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Foto: ronstik / Alamy Stock Photo.

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Entretenimento

O lado emocional do camming

Numa indústria em que sucesso exige consistência e acesso, o desgaste físico e emocional das mulheres muitas vezes é convenientemente esquecido.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Em algum lugar do LiveJasmin, My Free Cams ou Chaturbate, tem uma garota com um harness rosa recebendo £10 [quase R$ 50] para esfregar uma bexiga com os pés porque algum cara com esse fetiche pediu. Ela não precisa olhar para a expressão enrugada como um cu de gato quando ele goza porque ele não pagou a quantia extra exigida para poder ligar sua webcam.

Em outro lugar do site, uma garota que costumava ganhar salário-mínimo servindo hambúrguer de micro-ondas para clientes que nunca diziam obrigado agora tem uma página no Instagram dedicada ao jeito como ela balança a bunda melecada de cobertura de bolo. Não só ela trabalha de casa, mas do conforto da própria cama. Outra garota está fazendo faculdade de psicologia. Antes de fazer camming, ela era obrigada a comer sanduíche só de alface enquanto esperava outra parte do seu empréstimo estudantil cair. Ela acabou de vender uma calcinha usada por £30 [R$ 140]. Ela basicamente é paga para não lavar a roupa.

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Ser cam girl pode parecer fácil, mas a parte mais difícil não vem de se conformar com a ideia de transmitir sua celulite ao vivo – mas das exigências físicas e emocionais constantes. Para viver disso, cam girls trabalham de três a doze horas por dia, mas sucesso exige consistência.

Falei com Miss Dammer, uma ex-cam girl que agora trabalha como acompanhante, que já foi uma das dez garotas mais assistidas no My Free Cams. Lá ela fazia mais de £ 20 mil [quase R$ 100 mil] por mês. “Esses caras estão sempre online; se você não aparece um dia, eles podem visitar a página de outra garota e você acaba perdendo um cliente que paga bem”, ela me diz. Excitação logo deu lugar à ansiedade enquanto Miss Dammer se tornava mais consciente de que seu sucesso dependia de conteúdo constante: “Uma vez fiquei online por 24 horas. Consegui ficar um ano e meio sem tirar um dia de folga”.

Não é simplesmente a frequência da criação de conteúdo que leva a um burnout. É a natureza do trabalho exigido para manter o público interessado. Quando mais você se move, mais chance tem de chamar a atenção de clientes passando os olhos pela home page. “Nunca tive uma cadeira no meu quarto; eu colocava o computador na beira da cama e continua me movimentando, as pessoas podiam me pagar para fazer um desfile, ou dançar a dança da galinha ou a Macarena”, diz Miss Dammer. “Eu fingia que tomava doses de vodca, mas na verdade a garrafa tinha água. Eu não tinha que malhar porque queimava muitas calorias. Camming foi o que me rendeu problemas de coluna – tenho pé torto por causa do salto alto, e meus olhos ardiam porque eu estava sob luz fotográfica o tempo todo.”

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Casais que trabalham na indústria juntos encaram algo unicamente cansativo. Enquanto os cammers solo podem fingir o orgasmo, é esperado que os casais façam sexo – algo que não dá realmente para simular. Os namorados de escola Jaxx e Bunny começaram a fazer camming juntos quando estavam precisando de dinheiro. Depois de sair de uma moradia estudantil que custavam $1 mil [R$ 3.600] para um quarto de 46 metros quadrados, eles passaram um tempo dormindo numa barraca numa mata antes de se voltarem para o camming – uma profissão que permite a eles morar numa casa legal e cuidar do filho de nove meses. “Fazemos sexo por seis horas por dia”, diz Bunny. Quando pergunto se isso não acaba sendo doloroso, ela diz: “Se estou cansada e preciso fazer uma pausa, faço boquete nele. O pessoal adora assistir isso”.

Mas um mal jeito no maxilar não é nada comparado com o trabalho emocional exigido pelo camming. Enquanto formar laços virtuais com homens geralmente é uma das atrações do trabalho, isso pode se tornar exaustivo e até abusivo quando esses homens começam a te tratar como uma namorada virtual, que tem o dever de garantir a felicidade deles em troca de dinheiro.

Como todo trabalho sexual, camming é parte da indústria de serviços. O trabalho é satisfazer os clientes colocando as necessidades deles acima das suas. Não é muito diferente do trabalho de garçonete “tudo certo com o senhor aqui?” Quando você trabalha num bar polindo taças de vinho e algum cara de gola rolê fica te perguntando o que você acha de Richard Dawkins e usando a palavra “subjetivo” sem parar, você não pode mandar o cara se foder, porque você está no trabalho e ele está bebendo o Rioja mais caro do cardápio. Então você sorri enquanto ele te explica Dualismo Cartesiano.

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“Esses caras contam com você para fazer eles se sentirem melhor”, explica Kitty, um cam girl de 21 anos que mora em Londres. “Em janeiro dei uma festa de aniversário para um cliente regular pela webcam; ele estava fazendo 22 anos e estava se sentindo deprimido e solitário. Então comprei bexigas, uma garrafa de vodca, um bolo, e aí jogamos 'Eu Nunca' pelo Skype. Ele disse que salvei o aniversário dele. Fiquei feliz em poder animá-lo. A festa foi grátis – geralmente não faço isso. Você não pode ficar muito próxima dos clientes porque, no final das contas, precisa pagar o aluguel.”

Quando começou a trabalhar com camming, Miss Dammer era uma pessoa introvertida que achava o mundo real ligeiramente assustador. Como Kitty, ela se sentiu incentivada pelo senso de comunidade que emergiu entre ela e seus seguidores. Mas enquanto ela colocava mais de si na tela, os homens começaram a perguntar cada vez mais coisas como: “Se nos encontrássemos no mundo real, você acha que a gente ficaria junto?”

“Há uma grande diferença entre o tipo de homem que visita sites de cam e o tipo de homem que contrata uma escort”, explica Miss Dammer. “Os caras que visitam os sites são constrangidos socialmente; eles moram mesmo no porão da casa dos pais, e todo eles trabalham de casa – um fazia suporte técnico do Best Buy, outro cuidava da mãe. Com o escorting, você lida com homens de negócio que ganham muito dinheiro, eles são casados, estão viajando a negócios, então depois de uma noite com você eles voltam para a vida normal deles.”

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Com acesso constante a ela, um dos clientes regulares de Miss Dammer ficou obcecado – descobrindo o endereço dela, seu nome real e ameaçando mandar screenshots para os pais dela. Quando ela tirou um dia de folga para esquiar com a melhor amiga, a crise atingiu um pico. “Ele começou a me mandar uma mensagem atrás da outra: 'Você está falando com outro homem? Não acredito que você está como uma amiga'. Ele ameaçou se matar, e me mandou fotos de uma arma e do bilhete de suicídio que ele ia deixar para os pais. Mandei de volta fotos da minha amiga e eu para fazer ele se sentir melhor. Eu não queria que ele morresse.”

TRANSE: Minha vida como modelo de cam

Com medo que ele a rastreasse, Dammer fingiu se mudar para outro estado norte-americano. “Reformei um quarto no primeiro andar, até os rodapés eram diferentes, plantei moitas fora da janela típicas do estado para onde disse que tinha mudado, coloquei outro carpete e pintei as paredes de outra cor.”

Se não acabam tendo que aturar um stalker, cam girls muitas vezes passam o dia inteiro mandando mensagem para os clientes nas redes sociais para manter o interesse deles. É uma forma de trabalho não-pago, o que torna mais difícil se desligar depois de um longo dia. Kitty está sempre atualizando seu Twitter. Tem um monte de fotos dela agachada com um fio dental, a bunda rosada de palmadas; ou dela com um chapeuzinho de festa e comendo bolo de chocolate porque passou seu aniversário transmitindo. Em toda parte, ela está sempre acalmando os fãs mais fervorosos: “Acabei de jantar! Volto em 15 minutos”, ou fazendo pedidos meio sarcásticos de dinheiro: “Quem gostaria de pagar meu aluguel nos próximos seis meses? #sugardaddy #cadêvocê”.

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“Falo com muitos caras fora das câmeras pelo Snapchat”, diz Kitty. “Alguns tentam começar conversas picantes, o que é irritante porque eles estão tentando conseguir conteúdo grátis, mas na maioria das vezes é algo inocente. Tem um cara que me manda fotos de todas as refeições que ele come. Na segunda ele comeu vieiras com crosta de alho e camarão no molho chilli, hoje ele comeu um hambúrguer com muito queijo e batatas fritas, de sobremesa ele pediu um sorvete de Matcha.”

Enquanto, para Kitty, as redes sociais são um mecanismo útil para aumentar seus negócios, para Miss Dammer essas trocas se tornaram incessantes. Ela começou a se sentir um software erótico não muito diferente da Samantha do filme Ela. “Se levava mais de uma hora para responder, eu recebia um monte de mensagens tipo 'Você só está me usando por dinheiro' e tipo, é, óbvio.”

Vendo as cam girls só pela tela do computador, homens podem começar a conceitualizá-las como personagens de videogame mal escritas – uma Lara Croft com morte cerebral, ou aquelas animações com peitos gigantes que explodem quando você está tentando piratear Curb Your Enthusiasm. “A mesma coisa que os atrai em mim – que sou uma garota com o corpo de uma mulher normal com quem eles podiam trombar no mercado – é a coisa que eles esquecem”, explica Dammer. “Eles começam a te ver como esse produto que eles podem possuir. Mas eles só pagam por um momento do seu tempo, eles não estão pagando por você.”

Eventualmente, Miss Dammer ficou com tanto pavor de ficar online que nunca mais entrou no site. O trabalho emocional envolvido no camming é um paradoxo: é o que torna o trabalho recompensador – em vez de nomes de usuários numa tela, esses homens se tornam seus amigos. Mas também é isso que torna o trabalho difícil, ter que convencer esses caras de que eles podem ter um relacionamento fora do mundo virtual, e aí lidar com as consequências.

No final da ligação, pergunto a Miss Dammer se ela sente saudade do tempo de cam girl: “Sinto, mas no final acabei sentindo que tinha não um namorado controlador, mas 20”.

@annielord8

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