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Música

Discos: Tulasi

O que têm de diferente as águas da Finlândia?

Kaksi Lensi Yli

Lal Lal Lal

Já se exige que a Finlândia diga ao mundo o que contêm, afinal, as suas águas. Mais que uma questão de curiosidade, trata-se de um esclarecimento justo perante uma pergunta pertinente. Isto porque na última década o país tem exportado alguma da música mais bizarra e, simultâneamente, brilhante, que a memória nos permite alcançar. Embora os confins do black metal ressonem, maioritariamente, na produção finlandesa, a verdade é que nem só Satã andou a atormentar as suas pobres almas; também viajantes do espaço parecem ter aterrado por lá e contaminado os seus rios com poções mágicas (

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o canal História tem-nos vindo a avisar para isso

). De facto, só assim podemos interpretar a imensa comunidade que nos últimos anos tem brindado os mais incautos com folk xamânica, acid pop ambiental, new age primitiva ou sons, pura e simplesmente, inclassificáveis — mesmo para os ouvidos habituados a ultrajes às definições musicais. Na franja desta tendência surgem luminárias, meio impronunciáveis para nós, como Shogun Kunitoki, Islaja, Paavoharju ou os enormes Kemialliset Ystävät.

Numa nação em que a cultura e práticas pagãs se encontram, ainda hoje, tão presentes quanto no passado ancestral, não é de estranhar que histórias em redor de deuses, bruxas, espíritos das florestas e criaturas surreais, como os trolls, continuem vivas. A trama adensa-se mais se nos lembrarmos de que parte razoável do território permanece isolado de contacto humano e por seis meses seguidos, é a noite quem reina por ali. Conscientes disto, Tulasi é mais uma peça dessa Finlândia obscura em que recaem suspeitas de água contaminada por drogas indutoras a mocas divinais. Abertura de mente, contacto com o Além, chamem o que quiserem. Algures por aí, neste momento, alguém procura, também aqui, ligações a um suposto controle de massas em prol de uma Nova Ordem Mundial. Mas paranóias à parte… bom, sejamos francos: os Tulasi não nos permitem colocar, essas e outras, paranóias de lado. Simplesmente deixam-nas a pairar durante a escuta desta cassete de feitura caseira. E quem somos nós — que até concedemos o desenrolar de toda esta sugestão — para contrariá-los?

Flautas, micro melodias em loop e sonoplastia em tempo real. "Kaksi Lensi Yli" estende-se por cerca de meia hora, em que cada minuto pode resultar num hipotético sample para eternidade. Em comparação com os conterrâneos supracitados, as incursões destes druidas dos tempos modernos oferecem mais voos planantes e menos invocações demoníacas em LSD (embora nunca fiando, claro está). Descem, inclusive, ao invejável legado da electrónica espacial alemã seguindo pistas deixadas por Popul Vuh, Cluster ou Deuter. Pastoral q.b, o betão da cidade não entra, definitivamente, na meta-morfologia pessoal dos Tulasi. Uma vez mais, é em redor das árvores e das montanhas, entregues à solidão da madrugada fria, e sobre um céu sobejamente banhado de auroras burealis, que o feitiço acontece. Estes Finlandeses devem estar loucos.