns dos outros. Era a última coisa na mente de todos. Nós passamos pelo inferno juntos. Era como uma guerra. Da primeira turnê que fizemos em um Dodge 66, dormindo em sofás durante anos, ir daquele ponto para vender milhões de discos – é um trabalho difícil. É uma estrada realmente dura. E para moleques em seus vinte anos, fazer decisões criativas, fazer decisões de negócios, morar juntos, trabalhar juntos, dormir juntos, drogas… simplesmente tanta coisa. Passamos por muita coisa. No momento que estávamos famosos e no ponto de acabar com a banda, estávamos muito, muito cansados uns dos outros. Naquele momento, nós viramos as costas uns para os outros e nunca pensamos que pudéssemos voltar.

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Teve um momento específico para você, pessoalmente, quando você não aguentava mais?
Bom, passei por um monte de merda nos anos 90. Usava muitas drogas. Então eu parei de usar drogas, mas essas coisas malucas começaram a acontecer de uma vez – dois grandes amigos meus morreram e o meu pai morreu. Quando coisas como essas acontecem na sua vida, na minha experiência, é que isso faz tudo mais parecer sem sentido. A não ser que você esteja amando o que está fazendo, por que se preocupar? E quando estávamos nos nossos dois últimos discos, eu já não estava amando tanto aquilo. Parecia muito insignificante depois de toda aquela tragédia.

Tinha alguém no Faith No More nesse ponto que queria que a banda continuasse?
Acho que foi meio contagioso. Culpa minha ter tomado aquele rumo e empurrado naquela direção, mas eu comecei outra banda e estava mais empolgado com ela. Todo mundo tinha diferentes projetos e oportunidades, e virou contagioso. Alguns de nós começaram a não curtir tanto, e o resto seguiu o caminho. Apenas dissipou.

A banda que você começou era Imperial Teen. Era inicialmente uma reação ao Faith No More?
É, acho que era. Quando nós começamos o Faith No More, [o baixista] Billy Gould era o meu melhor amigo. Nós crescemos juntos e éramos muito próximos. Mas o caminho que tomamos meio que nos tornou distantes. De repente, estava tocando com pessoas as quais eu não era mais tão amigável. Então o Imperial Teen foi sobre encontrar consolo e criatividade com pessoas que era mais meus amigos. Então sim, nesse sentido era uma reação ao Faith No More, porque nós já éramos velhos mal humorados naquele ponto.

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Você não gostou dos últimos dois discos do Faith No More?
Era difícil me concentrar em qualquer coisa naquele ponto da minha vida por causa de todas as coisas que comentei mais cedo. Entrei na deles eventualmente, mas era meio forçado para mim na época. Foi um tempo difícil na minha vida.

Então o Faith No More acaba em 1998 e vocês tocam de novo pela primeira vez 11 anos depois. Como foi o primeiro show de reunião?
Foi muito, muito louco. Não sei se você tem esse tipo de sonho, mas tenho esses sonhos que estou de volta na escola e tem uma prova para fazer e eu não estudei. Costumava ter muito esse sonho. Então alguma hora depois que o Faith No More acabou, ele se transformou nesse sonho: apareço para um show com o Faith No More e não sei tocar as músicas. Era um pesadelo que continuava voltando e voltando. Então quando nós tocamos aquele primeiro show de reunião, foi esse acerto de contas maluco com o pesadelo, encará-lo, e seguir em frente de um jeito esquisito, resolvido. Foi muito, muito emocional. A banda era uma parte tão importante da minha juventude sabe? Voltar com ela e fazer ela se tornar uma coisa boa depois de tantos anos foi muito, muito empoderador. É uma oportunidade que ninguém tem. Não sei quem tem a oportunidade de reconstruir essas pontes que foram queimadas em suas vidas.

Era sabido que o Jim Martin não estaria envolvido, ou vocês inicialmente tentaram contatá-lo?
Ah, nós tentamos chamá-lo. Por mim, claro que não faríamos isso sem o Jim. Sem chance. Todos nós tivemos esse sentimento muito forte inicialmente – bem, alguns de nós mais fortemente do que os outros. Jim era uma pessoa muito controversa dentro da banda, mas eu o amava. Ele é um cara ótimo, um verdadeiro excêntrico. Ele é o total oposto do que eu sou – você não poderia achar duas pessoas mais diferentes dentro de uma banda do que eu e ele – mas eu gosto dele, eu sempre gostei. Queria que ele voltasse, e falei com ele sobre isso. Achei que ia funcionar, mas simplesmente não deu certo.

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Ele simplesmente não teve interesse?
Acho que ele tinha interesse. Mas acho que ele também tem muito ressentimento guardado sobre o jeito que nós terminamos. Seria difícil voltar para o grupo, e ele está decidido de tal forma que… inconscientemente, ele ia quebrar as próprias pernas. Ele estava tão ferido pelo ressentimento que cavou um buraco e não saiu dele. O que é uma pena. É o que eu acho. Tenho certeza que ele contaria outra história para você, mas ele é uma pessoa muito fechada, masculina, que não fala sobre esse tipo de coisa.

Ele é um fazendeiro de abóboras agora.
É, nós falamos sobre isso. Acho que ele tem duas filhas e está casado. Acho que ele ainda faz música, e cria abóboras. Ele parece feliz.

Como vocês acabaram decidindo fazer um novo disco do Faith No More? Uma coisa é juntar a banda de novo e tocar alguns shows, mas fazer um disco novo é um grande passo. Existia alguma preocupação que o velho espírito fosse elusivo?
Quer saber, essa foi a última coisa que pensamos. Não acho que houve preocupação por parte de ninguém sobre não conseguirmos fazer isso do ponto de vista criativo. Era uma situação em que fizemos vários shows, então concordamos em aumentar a turnê. Enquanto estávamos nisso, só tocar as velharias parecia como carregar um cavalo morto. Pareceu meio falso. Então decidimos pelo menos compor uma ou duas canções para a última parte da turnê, o que fizemos. Foi bem confortável e gratificante. Era uma língua que nós falamos juntos, e era óbvio que aquilo ainda existia. Então decidimos que não faríamos mais nenhum show a não ser que fizéssemos mais música. Então nós fizemos.

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Para mim, o novo disco é típico Faith No More – como se vocês nunca tivessem parado. Vocês sentem da mesma forma, e isso seria importante?
É meio importante, mas honestamente não sinto que existisse outra forma que pudéssemos fazer isso. Nós vamos soar do jeito que soamos. Não vamos soar como outra coisa porque nós não somos realmente capazes disso. Mas obrigado – é muito bom ouvir isso. Pela primeira vez estou conversando com pessoas que realmente ouviram o disco, e é maneiro ouvir o que acham. É interessante ouvir você dizer isso.

Devo admitir que estava cético no começo. Quando bandas se reúnem depois de um período estendido de tempo para escrever novas músicas, nem sempre é tão bom.
É, não culpo você. Também me sinto desse jeito. Se uma banda que você ama quando é jovem se reúne, é meio “estou assustado, nem quero ouvir isso.” Muitas bandas tenta soar atuais e não funciona. Estava realmente torcendo pelos Pixies, sabe, mas é algo muito difícil de se conseguir. Para a gente, parte do sucesso veio de não contar para ninguém que estávamos fazendo isso. Fizemos tudo de portas fechadas e não teve nenhuma expectativa de fora. Então nós fizemos a única coisa que éramos capazes de fazer, que é soar como nós mesmos. Mas tivemos a intenção de trazer tudo de volta às nossas raízes. Estou bem confiante que conseguimos.

O primeiro single chama “Motherfucker.” Parece alguma forma de declaração, e a canção em si não é muito representativa do disco como um todo. Isso foi intencional?
Não foi intencional, mas sentimos que foi uma afirmação bem boa para darmos ao público, para todos saberem que não estamos jogando nenhum jogo. Nós não estamos preocupados se vai tocar no rádio. É meio ofensivo e brincalhão e atrevido e talvez um pouco antagônico. Só a palavra em si já foi divertido, trazê-la ao mundo. Mas sim, é totalmente diferente do resto do disco. Sou eu cantando nela, o que é um pouco diferente, e é realmente simples e cru. Algo chamado “motherfucker” apenas pareceu um lugar certo para começarmos um novo capítulo do Faith No More.

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O Faith No More geralmente é acusado de gerar bandas como Korn, Limp Bizkit e Linkin Park. Você sente algum senso de responsibilidade?
Nenhuma responsabilidade, mesmo. Isso está fora do meu alcance. Eu nem sei como essas bandas soam. Mas eu certamente não sinto afinidade em relação a elas. É uma raça estranha de música. Eu estou na posição afortunada de ter trazido o som feminino para a banda, então eu me sinto salvo. Eu nunca serei rotulado como o agressivo, sabe? [Risos] Mas eu acho que tem elementos da banda que as pessoas pegam e focam neles. Eu mesmo nunca ouço. Mas realmente acho que pessoas que fazem música ruim costumam ter um gosto muito bom.

Lance Loud o entrevistou para a revista The Advocate em 1993, que foi meio que a sua saída do armário oficial. Hoje em dia, como você vê esse processo? Em 2015 não é tão chocante um artista se revelar gay, mas em 1993 – especialmente no reino do heavy metal – parecia uma coisa muito importante.
Muita gente naquela época não era aberta sobre sua sexualidade – especialmente neste universo. Naquele tempo, eu acho que estávamos em turnê com os Guns N’ Roses e Metallica, então foi um empreendimento realmente curioso. Mas, ao mesmo tempo, parecia bem profundo. Senti que era bem extremo me assumir naquele tipo de ambiente. Parecia fazer uma constatação. E ganhei uma enorme quantidade de palavras de encorajamento e gratificação de jovens gays que eram roqueiros. Significou muito para muitas pessoas, então fez eu me sentir muito bem. Mas é um mundo completamente diferente hoje. Não acho que seja um problema para os jovens.

Você bateu o Rob Halford do Judas Priest em cinco anos. Ele não se assumiu até 98.
Engraçado, porque nós acabamos de tocar em um festival na Austrália em que o Judas Priest tocou e fiz questão de conhecer Rob Halford. Ele é ótimo – ele é tão maneiro. Aquele tipo de música nunca fez meu tipo, mas vi o show deles e achei bem legal. Mike [Bordin], nosso baterista, gosta muito deles, e ele estava dizendo, “ah, não, o Rob sempre esteve fora do armário”. E eu fiquei tipo “de jeito nenhum – não antes de mim”. Nós estávamos dando um Google pra ver mas aí nos distraímos.

Você estava preocupado com a repercussão potencial na época?
Não. Um dos nossos empresários tentou pisar no freio. Ele disse “você precisa pensar duas vezes nisso. Pode causar algum problema para a venda de discos de vocês”. Eu estava tipo “sério?” Mas ele era do cu do mundo, Flórida, alguma coisa assim. Não era ninguém a quem eu daria atenção de qualquer forma. Mesmo naquela época, quando as pessoas talvez se preocupassem com essa merda, não acho que vendemos menos discos. Não acho que alguém disse “Roddy Bottum é gay, então acabou o Faith No More para mim”. Eu duvido que isso tenha acontecido com Rob Halford e o Judas Priest, também.

Você recentemente escreveu uma ópera chamada Sasquatch: The Opera. Nós vamos precisar de um resumo completo disso.
[Risos] Não é uma ópera tradicional – é mais um conjunto de operetas estranhas. Cresci em Los Angeles, mas me mudei para Nova York especificamente para sacar ópera, e eu tinha essa ideia absurda de uma história de amor com o Pé Grande. Escrevi a história, compus a música, e vamos estreá-la mês que vem. Vão ser apenas três cenas da ópera, mas vamos elaborar em cima elas e construir uma produção maior.

Por que o Pé Grande?
Você sabe, meus personagens preferidos são do tipo gigante gentil como o Frankenstein ou o Homem Elefante – um monstro incompreendido que quando revelado é bem sensível e tem um intelecto elevado. Isso sempre me pega. Achei que o Sasquatch pudesse satisfazer isso muito bem. Fico comovido com o brutamontes que tem um coração de ouro.

J. Bennett está triste que ele vai perder os três shows do Faith No More em Los Angeles.