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Outros

Um Jovelho, o Pessimismo e 78 Fãs de Paramore

Passei um tempo com os jovens que acamparam na fila do show do Paramore.

Quando você oficialmente se despede dos seus sonhos e entra na vida adulta? Você pode dizer que é ao conseguir seu primeiro emprego e sentir todo seu tempo livre escorrendo por entre os dedos. Ou quando você passa a pagar todas as contas sozinho e aprende o nome de todas as marcas de papel higiênico. Para mim, a vida adulta começou quando meu último amigo solteiro entrou em um relacionamento sério e eu nunca mais ouvi a expressão "ficar". Era quinta-feira e fui bombardeado com uma boa dose de vida real: esse amigo não poderia sair para beber comigo, pois iria acompanhar a filha de sua namorada em um acampamento na fila de um show do Paramore. Rapaz.

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Encabeçada pela vocalista e compositora Hayley Williams, Paramore foi fundada em 2004 no Tennessee e, desde então, lançou quatro discos, vendeu milhões de álbuns ao redor do mundo e se tornou um fenômeno adolescente com um som que mescla o punk pop com o rock alternativo. Essa euforia dos fãs é comprovada com os discos de platina atingidos mesmo durante a missa de sétimo dia da indústria fonográfica e, naturalmente, pelo fato de a enteada de meu amigo — e mais algumas dezenas de adolescentes — estarem acampando na frente do local quatro dias antes da data do show. Eu, particularmente, não sabia nada disso e minha única relação com o conjunto até aquele momento era uma foto da vocalista de peitos de fora que vazou na internet uns dois anos atrás.

"Melhor não falar isso para ninguém acampado lá, então", aconselhou meu amigo ao saber que eu havia decidido acompanhar ele na desventura da fila do show, com um misto de companheirismo e curiosidade mórbida. "E fala 'banda'. 'Conjunto' acentua ainda mais a tua idade", concluiu ele, me alertando que a média das pessoas acampadas era entre 15 e 17 anos. Decidi colocar minhas roupas mais descontraídas em uma tentativa de me infiltrar completamente entre os jovens, como um policial de narcóticos ou um ator da Malhação. O resultado foi algo semelhante ao sujeito mais velho da faculdade, um pouco calvo e acima do peso, que anda com uma camiseta do Led Zeppellin e aborda meninas do primeiro semestre com o datado e constrangedor "e-aí-vocês-fumam-maconha?".

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Chegamos ao acampamento para encontrar umas 20 barracas e, pontualmente, 78 pessoas. Vi poucos escritórios, agências ou redações tão organizadas e funcionais. Cada barraca era devidamente numerada e separada por grupo e, dentro de cada grupo, seus moradores eram numerados individualmente, do primeiro ao septuagésimo oitavo. Entretanto, a sobriedade e eficácia da pequena comunidade não era o suficiente para convencer alguns pais que insistiam que seus filhos deveriam voltar para casa ("Tu já deu uma visitada, já é o suficiente") e outros que acalmavam seus cônjuges pelo telefone ("Algumas mães estão aqui, ela já se enturmou, vai dar tudo certo, calma"). O Pepsi On Stage, local do show, fica na frente do aeroporto de Porto Alegre, em uma área industrial da cidade, cercado por nada além de fábricas e vilas pobres. "A única vila que existia aqui não existe mais", jurou uma menina de uns 13 anos com um tom mecânico de quem ensaiou aquele contra-argumento dezenas de vezes na frente do espelho. Um acampamento na fila de um show de uma banda adolescente é uma experiência tão intensa para as mães quanto para as filhas.

“Uma parte minha não queria deixar ela sozinha acampando lá na frente do show, mas outra parte dizia que eu precisava. Até porque fiz coisas bem piores na idade dela”, confessou uma mãe enquanto entrava em seu carro para ir embora, vendo de longe sua filha confraternizar com uma menina de cabelo alaranjado. Eu, envergonhado e com voz fraquejando, perguntei sem levantar os olhos: “Que tipo de coisas?”.

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“Eu flertei com o Roger, do Ultraje a Rigor.”

“É bem pior mesmo”, eu respondi.

Mesmo com algumas autoridades maternais presentes, Camila, uma menina de 19 anos com um chamativo moletom do Bob Esponja, era a prefeita do acampamento. Ela não almejou o título ou as responsabilidades, mas — por ser um pouco mais velha do que a maioria (e talvez por ser facilmente localizada com seu moletom amarelo) — foi quem recebeu o cargo de listar o nome de todas as pessoas acampadas, para evitar picuinhas sobre quem chegou antes e qualquer outro incômodo que pudesse acontecer em decorrência de meninas eufóricas para verem seus ídolos de perto ao mesmo tempo em que lidam com seus hormônios borbulhantes.

“Engravidei só com o olhar dele!”, gritou Pâmela.

“Ele olhou dentro da minha alma…”, suspirou Lorena.

Uma van com os membros da banda acabara de passar na frente do acampamento e as duas meninas, aparentemente, tiveram um momento com Jeremy, baixista da banda e, junto com Hayley e Taylor, um dos membros oficiais da Paramore (os outros são músicos contratados).

No meio de toda vertiginosa histeria adolescente, tentei encontrar conforto na presença adulta apenas para ver dona Neiva, a mãe de Pâmela, exclamando “estou apaixonada por aquela guria! Que coisa querida a Hayley!”, tão eufórica quanto sua filha de 14 anos. Aparentemente, essa semelhança de comportamento entre mãe e filha é o padrão: dona Moira, 40 anos, puxou assunto comigo apontando para seu moletom do My Chemical Romance e perguntando se eu conhecia a banda. "Claro!", menti, com vergonha de assumir que pouco sabia sobre a banda para uma pessoa que conheci há 20 minutos. “Eles são incríveis. Quando eles acabaram, a gente não sabia o que fazer”, disse ela, puxando sua filha de 15 anos para seu lado. "Depois que o My Chemical terminou, jurei que seguiria o Paramore para qualquer lugar", contou a filha, Luciana, enquanto uma lágrima escorria no cantinho do olho direito, por cima da maquiagem preta (pense nas últimas 10 coisas que lhe fizeram chorar e pondere novamente se ela está sendo tão tonta assim). Lembrei da relação com minha mãe desde a adolescência até hoje — poucas de nossas conversas ultrapassam trivialidades cotidianas como a saúde do yorkshire de estimação dela ou seu trabalho — e perguntei como era acampar em um show de rock com a mãe. "É bom demais, ela é minha melhor amiga. Ela que reparou numa música do Paramore na trilha sonora do Crepúsculo. Conhece Crespúsculo?". O fato de ela achar que eu não conhecia a franquia cinematográfica mais bem-sucedida dos últimos anos me deixou preocupado com a idade que eu parecia ter. “Então, minha mãe que notou Paramore ali. De certo modo, ela quem me apresentou a banda.” Essa menina de 15 anos era mais articulada do que eu e tinha um relacionamento familiar bem mais saudável. Eu estava começando a ficar com inveja.

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Mas o que tanto interessava no Paramore? Perguntei falando "paramore" assim como se escreve: pá-rá-mô-rê. "O que eu gosto no paramour?", sutilmente me corrigiu uma menina de 13 anos. "Bom, procure a letra de For a pessimist, I'm pretty optimistic que tu vai entender". Fazia sentido: para uma pessimista, acampar por quatro dias para ver uma banda é bastante otimista mesmo. “E os outros dois shows, de 2008 e 2011, foram ótimos.” Ah, então a banda já tocou no Brasil antes. Pensei que essa euforia derivava de uma primeira vinda. Os outros dois shows foram bons o suficiente para justificar acampar uma semana antes desse? “Foram! O setlist dessa turnê não me agradou muito, mas sou fã, o que posso fazer?”, respondeu ela, aceitando a falta de opção nessa brincadeira de ter ídolos. Concordo: a dor de ver um show ruim é muito melhor do que a tortura de um show utópico que você cria dentro de sua própria cabeça. “Meu amor pelo Paramore foi algo que cresceu em 2006. Eu não tinha um grupo e com Paramore eu sentia que eu pertencia a algum lugar. A Hayley conversava comigo. Fiz amigos por causa da banda e nós trocávamos músicas o tempo todo: ‘ouve essa, é a tua cara’, ‘esse trecho me lembrou de você’”, me explicou uma menina de 17 anos que mexia os dedos como se digitasse enquanto me contava das conversas, explicitando que elas haviam ocorrido pelo computador. Um gesto adorável que me sensibilizou, remetendo aos dias em que eu baixava músicas de madrugada, na internet discada, conhecendo amigos e tentando, vamos lá, namorar virtualmente (é como o Fantástico chamou na época) com uma menina que puxava assunto falando “oi mininu”.

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Apareceram dois rapazes com violões. Eu me sinto intimidado sempre que chego a um lugar e vejo um cara com um violão. Acho que ele vai roubar meus amigos, que meus pais vão perceber que eu fracassei como filho e vão querer adotá-lo. Vejo o cara com um violão e coloco o braço em volta da minha namorada, fingindo que é carinho quando é só para me certificar de que ela não vai correr e fugir com ele. Fico olhando o cara com um violão e um sentimento de inadequação toma conta de mim: percebo que andei engordando, que essa camisa fica meio estranha nos ombros, que preciso ler mais livros e que o último gol que eu fiz foi em 1998. Tiago, um dos rapazes com violão, confessou que aprendeu a tocar violão com Paramore e só sabe músicas da banda. Minutos antes, ele estava tocando no centro de uma rodinha com dezenas de meninas de cabelo colorido cantando em coro "Still Into You", single do novo disco com, até agora, 21 milhões de views no YouTube. “E qual é a sensação de ter essa mulherada cantando contigo?”, perguntei a ele e percebi que estava soando como meu tio. “É comum. Tenho uma banda cover. Fomos a banda oficial do Paramore Brazilian Day. Já me acostumei”, ele respondeu sem parar de tocar — mesmo que longe da rodinha de violão — e sem olhar para mim. “Volta lá para suas fãs”, gemi ofegante tentando descruzar as pernas e me levantar do chão, quase cambaleante. “Você é um jovelho”, diagnosticou Tiago. Como eu odeio o cara do violão.

Olhei para o relógio. Meia-noite. O trem já estava fechado e eu estava oficialmente ilhado no acampamento. Lembrei de quando eu tinha 9 anos e acampei com a família e um tio-avô que, na barraca ao lado da minha, roncou a noite toda, irritando eu e meus primos. Será que eu ia roncar hoje? Vou causar desconforto a essas meninas de 15 anos do mesmo modo que meu tio-avô, que sofreu dois infartos do miocárdio, causou a seus sobrinhos-netos? Eu, jovem adulto, me sentia oprimido pela adolescência ao meu redor ao mesmo tempo em que me sensibilizava com o fanatismo. “Você deve achar bobo acampar por causa de uma banda”, falou Pietra, 14 anos. Não. Não, senhor. Adolescentes têm que fazer isso mesmo. É o dever maior de um jovem constranger seu eu-futuro, assim como é o papel fundamental do adulto envergonhar seu eu-adolescente. É o ciclo da vida: crescemos através do constrangimento. “Bobo fui eu que usei a palavra ‘sinergia’ em uma entrevista de emprego na semana passada”, respondi para Pietra.

Confesso que comecei a me apegar àquele bando de desajustados. Um menino afetado, de cabelo descolorido e alargadores nas orelhas, recebia conselhos de uma mãe solteira no meio da madrugada: ele reclamava da implicância dos colegas e ela dizia, “Meu amado, manda eles tomarem no cu”. Que bonito o espírito da aceitação. A sensação de pertencimento e a coragem da entrega total. Quem sabe eu até vá no show, a banda pode ser legal e eu não gostei por preconceito. A vida era para ser um grande churrasco, todos sem camisa, se divertindo e fazendo piadas. Acabou virando uma interminável entrevista de emprego com todos preocupados em ter a postura adequada. Quantas vezes deixei de me divertir por algum complexo milenar? Você passa sua vida elencando motivos para não fazer as coisas que gostaria. O Paramore permite que você seja quem você é. O Paramore empodera as meninas. O prazer desses adolescentes era em estar vivo. Meu último prazer tinha sido comer um pastel de queijo. Minha descrença e pretensão de experiência antropológica apenas mostrou que o objeto de estudo equivocado era eu. Mas isso tudo mudou: como Hayley Williams, para um pessimista, eu seria otimista. Aprendi algo com o Paramore que nunca vou esquecer. Esse fascínio infantil pelo mundo, de guarda baixa e sem julgamento, vai se manter vivo para sempre. Vou conhecer pessoas. Vou ser alguém melhor.

Então, começou a chover. E peguei um táxi para casa. Nem era tanta chuva assim. Desculpa.

Siga o Vinícius Perez no Twitter: @chinisalada