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Música

Lemmy

Eu pensei em tentar escrever a abertura dessa entrevista do jeito que um jornalista imparcial escreveria. Mas que se foda. O Lemmy é o meu herói, e tentar esconder isso seria um saco.

Eu pensei em tentar escrever a abertura dessa entrevista do jeito que um jornalista imparcial escreveria. Mas que se foda. O Lemmy é o meu herói, e tentar esconder isso seria um saco. Quando encontrei, fotografei e entrevistei o Lemmy recentemente no camarim de um show em Nova York, me senti uma criança outra vez, sentado na mesa da cozinha com meu avô e ele me contando suas histórias. No começo eu estava nervoso, mas logo nas primeiras palavras o Lemmy me desarmou. Aí ele deixou rolar e contou suas fábulas. Como um fã do Motörhead, não consigo imaginar nada melhor. Lemmy é de longe um dos caras mais pé no chão que tive a sorte de conhecer. Ele é educado pra caralho, e também não é nada mal para um cara culto como ele. Assim como sua música, ele é bem bruto. Mas ofender aqueles que são fracos é só um subproduto da sua completa honestidade. Lemmy nunca mudou para tentar ganhar aplausos ou suavizar as críticas. O próprio fato de ele existir fala muito sobre o que significa não arredar o pé. Não existem altos astronômicos ou baixos abismais na história do Motörhead. O que existe é simplesmente a trajetória de uma banda cavando com ousadia através de uma nevasca sem fim de shows, mulheres, tendências, puxa-sacos e os porcos da indústria. Vice: O que te fez dizer: “Eu quero ter uma banda”?
Lemmy: As mulheres. As mulheres?
Sem dúvida, as mulheres. Ver elas na TV se aglomerando em volta de cantores de rock. Cresci nos anos 50, sabe, e isso era meio que um clássico da época. Ganhei meu primeiro disco em 1958. Eu era bem jovem, e vi esse cantor inglês, Cliff Richard, que ainda está por aí, mas hoje em dia ele é bem diferente do que era. Ele estava na TV, cercado por garotas tentando arrancar suas roupas. Eu disse, “Isso aí é pra mim. Nem parece trabalho”. Mais tarde descobri que era, mas tem mais vantagens do que trabalhar na fábrica de máquinas de lavar. É, eu diria que sim.
Então foi o que me fez ir atrás disso. Minha mãe tinha uma guitarra havaiana. Mas não pegava muito bem, sabe o que quero dizer? Mesmo assim coloquei cordas nela e levei para a escola depois da semana de provas, quando você não tem nada pra fazer. Aquela época que você só fica lá sentado.
Isso. E eu fui cercado por garotas imediatamente. Funcionou como um encanto, e eu nem conseguia tocar aquela porra. Quanto tempo demorou até você pensar “é melhor eu aprender a tocar”?
Ah, umas duas horas. Eu acho bem fácil tocar acordes, é o que eu sempre fiz. Nunca quis ser um guitarrista solo. Demorou para eu saber que existia uma coisa chamada baixo. Entendi.
Então eu era um bom guitarrista base, mas eu era um merda solando. Muito medíocre, cara. Mas você tentou tocar guitarra solo?
Sim. Eu toquei guitarra solo durante dois anos em uma banda chamada Rockin’ Vicars. Eu enganava, entendeu? Eu colocava o fuzz no máximo e movia meus dedos pra cima e pra baixo bem rápido, e eles achavam que isso era um solo. Bandas boas geralmente implodem depois de uns três discos, mas você faz o Motörhead funcionar há muito tempo.
Vai fazer 35 anos agora. O que as outras bandas estão fazendo de errado?
Eles não acham que a música é importante o suficiente para afogarem as diferenças pessoais em favor dela. Eu sempre achei que nenhum problema pessoal fosse grande o suficiente a ponto de terminar a banda. Quer dizer, teve gente que saiu da banda, mas eu sempre continuei. Eu nunca pensei em fazer outra coisa. É isso que tenho que fazer. Tenho que ficar na porra do camarim dando entrevistas. É a minha vida. Isso.
Não é mais um emprego. Eu quero te perguntar sobre o Hawkwind, onde você tocava baixo antes de começar o Motörhead. Como você entrou no Hawkwind?
Vi eles tocarem uma vez antes de entrar na banda. Todo mundo estava tendo um ataque epilético coletivo—a plateia inteira, 600 pessoas. Pensei, “Caralho, tenho que entrar nessa banda”. Quais eram os prós e os contras de fazer parte do Hawkwind?
O que eu gostava é que era a primeira vez em que eu tocava baixo, e descobri que eu podia ser um bom baixista. Quer dizer, eu virei baixista e era muito bom naquilo, sabe? Isso foi incrível pra mim—meio que abriu os meus olhos—e também havia muita liberdade na banda pro baixo. Eu podia fazer um monte de firulas e outras espertezas atrás do Dave, que tocava guitarra solo. Sabe como é, eu ficava me exibindo, como sempre. Para as minas.
Qual é a graça se você não pode se exibir? Isso é rock ’n’ roll. Quais eram as coisas que te enchiam o saco de verdade?
No Hawkwind? A postura deles. Cara, eles nunca me disseram que eu era da banda. Porra. Você ficou lá cinco anos.
Cinco anos. Eles me despediram e eu disse: “Vocês não podem me despedir, seus babacas, vocês nunca disseram que eu fazia parte da banda!” Quem mandava na banda?
Dave Brock, o guitarrista solo. Era tudo dele. Eu sempre pensei, de assistir a entrevistas, que ele parecia um cara bem razoável.
Ele era, mas naquela época éramos muito bem-sucedidos na Inglaterra—número um das paradas e tudo mais. E isso mexe com as pessoas de jeitos diferentes. Eles nunca me perdoaram de verdade por ser o cantor da única música deles que fez sucesso. [risos]

“Silver Machine.”
Eles testaram todo mundo pra cantar essa música antes de mim, e ninguém conseguia. Eu consegui em dois ou três takes. Eles ficaram muito putos com isso. Aí o NME publicou minha foto sozinho na capa. “Hawkwind Chega ao Número Um”, com minha foto do lado. ­ Opa, isso deve ter fortalecido as amizades dentro da banda.­
É. Isso incomodou os caras de verdade. Mas, de qualquer jeito, era uma turma divertida. A gente ficava cataclismicamente chapado o tempo todo. A gente nem tinha um ônibus para as turnês, era uma van com dois colchões e cobertores. Era assim que a gente viajava, uma festa.­ Uau!
E era uma festa também voltar pra casa na porra da van. Na verdade, o cobertor do Dell ficou dois anos sem ser lavado. Aquela merda ficava de pé sozinha se você encostasse em uma parede. Uma banda em que você tocava antes do Hawkwind que ainda escuto bastante é Sam Gopal.
Ah, é. Você escuta aquilo? Tenho no meu iPod. Acho que alguém me mandou por e-mail, porque não dá pra achar.
Hoje em dia dá, pelo visto. Alguém relançou. Mas qual é o lance? Acho que são algumas das músicas mais doentias que já escutei.
Bom, eu escrevi tudo em uma noite. Porra. Você cantava também, né?
Cantava. Isso foi em 1968. Foi tudo feito na correria, obviamente. Mas o speed era muito bom naquela época. Eu fiquei acordado a noite inteira e escrevi a porra toda. Onze, eu acho. Quando foi a última vez que você escutou?
Anos atrás. É ótimo. Vocês tinham até garotas fazendo backing vocals.
Isso, Sue e Sunny. Era um grupo feminino de cantoras de apoio famoso em Londres na época. Elas estavam nos discos de todo mundo. Tipo o Dusty Springfield, elas gravaram em todos os discos dele. Elas eram bem conhecidas. Ah, aquela música lá, “Season of the Witch”, essa eu não escrevi. Mas as outras todas, em uma noite? Nada mal.
Nada mal. Como você escreve?
Começo pelo título e escrevo a partir dele. É como um exercício com palavras. Você entra no tema e aí explora todos os caminhos pos-síveis. Então pego um título como “Overkill” e descubro coisas pra fazer com ele. Quem te influenciou quando você começou?
Tudo o que escuto me influencia. Não tem como eu te contar as mi-nhas influências enquanto músico. Quer dizer, os primeiros cantores de rock como Little Richard, Elvis, Buddy Holly e Chuck Berry são importantes. Todos eles. E todas as bandas de Liverpool também. Cara, eu tive muita sorte. Ouvi uma porrada de coisa boa. Eu vi os Beatles no Cavern Club. Lembro de ter lido isso no seu livro.
E o Hendrix. Eu estava trabalhando de roadie pra ele só porque eu andava dormindo no chão do baixista Noel Redding na época, e eles precisavam de um cara extra. Assisti aquele filho da puta duas vezes por noite durante seis meses. Então se você tivesse que dizer qual foi o melhor show que você já viu…
Hendrix e os Beatles. Sem dúvida. Ambos… você nunca vai ver nada como eles novamente, porque eles estavam no auge e chegaram e chutaram o rabo de todo mundo. Até dos Stones. Os Stones eram de segunda perto dos Beatles. Só quando os Beatles acabaram que eles puderam começar a se intitular a maior banda de rock ’n’ roll do mundo, o que eles nunca foram. Eles sempre foram bem toscos no palco. Sem toda a produção que eles têm hoje eles ainda seriam bem toscos. Keith é um guitarrista bem tosco. É verdade.
Ele é um ótimo guitarrista base, mas não é um solista. Ele não é o tipo mais vigoroso que eu já vi.
Ele era mais vigoroso no começo, mas o Brian Jones foi o líder da banda durante anos. Ele contratou Jagger e o Keith também. Queria te perguntar sobre suas ideias a respeito de sucesso e fracasso. Você não mudou?
Pra que mudar se você está ganhando? [risos] É. Mas quando o Motörhead lançou seus primeiros discos parece que a mídia ficou meio, “Que porra é essa?”.
Não conseguimos ser lançados nos EUA por três anos depois do sucesso que fizemos na Inglaterra. Depois estávamos naquelas merdas da Legacy e Eclipse e depois fomos pra Sony, o que na verdade foi pior ainda. Aí demos sorte. Fomos pro… como chamava aquele selo? Bom, eles foram englobados pelo Sanctuary de qualquer forma. Era aquele selo alemão?
Não, agora estamos no SPV, o selo alemão. Mas eles acabaram de declarar falência. É uma tendência comum hoje em dia.
Eu sei. As gravadoras estão indo pro buraco, e eles nem entendem como isso aconteceu. Eles são burros pra caralho. Você pode dar uma nota pra indústria fonográfica, de zero a 10, em termos de como as pessoas cuidaram do Motörhead?
Ah, é um zero. É a mesma coisa com qualquer banda que seja um pouco diferente. A indústria sempre toma um susto do caralho com as bandas novas que fazem sucesso. Como quando as bandas de Liverpool surgiram—o Mersey Sound foi uma loucura, e tinha uma cena pequena em Manchester, e tinha Londres com os Stones, e veio pra San Francisco, e aconteceu de novo com Seattle e o Nirvana. Depois que eles conseguem um sucesso com uma banda, eles correm para aquela cidade e assinam todo mundo que tiver com uma guitar-ra. Metade deles nunca deveria ter assinado. Eles eram só moleques com guitarras que não sabiam que merda estavam fazendo.
Só aconteceu deles serem de Seattle ou Liverpool. Um monte dessas pessoas da indústria—até o Brian Epstein, o empresário dos Beatles—não sabia que porra eles estavam fazendo. Ele mesmo as-sinou quatro bandas e nenhuma delas fez sucesso, acabaram deixadas de lado. Mas se todos os selos tivessem entendido o que fazer, o Motörhead seria o Motörhead?
Provavelmente não. Porque vocês são “zebras” e lendas ao mesmo tempo.
É. Nós meio que fizemos uma carreira em cima disso. Na verdade, não tivemos muita escolha porque nunca apostariam em nós. A gente é meio brutal demais pra ser mundialmente popular. Nunca achei que chegaríamos onde chegamos. Ficar perto do topo do segundo escalão tá ótimo pra mim. Deve ser dureza ser os Beatles ou os Stones, cara. Nem consigo imaginar. Deve ser uma tortura fodida. George Harrison me disse que foi a pior e a melhor época da vida dele. Com certeza tinha uma dualidade ali.
Sim, certeza. Tudo o que eles faziam era embaixo de um microscópio. Tinha um jornal britânico que tinha uma página dos Beatles que mostrava o que eles tinham feito no dia anterior. Um jornal de alta circulação—o Daily Mirror, que era o jornal mais vendido da Inglaterra na época. Você acha que alguém conseguiria aguentar isso por muito tempo?
Aguentar ser tão grande? Não. Ou você desiste, ou muda. E os Beatles fizeram isso com certeza. Sempre gostei do fato de eles serem vistos como bonzinhos e os Stones como os caras durões e satânicos. Os Beatles eram de Liverpool. É uma cidade barra-pesada. Os Stones não eram os caras durões. Eles só se vestiam assim. Os Beatles eram os caras durões. Cara, da porra de Liverpool. Os Stones eram dos bairros de Londres. Ringo era daquele merda de Dingle, que é o pior lugar, junto com Glasgow, que eu já vi na vida. O que fizeram com esses dois lugares—não tinha como reformar, então eles simplesmente demoliram tudo. Não tinha jeito de civilizar aquilo, ta me entendo? Eram terras sem lei. A polícia não se atrevia a entrar ali.

Sua música “Stone Deaf in the USA” é um tributo às festas na América.
É. E você se mudou para LA.
Mas não foi na época que escrevi aquela música. Então a música não é sobre isso? Foi só por causa das turnês?
É. A gente fez a turnê do Ozzy Osbourne—a primeira turnê Blizzard of Ozz. O público era assim [faz cara de nojo]. Tipo, “Que porra é essa”?
Durante os nossos shows inteiros. A maioria das pessoas não entendia nada, mas uns poucos sim, e esses eram os nossos fãs. A maioria das pessoas só estava lá por causa do evento, e eles ficaram apavorados. Mas eles ficavam apavorados com o Ozzy também. O que eles fizeram com o Kiss, que entrou na turnê depois da gente, eu não sei. Caramba, o Kiss entrou no lugar de vocês abrindo pro Ozzy? Taí uma turnê esquizofrênica.
É. Kiss e Ozzy. E vocês são a banda que menos gastam, e eles precisavam de uma porra de um maquiador.
Eu sei. Lembra quando eles tiraram a maquiagem? Lembro. Aquilo foi constrangedor pra todo mundo.
Muito constrangedor. Porque você descobria, “Jesus, eles são feios”. Eles não são homens bonitos.
Com exceção do Paul Stanley. Ele ainda era bonitinho. Mas e os outros três? É como acordar ao lado de uma mina depois que você teve amnésia alcoólica e se dar conta, “Ah, que merda”.
[risos] Puta inferno, se escondendo no banheiro até ela ir embora. Eu gosto de fingir que estou dormindo.
É como a síndrome da armadilha de caça. Você prefere roer seu braço fora do que acordá-la. Todos nós passamos por isso.
Lembro que um cara da nossa equipe, Paulie, tinha essas duas minas que a gente levava pra todos os nossos shows na Alemanha. Chamávamos elas de “Monsters of Rock”. Uma delas só tinha um dente. Uma coisa horrível, mas elas eram superfãs. Aí esse Paulie pegou uma delas, e elas estavam dividindo o quarto com nosso mesário, Dave Chamberlain. Ele acordou e percebeu que estava com alguém, mas não fazia ideia de quem fosse. Aí ele olha pro Dave, e o Dave tá na cama desse jeito [Lemmy faz mais caras de nojo]. E ele [outra cara de nojo]. E o Dave só [sacode a cabeça]. Aí o Paulie foi pro banheiro e esperou até que ela fosse embora. Essa é uma história com a qual a maioria das pessoas consegue se identificar.
A maioria dos fãs já passou por essa. Caralho. Eu passei por isso no Lower East Side. Parece uma ótima ideia no começo.
É. Especialmente tarde da noite, bêbado. É, nessa hora que as malditas meninas douradas começam a pipocar.
É quando todo mundo fica bonito, ou pelo menos aceitável. Mas, às vezes, é como se só sobrasse a última bolacha do pacote e você não conseguisse se controlar. É como ter uma viagem astral. Você se vê xavecando aquele dragão, sabe o que está fazendo mas mesmo assim vai lá e faz. É como ter o diabo e o anjo nos ombros.
E o anjo sempre perde. O anjo não sabe beber.
E o diabo sempre tem o formato de um pau. Apontando pra ela.
“Vai lá, vai lá.” Que nem uma porra de um cachorro. OK, a próxima é uma pergunta clichê.
Vou te dar uma resposta clichê. Tudo bem. Beleza. Me dá uma boa pra essa aqui. Onde você encontrou as melhores mulheres durante suas turnês pelo mundo?
As melhores mulheres são as que querem trepar com você, e as piores são as que não querem. Então na verdade isso transcende todas as fronteiras geográficas.
Sim, porque só existem dois tipos de mulheres no mundo – mulheres com as quais você quer trepar e consegue, e mulheres com as quais você não quer trepar. É bem simples, na verdade. Não faz diferença de onde elas são. Eu não me incomodo com sotaques. E existe a linguagem de sinais se vocês não falarem a mesma língua. Existe. Especialmente num bar.
Sim. Fica um pouco confuso se você está cataclismicamente bêbado. Muitas vezes elas entendem errado. Muitos caras acordaram casados com tatuagens no peito. Eu tenho uns amigos assim. Mas escuta, nós temos também que dizer que você sempre deu muita força pras mulheres que tocam.
Eu gosto de mulheres no rock ’n’ roll. Fui criado por duas mulheres—minha mãe e minha avó. Meu pai sumiu quando eu tinha três meses. Ela não casou de novo até eu ter uns dez anos, então eu entendo as mulheres melhor do que muitos caras, que aprendem essas coisas indo caçar com o pai. Se você conversa com caras, especialmente nos EUA, é sempre a mesma porcaria, papo de homem, tipo como você odeia os políticos e vai entrar numa milícia e atirar em alguma coisa. Tem muito disso por aí, e é uma vergonha porque esse país é um paraíso. As pessoas aqui estão atirando nos próprios pés e nem se dão conta.