A ciência diz que as redes sociais estão a tornar-nos superficiais
Foto por Ágata Xavier

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A ciência diz que as redes sociais estão a tornar-nos superficiais

Há novos estudos que ligam a utilização das redes sociais à “teoria da superficialização”. Parece uma conclusão bastante óbvia. Mas será mesmo assim tão simples?

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma i-D

Há pouco mais de uma semana, o jornal britânico The Independent publicou um artigo relacionado com dois estudos recentes na área da Psicologia, que se debruçam sobre a "tese da superficialização", ou a teoria de que o desenvolvimento das tecnologias da comunicação (nomeadamente, mensagens de texto e redes sociais) tem conduzido a um sério declínio do pensamento "reflectivo".

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Resumidamente: como nos estamos a acostumar progressivamente a formas de comunicação cada vez mais curtas e rápidas, os nossos cérebros também se estão a tornar mais aptos a transmissões rápidas e curtas. Ainda que esta hipótese já tivesse sido avançada com bastante notoriedade no livro de 2010, e nomeado ao Pullitzer, "The Shallows", de Nicholas G. Carr, dois testes mais recentes indicam que o declínio do pensamento reflectivo, correlaciona-se com "o declínio da importância com que se encara a moralidade e o aumento da importância com que se encara o hedonismo e a imagem", sublinha o jornal.

Um dos estudos - "Texting Frequency and The Moral Shallowing Hypothesis" - foi publicado pela Universidade de Winnipeg, no Canadá, em 2013. Teve como alvo dois mil estudantes, que responderam a um questionário sobre hábitos de envio de mensagens de texto e objectivos de vida (incluindo saúde, imagem, comunidade, altruísmo e espiritualidade).


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Os resultados disseram que "a frequência de envio de mensagens estava de uma forma positiva ligada consistentemente, ainda que não fortemente, ao materialismo e, de uma forma negativa, associada a objectivos de vida ligados moralmente ao pensamento reflectivo. A este estudo seguiu-se outro, chamado "Social media, texting, and personality: A test of the shallowing hypothesis", publicado em Fevereiro deste ano, na revista Personality and Individual Differences, e que acaba por corroborar em grande medida o anterior.

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Estes dados não são uma surpresa para muita gente e muito menos para Nancy Jo Sales. No mês passado, a jornalista e escritora publicou "American Girls: Social Media and The Secret Lives of Teenagers", um livro de quase 400 páginas onde analisa o efeito sísmico que as redes sociais têm no desenvolvimento dos adolescentes. Em particular, os seus impactos nocivos nas raparigas adolescentes.

As descobertas de Sales - uma combinação de pesquisa e entrevistas exaustivas a mais de 200 mulheres jovens - são, em grande parte, chocantes. Indo mais além do que a superficialidade moral e cognitiva, ela explora as ramificações da sexualização no mundo real, o cyber-bullying e o crime violento (o press release do livro é acompanhado de uma fotocópia deste artigo).

As redes sociais quantificam directamente o quão influente alguém é; seguidores, likes e comentários são moedas hoje em dia - perguntem às Kardashians se têm dúvidas. Ao operar uma conta particular composta por imagens pessoais e pensamentos, é difícil não se ver estes números até certo ponto, como uma medida do valor que cada um tem. Tal como é difícil que a mecânica destas plataformas de comunicação massivas não tenha impacto naquilo que pensamos e na forma como o pensamos.

No entanto, tenho alguma dificuldade em acreditar piamente que as redes sociais estão a transformar-nos a todos em seres vazios, incapazes de pensar em duas frases seguidas - ou que esteja a impedir-nos de termos pensamentos significantes -, quando há tanta gente a usar estas plataformas para conversas de importância crucial e como um meio para incentivar mudanças sócio-políticas.

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Há inúmeras teorias sobre as selfies, por exemplo. Sales argumenta que as raparigas de hoje não só são constantemente expostas a imagens que as apresentam como objectos, como sentem uma pressão imensa para produzirem e partilharem as suas próprias imagens sexualizadas.

Esta sexualização intrusiva das mulheres e raparigas sugere-lhes que a sensualidade, ou o sex-appeal, são os aspectos mais importantes da sua existência, mais do que cérebro, talento ou personalidade. De certa forma, é a "teoria da superficialização" na prática. Ainda que a autora esteja certa, selfies e a auto-sexualização são frequentemente benéficas. Para muita gente marginalizada, as selfies e as redes sociais funcionam como uma forma autêntica e sem filtro de se sentirem representadas, de celebrarem e de se afirmarem. Algo que os media tradicionais quase sempre lhes negaram.

O primeiro Dia Mundial da Visibilidade Transgénero celebrou-se em 2009, graças aos esforços da activista Rachel Crandall, sediada no Michigan, Estados Unidos da América. Crandall lançou o evento, como reacção à falta de iniciativas dedicadas à exaltação da comunidade LGBT, citando o facto de que, apesar da sua importância, o Dia da Memória Transgénero que se celebrava à data, "se limitava" a lembrar aqueles que tinham perdido a vida, vítimas da violência transfóbica. Ao celebrar a experiência trans, Crandall lembra que apesar da resposta esmagadora a nível mundial, ainda assim "muita gente fez-lhe chegar a mensagem de que por muito que quisessem ser visíveis, nunca o poderiam ser totalmente no local onde vivem". Só mesmo virtualmente.

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O Blackout Day - um evento frequente que encoraja a proliferação de imagens que celebram a beleza da população negra no seu dia-a-dia - recorre às redes sociais e às selfies para atingir os mesmos propósitos. A Internet pode não ser de todo um lugar seguro, mas ainda assim proporcionou uma plataforma para que as pessoas e as comunidades a quem não é dada representação positiva nos media tradicionais pudessem partilhar as suas histórias e celebrarem as suas experiências. As selfies são importantes.

Há uma diferença entre a visibilidade digital e as acções de intervenção na vida real, mas à medida que as redes sociais se tornam cada vez mais dominantes enquanto meios de comunicação, é importante que se explore a forma como estão ligadas. Como salienta Jared Keller, do site The Atlantic, o Twitter falhou como ferramenta de organização no terreno durante a chamada "Green Revolution" - os protestos e manifestações que agitaram o Irão no seguimento da suspeita reeleição do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2009 -, mas, no entanto, ainda teve um papel bastante importante: deu ao movimento uma espantosa e crucial visibilidade internacional. "Foi uma evolução activada pelo Twitter; apesar de a rede social se ter mostrado ineficaz na organização, levou a violência que estava a acontecer nas ruas de Teerão para a linha da frente da discussão geo-política", escreveu Keller.

Mas a ligação mais significativa entre as redes sociais e a rua ganharia forma quatro anos mais tarde, durante o Verão de 2013, quando Alicia Garza, activista sediada em Oakland, postou a hashtag #BLACKLIVESMATTER, como resposta à absolvição de George Zimmerman. A hashtag tornou-se um movimento e já deu origem a algumas das mais fundamentais iniciativas pelos direitos civis desde o início dos anos 60. Não só contribuiu para levar a cabo investigações federais a práticas policiais condenáveis por toda a América, como "mudou a experiêcnia visceral de ser negro nos Estados Unidos", como apontou brilhantemente Bijan Stephen, num fantástico artigo da Wired.

"Qualquer movimento social de larga escala é moldado pela tecnologia disponível na altura e ajusta os seus objectivos, tácticas e retóricas aos media do seu tempo", escreve Stephen, sublinhando as formas que um movimento descentralizado, não-hierárquico, tem para ganhar vida nas várias redes sociais. "Se quiseres publicar um vídeo de um protesto, ou de uma detenção violenta, metes no Vine, no Instagram, ou no Periscope. Se quiseres evitar trolls, ou forças da autoridade bisbilhoteiras e precisares de organizar uma iniciativa qualquer , podes conversar em privado com outros activistas no GroupMe…Se quiseres mobilizar um monte de gente que não conheces e queres que o mundo inteiro fale disso: Twitter".

Há muito que as pessoas tentam imputar aos desenvolvimentos nas tecnologias de comunicação a culpa pela deterioração moral e intelectual. Mas sugerir que a utilização das redes sociais está a deixar-nos cada vez mais superficiais parece-me tendencioso. Sabem o que é na verdade é tendencioso? Os jornais e os grandes grupos de media tradicionais, com a televisão à cabeça. Os seus conteúdos são criados e aprovados por pessoas com alguma forma de poder institucional e, depois, transmitidos para uma população que - até ao advento das redes sociais como meio de comunicação - tinha pouca capacidade para, de imediato, partilhar os "pensamentos reflectivos" que tinham sobre as "imagens hedonistas" que viam. Se a consciência em relação aos problemas, aos indivíduos, às histórias e às opiniões a que, de outra forma, provavelmente nunca seria exposta estão a tornar-me amoral e hedonista, bom…vemo-nos todos no Inferno.