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Música

A sex tape do YACHT nos faz pensar no limite da divulgação de si próprio

A banda vazou por conta própria um vídeo em que a dupla apareceria fazendo sexo, e transformou o episódio numa dessas sagazes sacadinhas de marketing.
Update: YACHT just dropped the "real" sex tape on Pornhub.com—revealing that it was a sham all along. The video, filmed in grainy nightvision, shows Claire Evans and Jona Bechtolt giggling and fooling around in bed, before a surprise (and characteristically sci-fi) ending. Check it out here.

Conheci Claire Evans — a cantora da dupla de música pop YACHT, que tem o riso fácil e é cool sem fazer esforço — na cidade de Nova York em 2014. Fui entrevistar ela e King Brittsobre como eles estavam promovendo a volta da Omni – uma subversiva revista de ciência propriedade do magnata Bob Guccione, dono da Penthouse, e que fechou as portas em 1998. Alguns meses depois, nos encontramos novamente só por diversão, e fumamos unzinho em um parque do Brooklyn enquanto conversávamos sobre tudo, desde o afro-futurismo até o feminismo na ficção científica, dando risinhos da nossa paranoia autoinduzida. Ambas conversas confirmaram o que eu já passara a suspeitar quando assisti aos shows da banda: que Claire é altamente inteligente, e tem o tipo de sagacidade vital que seria intimidante caso ela não fosse também engraçada pra caralho.

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Minha profunda admiração por Claire explica por que, quando minha editora apareceu para me dizer que havia vazado uma sex tape feita por Claire junto com seu companheiro de banda e parceiro de longa data, Jona Bechtolt, eu imediatamente fiquei em parte horrorizada e em parte preocupada. Tive medo de que a humilhação pública que inevitavelmente se segue a esses tipos de caso esmagasse seu espírito indômito — de que o sexismo a marcasse com uma ridícula letra escarlate por conta de um ato que nunca deveria ter vindo a público.

A banda publicou uma declaração no Facebook que só fez reforçar minha preocupação com o estado emocional de Claire, dizendo: "Estamos em uma situação constrangedora, em que a arte que fizemos para nós mesmos, e só para nós, está sendo vista por qualquer pessoa que decida apertar o play — um autêntico e humilhante rompimento da barreira entre o público e o privado."

"O fato de sermos figuras públicas não quer dizer que mereçamos algo assim", continua o texto. "Esperamos que vocês compreendam que isso aqui não é um escândalo delicioso de se consumir. Isso aqui é sensacionalismo."

Assim que a notícia saiu, minha ediotra e eu começamos a discutir sobre se a história era digna de notícia — sex tapes de celebridades são mesmo dignas de notícia, ou estaríamos só nos rebaixando ao nível de lascividade dos tabloides e caçando cliques? (Colocando as cartas na mesa: Claire também trabalha com os nossos colegas de VICE, no Motherboard, onde ela é editora de uma das seções do site e apresentadora de uma série sobre ciência e tecnologia).

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Foto por Albert Kodagolian

E então, do nada, uma reviravolta surpreendente: três horas depois de publicada a declaração da banda, eles escreveram um comentário no mesmo post do Facebook, anunciando que haviam decidido assumir o controle da situação e vender a sex tape no site deles. Era só ir ao Fuck.teamyacht.com e pagar US$5 para baixar o arquivo. Explicando o que motivara a decisão, a banda fez referência à história das celebridades como Pamela Anderson, Kim Kardashian e Paris Hilton, não ganharem nem um tostão com suas sex tapes — e chegou até a incluir uma referência ao modelo de negócios sob o controle do próprio artista, adotado por Beyonce, dizendo: "Não temos a astúcia das Kardashians, mas a seguinte ideia nos ocorreu essa manhã: poderíamos nós mesmos tentar distribuir o vídeo diretamente a vocês. Lemonade?"

As reações de seus fãs a essa medida foram de total apoio, com muitos deles elogiando a banda por sua integridade, e por virar o jogo contra seus predadores. Da mesma forma, minha reação mental foi um "aí sim, porra!" enquanto eu mentalmente aplaudia Claire por fazer uma coisa muito esperta e empoderadora para as vítimas dos vazamentos de sex tapes, por hackear o sistema que as explorava.

Mas o lance é o seguinte: Lemonade não é a mesma coisa que a sex tape de Paris Hilton. Ao fazer essa comparação, a banda levantou um paralelo interessante entre os dois — indicando um futuro em que o conteúdo de uma sex tape poderia ser tratado da mesma maneira que o conteúdo de um disco. Esse mundo distópico seria o resultado dos fracassos da indústria da música, dos artistas (mesmo os que desfrutam de uma fama razoável, como o YACHT, que costuma receber bastante destaque na imprensa) serem incapazes de ganhar uma grana com seu trabalho. "Essa está sendo uma hora difícil para nós enquanto banda", escreveu o grupo em sua declaração no Facebook. "Hoje em dia, a coisa anda difícil para as bandas em geral. Fazemos música em uma época em que as vendas de discos se encontram no nível mais baixo de todos os tempos. As turnês requerem gastos formidáveis, e não há garantia de que conseguiremos retorno. Nem mesmo as camisetas vendem tanto hoje quanto antigamente. A música já não é mais arte, é só conteúdo." Ao que parece, o Yacht não consegue ganhar muito dinheiro com sua música. Mas será que eles ganhariam dinheiro vendendo essa sex tape?

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Para verificar se o vídeo que eles estavam vendendo em seu site era verdadeiro, meu colega acessou a URL indicada e preencheu os campos com os dados de seu cartão de crédito, resmungando alguma coisa sobre como algum hacker provavelmente roubaria suas informações. Mas, assim que ele terminou, o site foi redirecionado para uma página de "Erro do Servidor" — e, depois de consultar o saldo bancário, descobrimos que a transação não chegara a ser processada. Que porra estava acontecendo?

Voltando a circular pela internet, percebemos que todos estavam tão confusos quanto a gente. Na verdade, fóruns como o 4chan estavam cheios de gente especulando que o vídeo era, na verdade, uma farsa muito bem planejada, criada pela própria banda, numa tentativa de vender mais discos, aparecer em toda a imprensa sem esforço, ou demonstrar um argumento sobre a cultura das celebridades, sobre o marketing viral, e sobre como é dureza ganhar dinheiro fazendo música… ou alguma coisa assim.

Puta merda, e se na verdade não existe sextape e tudo não passa de um golpe?]

>sex tape cai na net

>5 pilas pra assistir

o pessoal é burro desse tanto?]

Alguns comentários especulavam que talvez se tratasse de uma jogada publicitária para promover "I Wanna Fuck You Till I'm Dead", uma música do disco mais recente do grupo, I Thought the Future Would Be Cooler, que tem um título parecido com a URL do site que conteria a sex tape.

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Parecia também que nenhum dos fãs que acompanhavam o caso fora capaz de fazer o download e assistir ao vídeo, nem no site oficial do YACHT, nem usando sites de downloads ilegais como o Pirate Bay. (Um comentador fazia uma descrição explícita do que alegava ter visto, mas todas os comentários feitos em resposta a ele parecem ser da opinião de que era mentira.)

Estranhamente, as únicas pessoas que afirmavam ter visto o vídeo eram celebridades que pareciam ser amigas da banda, como Miranda July e Nick Thorburn, do Island, que tuitaram:

I have to admit I bought the @YACHT sex tape https://t.co/QPVYZ3QoOI and: Woah. More of an actual turn on than most. Probably bc: true love.
— Miranda July (@Miranda_July) May 9, 2016

[Preciso confessar que comprei a sex tape do@YACHT … e: Nossa. Na real, mais excitante que a maioria. Provavelmente pq:amor verdadeiro.]

Quando eu e meus colegas começamos a suspeitar de que tudo isso talvez fosse uma farsa bem planejada, evidências que corroboravam essa hipótese começaram a aparecer.

Para começo de conversa, o posto ocupado por Claire no Motherboard se justifica graças às suas credenciais como uma especialista em como a internet e a tecnologia funcionam. O YACHT também tem um longo histórico de trollar a mídia — como inventar que o nome da banda vem de uma atividade extracurricular, e criar no LinkedIn um perfil do disco mais recente, e adicionar os membros da indústria da música como "contatos".

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Ano passado, quando um repórter da Spin perguntou se eles haviam tentado "manipular o ciclo das notícias" com Future, Claire respondeu:

"Porra, com certeza. A gente faz isso há eras. Tem uma porrada de coisas sobre a gente na internet que é 100% ficcional. A gente percebeu que, se você escrevesse seu próprio press release e colocasse lá o que quisesse, 99% da imprensa especializada em música — sem querer ofender — reproduziria a informação, como na era dourada dos blogs de música. A gente semeou um monte de mentiras bizarras sobre a nossa banda que até hoje estão no verbete da Wikipédia sobre a gente e tal."

Revisando o post original no Facebook sobre o vídeo que tinha vazado, percebemos também algumas afirmações suspeitas, que pareciam mais a isca de uma armadilha do que observações sinceras. Por exemplo, por que alguém encorajaria seus fãs a não assistir uma sex tape dizendo: "Nossos gostos na cama talvez pareçam anormais para algumas pessoas, e quem sabe até desagradáveis. Mas, considerando as variáveis que entram em todas as experiências sexuais, será que qualquer coisa não pareceria também anormal, e quem sabe até desagradável?"

O cronograma da história também não faz muito sentido. No post original, a banda afirmava: "Hoje, sem que fôssemos informados ou déssemos nosso consentimento, um vídeo particular foi publicado". Contudo, no comentário postado depois, eles também agradeceram ao amigo Daniel Bogan por "montar esse site na noite de ontem". Um comentário no 4chan também observou que o próprio torrent da sex tape só fora postado na manhã de hoje.

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Então, como foi que Bogan criou o site na noite passada, se o vídeo só vazou hoje de manhã?

Até o momento, publicações como Pitchfork, the FADER, Vulture, Exclaim e outras cobriram este caso a sério, acreditando na palavra da banda. Mas se o YACHT está de fato trollando a geral, talvez esta seja uma das farsas de internet mais brilhantes da história da indústria musical — e um mordaz comentário sobre o estado de coisas do jornalismo especializado em música, que transforma sex tapes em #conteúdo sem nem pensar duas vezes.

Por enquanto, tudo o que tenho são os meus instintos: se conheço bem a Claire, esse caso, com certeza, é mais do que aparenta.

Atualização: Dito e feito. Depois que o post original desta matéria foi ao ar, o YACHT revelou a "verdadeira" sex tape no Pornhub.com — esclarecendo que tudo não passou de um golpe desde o início. O vídeo, filmado num embaçado modo de visão noturna, mostra Claire Evans e Jona Bechtolt dando risadinhas e se pegando na cama, até que vem uma surpresa e um final (característico de ficção científica). Dê uma olhada aqui.

Anna Codrea-Rado e Colin Joyce ajudaram na reportagem e no trabalho detetivesco.

Michelle Lhooq é a editora de reportagem do THUMP. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler

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