Deixar ser é um desafio. Eu mesmo já alterei o curso deste texto inúmeras vezes, o que só me deixou mais desesperado para concluí-lo e entregá-lo. Trabalhos, prazos, horários, contas, compromissos, tantas tarefas pra cumprir que quase não sobra tempo para nós mesmos. Hm, será?O Wallace Costa taí pra provar que não é bem assim. Lembra quando eu falei que o Matheus Mota era um almejão? Bom, talvez os dois nem se conheçam, mas o Wallace Costa também é um desses almejões que não deixam passar o que realmente importa. Em cinco anos de carreira ele já lançou vinte trabalhos, todos gravados em casa, e onze deles via Acácio Records, seu selo próprio. Segundo ele, tudo isso é fruto do tédio: “é falta do que fazer. O que eu curto é o desafio, o prazer de criar as músicas. Sem contar que é um escape pra mim”.A rotina pode entediar, mas suas músicas não. Mesmo tranquilas e introspectivas, são canções reflexivas que transportam para um lugar sem dimensões, como um mantra. “É um alívio. Principalmente desse ano merda de 2014. Tá sendo meu ano mais produtivo”.
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Mas não é como se faltassem produções nos anos anteriores, viu? Antes de criar o próprio selo, Wallace fez parte do catálogo de peso de gravadoras indies como Midsummer Madness e Transfusão Noise, que também valorizam muito o Do It Yourself – em 2014, a Transfusão Noise fez dez anos de puro lo-fi caseiro. Para ele, a autonomia do músico conta mais que o peso da gravadora: “acho muito importante hoje em dia o artista não depender de ninguém nessas partes. Claro que ninguém faz nada sozinho, mas o seu trampo tem que ter personalidade por si só e ponto final”.Talvez seja essa sede por autonomia que o conduz pelos caminhos trilhados por seus ídolos – como Nick Drake, Leonard Cohen e Elliott Smith, referências para Wallace em suas composições. Hoje, ele não precisa de nada, além de força de vontade, para dar continuidade ao que o torna um artista completo: “eu toco todos os instrumentos, gravo e produzo meus discos e videoclipes”.Depois de tantos projetos com nomes distintos (Transparente Intenso, Um Camenzind, Frozen Institute e Nonwords), finalmente chegamos a Wallace Costa, que é quem assina o mais novo lançamento de 2014, 3:33. Talvez um dos mais autorais de sua trajetória, o disco é um retrato destes tempos atribulados: “quase morte, falta de perspectiva, paranóia, tretas… mas estamos aí, não dá pra chutar o balde”. O nome do disco remete às madrugadas que Wallace usa para compor e gravar, mas podem existir outras várias explicações que só fariam sentido a si mesmo: “gosto de tratar de temas pessoais. Muita gente não entende as letras ou o sentido, mas é normal, eu dificulto a porra toda”.