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Música

A Gina Lobrista Está Apaixonada Por Você

A paraense entoa um delicioso acoxadinho – aquele som brega e gostoso, parecido com o arrocha, que desperta a vontade de sarrar as coxas noutras coxas.

Foto: Julia Rodrigues

O relógio marca quatro horas da manhã. Mal o dia clareou e Gina Lobrista está em casa, preparando suas coisas para mais um dia de trabalho. Munida de uma caixa de som, um microfone e seus discos (que custam R$ 5), ela tem como destino o famoso mercado Ver-o-Peso, no centro de Belém do Pará. Quando o botão de play é pressionado, quem espera melody ou tecnobrega automaticamente fica frustrado. A morena cujos cabelos pretos quase alcançam a bunda entoa um delicioso acoxadinho – aquele som brega e gostoso, parecido com o arrocha, que desperta a vontade de sarrar as coxas noutras coxas, fungar no pescoço suado do sujeito que te pega pra dançar pela cintura e amar demais explorando o chão do “salão”.

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Durante a infância, domingo era o dia especial de ouvir música em casa. O pai botava Roberto Carlos na radiola. “Meu bem, qualquer instante que eu fico sem te ver…”, Gina cantarola pra mim durante a entrevista por telefone. Nascida em Recife, ela está no Pará desde os quatro anos de idade. “Me considero paraense. Pai é quem cria”, explica.

Num dia qualquer, cantando no Ver-o-Peso, um grupo de estudantes universitários a reconheceu. “É ela, é ela.” Contaram que estavam começando a montar uma produtora, a Platô Produções, e propuseram gravar um clipe sem cobrar nada. Gina sonhou com algo glamuroso. Eles preferiram a realidade. Tanto que o roteiro final traz a cantora explorando o mercadão, andando pelos clientes, vendendo ervas, refeições, cortando mandioca e, claro, cantando na rua.

O clipe de “Eu Estou Apaixonada Por Você” fez sucesso. Hoje, contabiliza mais de trinta mil visualizações. E Gina faz planos. “Estou à procura de um empresário que queira apostar em mim”, desabafa. Os universitários ajudam com o que podem: assessoria de imprensa, roupa, sapato. “É tudo emprestado”, revela a Pocahontas do acoxadinho.

Sua trajetória musical é sofrida, como toda boa história de artista. Teve uma banda de melody com a irmã, mas não deu certo. Numa passagem por São Paulo, presenciou uma cena que mudou sua vida. “Vi o Agnaldo Timóteo cantando em cima dum caixote de tomate no meio da rua. Sem microfone, sem nada. Pensei: quando eu chegar em Belém, vou fazer isso. Vou cantar de porta em porta. Contei pros meus pais e eles falaram ‘tu é doida’.” Uma pena, mas a empreitada não foi pra frente. Gina desistiu de tudo, abriu uma lanchonete misturada com bar. Depois de um tempo, passou a cantar no próprio estabelecimento.

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Quando sua mãe – e, claro, maior fã – ficou doente, outra reviravolta irrompeu. Uma mensagem apoteótica e apocalíptica caiu sobre sua cabeça, dizendo: “Gina, sua sina é a música”. Antes de morrer, a progenitora foi presenteada com “Eu Estou Apaixonada Por Você” ao pé de ouvido. E, finalmente, a filha se decidiu pela carreira musical.

Uma aventura como caloura no programa do Raul Gil provocou um gosto amargo que perdura até hoje. “Me chamaram de palhaça. Não entenderam minhas roupas. Falei demais. Mas nem tudo é perfeito, né.”

Hoje, sua rotina fica entre três apresentações semanais nos arredores do Ver-o-Peso e eventuais shows em boates gay. “É um público muito exigente. Na primeira vez, eu estava tremendo de medo. Vai que o pessoal dá na minha cara. ‘Desce daí, sua alma sebosa!’ Mas não. Cada vez que vou nessas boates, volto muito feliz. Eles me beijam, querem copiar minha roupa, dizem que estou linda, divina”, se diverte.

Ainda assim, seu negócio é cantar na rua. Gina gosta de “estar junto do povo”. Sua inspiração vem de ídolos do brega. “Essa luta que eu tenho hoje, o Reginaldo Rossi tinha no passado. Essa coisa de cantar na rua.” Em casa, ouve Jerry Adriani, Fernando Mendes, Tim Maia, Antônio Marcos. Mas Roberto Carlos está em primeiro lugar. “É um homem que canta com o coração, que desenha as notas com a voz”, suspira.

Sua conta bancária não está lá tão mal. Comprou um carrinho “trabalhando de sol a sol” e, num dia ruim, vende 150 CDs na rua. Mas ela bate o pé e insiste: precisa de um empresário.

A curto prazo, um outro desafio lhe toma tempo: driblar a emoção e cantar “Domingo à Tarde”, do Nelson Ned, até o final, para incluir no repertório. “Não consigo cantar. Eu choro”.

E a repórter chora junto. Só de pensar. Boa sorte, Gina.

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