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Música

O PROCESSO DO PROCESSO

Durante os quarenta minutos de cerimônia do Silent Movie Theater recriando uma missa da Igreja do Processo do Julgamento Final, pessoas vestidas de preto (claro!) e carregando candelabros (sem dúvida!) exaltam as virtudes tanto de Cristo quanto do Satã ("Que a água me dê vida, Jesus Cristo; Purifique-me com o fogo, Satã"), quando não estão cantando músicas tipo as do Jefferson Airplane tocadas por uma banda de quatro hippies.

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Um homem mais velho que fica ao lado do palco não faz parte da performance, mas dá tapinhas nas costas de tantas pessoas que passam por perto que, obviamente, tem algo a ver com os procedimentos. Ele tem a juba branca do Christopher Lloyd como Doutor Brown e o sorriso maligno do Christopher Lloyd como Juiz Doom, o que quer dizer que ele parece bastante com o Christopher Lloyd. Esse homem, como descobri depois, é Timothy Wyllie. Enquanto está lá assistindo a performance, é sem dúvida bombardeado por anos de memórias e constantes déjà vus – lá nos anos 60 e 70 ele era um membro do alto escalão do culto.

A Igreja do Processo do Julgamento Final foi um grupo religioso que durou de mais ou menos de 1966 até 1974 e, diz-se, teve ligação com todos os grandes nomes da contracultura dessa época, incluindo a Cientologia, Mick Jagger, Marianne Faithful e todo o clã Manson. Infelizmente, a maior parte desses elos foram invenções: as conexões Mick Jagger/Marianne Faithful foram meros exemplos de táticas promocionais do foder-a-vida-de-uma-estrela pra tentar vender revistas; a conexão Manson foi um exemplo de exagero de licença poética do autor Ed Sanders no seu livro The Family.

Essa missa de recreação foi organizada pela editora Feral House como uma maneira de promover o novo livro do Wyllie, Love, Sex, Fear, Death: The Inside Story of the Process Church of the Final Judgment. O livro oferece uma variedade de perspectivas (incluindo a do próprio Wyllie, claro) sobre a história do culto e sobre como a vida era vivida sob essa condição. Mesmo não tendo histórias de sacrifício de animais ou orgias carregadas de virgens (isso é clichê), o livro vale a pena por mostrar como um culto se forma, o que acontece num ambiente tão inclusivo e protegido e, por último, como essas coisas tendem a se desfazer (spoiler: nem tudo é Tang ou sneakers da Nike). Incluídos no livro estão reproduções de revistas lindamente desenhadas e outras apostilas que a Igreja costumava vender nas ruas. Estas veiculavam as visões complexas da Processo, por exemplo: Cristo e Satã estavam na mesma, o que significa que você deve venerá-los igualmente; as drogas são entidades malignas que não devem ser permitidas no seu corpo; o Armageddon está, obviamente, a caminho. Tirando a sinceridade dessas mensagens, essas visões extremas com certeza não afetaram a venda de revistas.

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Vice: Como você começou esse projeto?
Timothy Wyllie: Eu não tinha pensado em escrever o livro, mas quando Genesis P-Orridge, que foi arquivando as publicações do Processo ao longo dos anos, me apresentou para Adam Parfrey, da Feral House, a ideia original era simplesmente publicar uma edição fac-símile da arte gráfica que criei para as revistas Process. Quando eu e Adam nos conhecemos, percebi que eu poderia contar as histórias internas da Igreja do Processo. Estava lá no começo e saí em 1977, época na qual o grupo chegou ao final de sua estrada. Contudo, ninguém seria capaz de contar a história do grupo, já que tanto aconteceu em tantos lugares diferentes, durante vários anos. Todos no grupo teriam que ser extensivamente entrevistados. Não, meu maior interesse foi numa mulher estranha, a Mary Ann (McLean), que ninguém de fora sabia que era uma das que comandavam a operação toda.

Embora sinta que tenha me livrado das cicatrizes que carreguei dos meus 15 anos de adoração errada – afinal, provei pra mim mesmo que a Mary Ann era a Deusa encarnada – ainda estava curioso sobre a natureza da sua personalidade e como ela era capaz de causar esse efeito extraordinário sobre vários de nós. E já que era, vira e mexe, o favorito dela, isso me deu acesso único para muito do que aconteceu nos bastidores desse culto misterioso. Foi o desejo de saber e entender a mulher no centro dele que me levou a querer escrever o livro.

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Dá pra deixar mais claro no que o Processo acreditava?
É uma pergunta muito complicada para ser respondida aqui. Eu posso te dar a minha interpretação, o que me moveu e atraiu, já que foram ambas uma realidade experimental (eu senti) e que se encaixou em muitas coisas que estava estudando, no caso a reconciliação dos opostos. É um conceito alquímico, e eu sabia o suficiente sobre mim mesmo aos meus vinte anos para entender que tinha que trabalhar no que não sabia sobre mim mesmo. Tinha que lidar com minha escuridão, que estava tendo uma influência negativa na minha vida. Claro que não tinha consciência disso na época, mas estava seguindo minha intuição, e ela – além de um monte de sincronicidades – foi o que me levou até a Processo e rede da Mary Ann.

Sim, essa ideia de intuição foi muito significante nesse grupo. Muitos da Processo estavam envolvidos em vários experimentos telepáticos.
O que geralmente não é compreendido é o aspecto empático da telepatia. Telepatia, como vivenciei e observei, não é o captar pensamentos rotineiros da mente das pessoas. É mais a habilidade de criar uma empatia com outro de maneira a quase virar o outro. Metaforicamente, como entrar no seu veículo físico e simplesmente lê-lo de dentro através dos sentimentos. Além disso, em termos práticos, é muito mais valioso saber o que uma pessoa está sentindo de verdade, debaixo de todos os disfarces emocionais, do que conhecer seus avós ou saber seu nome e endereço.

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Eu tive muitos momentos telepáticos ao longo dos anos desde que deixei o grupo, sobre os quais eu já escrevi em outros livros. Por intuição sei que, como espécie, estamos seguindo para um futuro telepático enquanto nos preparamos para o impacto de uma realidade extraterrestre.

O que você quer dizer com "realidade extraterrestre"?
Eu entendo que esse planeta tem ficado isolado por muito mais tempo que a história humana, mas não por culpa nossa. A causa desse isolamento foi solucionada, e esse planeta está prestes a ser aceito de volta na comunidade galáctica. Esse será, sem dúvida, o acontecimento mais profundo da história do mundo. Os últimos 50 anos de atividade extraterrestre sugerem que essa transição poderá ser um pouco problemática. Há muitos interesses dos que não querem perder o poder.

Sabemos, de nosso próprio impacto deletério sobre as tribos primitivas, o quão complicado é quando uma cultura em nível superior de desenvolvimento encontra uma em um nível significantemente menor. Dentro de um contexto mais amplo do Multiverso, esse deve ser um processo bem entendido. Não vai ter nenhum desembarque no quintal da Casa Branca – O Dia em Que a Terra Parou nos mostrou o que poderia acontecer com essa aproximação. Olhando para os 50 anos de atividade alienígena, fica claro que existe um número enorme de raças de ET aqui, e o objetivo deles parece ser um processo gradual de sensibilização de indivíduos pelo mundo. Qualquer um que já tenha tido uma experiência de quase morte ou tenha sido abduzido vai te dizer que os ETs que eles encontraram eram telepáticos. A telepatia requer um nível de auto-honestidade (porque é preciso uma transparência emocional) para a qual muitos não estão preparados. É por isso que sugiro que as pessoas comecem a dar credibilidade, e que até fiquem atentos, a incidentes telepáticos em suas vidas.

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Falando nesse tipo de ficção científica, teve algum cruzamento entre a Processo e a Cientologia. Qual a relação?
Robert (DeGrimston, um dos líderes do culto) e Mary Ann eram bastante frustrados com a Cientologia, especialmente com o próprio (L.Ron) Hubbard. Ainda que eles tenham usado dois ou três processos de grupo tirados da Cientologia e claro, o E-meter, eles insistiam em serem vistos como diferentes da Cientologia. O que, claro, eles eram. Então, se e quando a Cientologia aparecia na conversa – o que era raro – eles sempre disfarçavam com algum cinismo. Embora a Mary Ann sempre tenha reconhecido o Hubbard por ter inventado algumas técnicas iniciais que ela achava valiosas.

Que técnicas?
Fora o E-meter, que usamos de um jeito bem diferente da Cientologia, acredito que a Mary Ann e o Robert cursaram três dos exercícios básicos nos Cursos de Comunicação. Não lembro como nós os chamávamos, mas um deles envolvia sentar de frente para alguém, joelhos encostados, e simplesmente ficando completamente consciente enquanto olhava diretamente para os olhos dos outros por cinco minutos ou mais, e chamando a atenção do outro quando ele se desviasse – dá pra ver nos olhos. Aí começava de novo. É mais difícil do que parece, e ajuda na vida, já que olhar nos olhos do outro enquanto conversa passa honestidade e integridade.

O segundo consiste em sentar de um jeito parecido, só que nesse você reveza em insultar o outro o máximo possível; depois você se desfaz em elogios. Os dois exercícios foram criados para trazer à tona e assentar respostas emocionais fora do controle. O terceiro que eu me lembro foi quando um indivíduo foi posto no meio do grupo e as pessoas se revezaram para insultá-lo – quanto pior, melhor. Devem ter mais algumas coisas, mas fizemo-nos nós mesmos muito cedo, como fizemos com o E-meter.

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Isso soa bem intenso. Qual foi o maior erro da Processo? Houve alguma decisão que a levou a "ruína"?
A ruína, se é que dá pra chamar assim. Sugiro no livro que isso começou com a nossa derrota na corte inglesa contra a edição inglesa do The Family, de Ed Sanders, no qual a falibilidade da nossa Deusa se fez evidente pela primeira vez. E quando eu li os registros da corte enquanto escrevia o livro, fiquei chocado com a atitude cavalheiresca tomada por Robert e Mary Ann ao defender as palavras do Robert ao ordenarem que três dos seus subalternos aparecessem no lugar deles. O juiz claramente se sentiu insultado por isso, e foi, com razão, cínico no seu relatório. Mas sempre acreditei que, num nível espiritual, a cereja do bolo foi quando começamos a cobrar por uma cura espiritual.

Num nível mais sutil, acredito que as sementes da sua queda foram plantadas no sistema desde o começo. A ambição pelo poder da Mary Ann, seu brilho manipulador e ganância foram eficazes por um tempo na condução da Processo, mas de um jeito sempre prestes a implodir e se auto-destruir.

Você disse no questionário que acompanha a recreação de massas e que é interessante que "culto" e "cultura" sejam palavras semelhantes, porque cultos e suas habilidades de estarem às margens da cultura são importantes para as sociedades seguirem em frente.
É só um reforço da afirmação do sociólogo Phillip Slater na medida em que os profetas são expulsos de uma cultura a fim de explorar regimes vivos e espirituais ou realidades psíquicas sobre as quais eles depois contam para a sociedade. Alguma informação é útil para a cultura em geral, e é mantida; outra [informação] é considerada irrelevante ou muito avançada, e é rejeitada. Vejo cultos mais ou menos da mesma maneira. Cultos podem explorar a engenharia social, a qual, se toda a cultura tentasse fazer, seria para jogar tudo na mistura, em detrimento da cultura geral. Alguns cultos, por exemplo, foram para as cidades explorar o "amor livre" com todas as suas consquências não intencioanis. Por esses exemplos podemos ver mais claramente quais os efeitos do amor sexual em um grupo social e aprender as lições derivadas disso.

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De que tipo de lições você está falando?
Vamos olhar para o culto do espiritualismo que varreu a Inglaterra Vitoriana e os Estados Unidos. Muito parecido a outros cultos de hoje, ainda que talvez menos organizado, mas os praticantes, sinceramente ou fraudulentamente, tinham paixão por suas crenças. O espiritualismo acabou virando algo como uma rua sem saída, não porque as pessoas não sobreviviam à morte, mas porque eles nunca diziam nada interessante ou confiável o suficiente sobre a qual pudesse se construir uma teoria convincente. Agora, pense no que teria virado um país se todo ele tivesse sido levado pelo espiritualismo – estaríamos de volta à selva da superstição. Então, nesse caso, poderia ter-se considerado que o culto do espiritualismo explorou essa avenida, achou seus benefícios (pessoas amam ouvir que seus parentes estão felizes no além) e suas limitações, e deu uma resposta à sociedade. Daí em diante, se as pessoas forem atraídas para a prática, elas já saberão no que estarão se metendo. Essa é mesmo a ideia.

Cultos e comunidades de amor livre vêm existindo ao longo da história, e ainda assim a liberdade e responsabilidade sexuais em quase todas as culturas continuam muito restritas, apesar de um movimento lento e gradual em direção a uma maior abertura e liberdade individual. Interpreto a sociedade como um todo, sabendo que o tipo de liberdade sexual praticada nessas comunidades iria destruir rapidamente as relações sexuais se for praticada de uma forma geral. Talvez os anos sessenta tenham mostrado isso também.

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Existe alguma coisa específica na cultura hoje que você pode apontar como sendo um resultado direto do Processo?
É difícil apontar especificamente, mas a partir de um levantamento rápido na internet, fica claro que ainda existe muito interesse nisso. Talvez seja mais relevante dizer que muitas das crenças que sustentamos se tornaram-se causas significantes ao longo dos anos subsequentes; direitos dos animais, anti-vivissecção, comida orgânica, suplementos vitamínicos, possibilidades extraterrestres, interesses em anjos e cura espiritual, parapsicologia e um envolvimento cada vez mais popular com a espiritualidade esotérica. Enquanto nenhuma dessas abordagens tenham sido originadas da Igreja do Processo, elas acabaram se tornando muito aceitas, talvez mais pela nossa curiosidade aventureira e o fato de que estivemos um pouco a frente do tempo, do que por qualquer efeito direto, ou alguma influência morfogênica mais sutil. Me disseram que a abordagem gráfica que utilizei ao estruturar a revista Process foi a influência mais duradoura na diagramação das revistas progressivas. Acho que as revistas estão sendo saudadas como sendo um progenitor chave do design das revistas modernas (psicodélicas). Frequentemente, por exemplo, encontro alguns traços na Wired de hoje que remetem ao trabalho criado pelo departamento de arte da Processo tão laboriosamente com Rubylith, camadas de acetato e Letraset.

Você comentou – e todo mundo sabe – que membros da Processo hoje controlam a Best Friends, uma importante grupo de proteção de animais em Utah. Você acredita que exista um motivo escondido para a Processo abrir isso?

Nenhum motivo oculto desleal que eu tenha visto ou tomado conhecimento. O que eu quis dizer no livro tinha a ver com o jeito que eles viraram vítimas da sua própria propaganda. Claro, sempre amamos nossos animais. Tendo sida rejeitada pelo juízo humano no começo, era natural que se voltasse para os animais. Então quando íamos pedir doação nas ruas, essencialmente mendigando, era pedindo dinheiro para ajudar os animais, o que era mais lucrativo.

Suspeito que esse seja um dos poucos fatores que ainda me deixam um pouco arrependido, ainda que meu eu mais velho tenha mais consciência. Quando começamos lá para os anos 60, todos nós sentíamos completamente comprometidos em mudar o mundo para melhor. O que eu acho que fomos descobrindo ao longo dos anos foi que era virtualmente impossível influenciar o mundo, o que depois nos levou a um certo cinismo em relação à humanidade e fez com que nos voltássemos pra dentro, enfatizando a própria comunidade. Quando o grupo se desfez, em 1978, e ficou um pouco à deriva antes de criar o Best Friends, em Utah, eles evidentemente tornaram-se completamente comprometidos com o cuidado de animais.

Então eu acho sim que exista um pouco do espírito de desapontamento pairando sobre os que estiveram lá desde o começo, o círculo interno remanescente.

Acho que a pergunta é: você os deixaria tomar conta do seu cachorro?
Sim, deixaria. Eles amam animais de verdade. Mas prefiro que eles não saibam que é meu!

RICK PAULAS
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR