Derrubando prédios para construir um império dos vinis

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Derrubando prédios para construir um império dos vinis

Manezinho é o maior especialista em implosões no Brasil, e, quase sem querer, virou também um dos maiores colecionadores de vinil do País.

Jeito de engenheiro, veia de colecionador. Essa definição cai bem ao maior especialista em implosões do Brasil, que, além disso, também está entre os grandes colecionadores de discos do país. Dono de duas lojas na Mooca — Casarão do Vinil e Feirão do 1 milhão de vinis —, cujo acervo é de aproximadamente 1,2 milhão de LPs, Manezinho da Implosão, 62, é como ficou conhecido o engenheiro de minas Manoel Jorge Dias. Desde quando começou a botar edifícios abaixo, em 1982, perdeu a conta de quantas vezes apertou o botão do detonador. Entre as centenas de implosões, ficou em evidência pelo Palace II, no Rio de Janeiro, em 1998, e o complexo penitenciário do Carandiru, em 2002. Daquele tempo, no casarão de 500 m² que abriga uma de suas lojas — em um canto entre caixas de discos e quadros de diversos músicos —, guarda a parafernália que implodiu o presídio.

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Desembarcou no universo dos LPs por acaso. Depois de passar pelo cagaço do Palace II e, três anos depois ter sido vítima de sequestro, repensou sobre um estilo de vida mais tranquilo. Primeiro tentou abrir uma pousada em Ibiúna (a 70 km de São Paulo), no começo dos anos 2000. Sua segunda tentativa foi entrar no ramo de lingeries. Em vão. Ficou com um estoque encalhado de cinco caminhões. Para tentar recuperar o investimento, passou a fazer escambos. Caixas com fotos sensuais de Ana Maria Braga e Luiza Brunet foram trocadas por livros e discos de vinil. A procura de colecionadores de vinil fez que Manezinho sacasse uma nova oportunidade comercial.

Fotos por Felipe Larozza/VICE

O engenheiro de minas passou longe de juntar os trocados para comprar os álbuns dos artistas que marcaram os jovens entre os anos 60 e 70. Embora tivesse uma relação distante com o LP, como objeto de consumo, diz guardar recordações saborosas dos festivais organizados pelas TVs Excelsior e Record. Destaca as interpretações de Jair Rodrigues para “Disparada” (de Geraldo Vandré), Chico Buarque com “A Banda” e “Domingo no Parque” de Gilberto Gil.

Sua primeira lembrança musical vem da infância, já que Artur, seu irmão mais velho, foi o primeiro a ser impactado pelo mundo dos bolachões. Na cozinha da família Dias, embaixo da pia, tocava o 78 rpm de Nerino Silva com a canção “Minha Sogra”. “Eu ligo a música a fatos”, afirma ao tentar explicar porque não é um aficionado da música. O universo de Manezinho era preenchido pelo futebol — com o Santos de Pelé —, que sempre ganhava de goleada no duelo com a música.

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Fotos por Felipe Larozza/VICE

Após estar envolvido com os vinis, admite que houve mudança na relação com o objeto disco. Ainda que a música seja o chamariz, Manoel diz ser fascinado pela riqueza de informações disponível a partir da experiência com os LPs — formato, capa, encarte e contexto histórico. Durante seus 16 anos no comércio de discos, garante que a capa do álbum “Implosão do Rock” — coletânea de intérpretes lançada em 1975 —, foi, por razões óbvias, a que mais lhe chamou a atenção. Mesmo não sendo um aficionado musical, acredita que suas lojas cumprem o papel de propagar cultura.

Diante da Era Digital e a mudança nos padrões de comportamento e consumo, vê com otimismo a busca pelos LPs neste cenário. “As novas tecnologias permitem o acesso às novidades ligadas à música. O interesse pelo vinil vem pelo resgate do ritual de ouvir música de uma forma não isolada, solitária, em uma mídia palpável”, analisa.

Fotos por Felipe Larozza/VICE

Este ponto de vista é refletido na procura pelo perfil do Casarão nas mídias sociais. Até o fechamento da reportagem, as contas do Twitter, Facebook e Instagram têm 1.341, 2.333 e 3.492 seguidores, respectivamente. Manezinho diz que é crescente o público mais jovem entre os corredores da loja. O volume médio de vendas está em cerca de 3 mil discos por mês. De acordo com o dono, rock, MPB e jazz são os gêneros mais procurados por aqueles que desejam reforçar a coleção.

O jornalista e crítico musical Silvio Essinger foi um entre milhões de pessoas que se apaixonaram pela música através dos LPs. Para ele, a internet diminuiu as distâncias entre colecionadores e obras fora de catálogo. “A internet fez com que você conseguisse ouvir os discos raros. E fez com que, caso você quisesse ter o LP, também pudesse achá-lo com mais facilidade, sem ter que passar a vida garimpando sebos”, ressalta. Garimpeiro discográfico nas horas vagas, sempre aproveita a ponte aérea Rio-São Paulo para dar um pulo no Casarão. Saiu mais feliz da loja na ocasião em que encontrou o álbum “A Lei do Bicho”, lançado em 1993 pela banda punk carioca Desordeiros.

Fotos por Felipe Larozza/VICE

Silvio e as centenas de colecionadores que passam pela Mooca vão ficar ainda mais animados com a nova fase do Casarão. Manezinho arrematou nos últimos meses um lote com 238.000 discos importados, vindos de uma antiga loja do estado de Ohio, nos EUA.

Entre as implosões e os discos, Mané fica dividido. Hesita, pensa, mas, no final, acaba cedendo e diz que escolheria o mundo dos bolachões. “Neste momento, pela minha idade, pelo que tá acontecendo no cenário da engenharia no país e porque não vou mais viver as histórias que já vivi, fico com os discos”, explica.

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