Por toda a história da música pop, vítimas de comportamento sexual inadequado e abuso, entre elas muitas garotas e mulheres jovens, não são vistas por fãs, executivos e a mídia. Suas histórias são desconsideradas, até canonizadas como o comportamento de um astro do rock. Quando David Bowie morreu, em 2016, ele foi louvado por ser "um símbolo da liberdade sexual" e denunciado como um "estuprador legalizado" , por ter feito sexo com fãs menores de idade."Eu não queria ser a mulher do 'abuso sexual'", Claire disse. "Pensei que ninguém ia querer me contratar porque não iam entender e achar que eu estava exagerando em uma situação que era comum na indústria musical."
Todos esses números têm implicações reais para as mulheres na música. Um relatório de 2016 da força-tarefa da US Equal Employment Opportunity Comission (EEOC), identificou vários fatores de risco para o assédio no ambiente de trabalho, que incluem falta de diversidade e disparidades significativas de poder. Outros estudos descobriram que há mais possibilidade de tanto mulheres quanto homens serem alvos em ambientes dominados por homens que enfatizem papéis tradicionais por gênero.Mulheres que estejam começando em uma indústria como a da música, dominada por homens, podem ficar à mercê de homens para avançar na carreira, uma situação da qual alguns deles se aproveitam."Na música, frequentemente você trabalha próximo de um produtor, empresário ou alguém que tem muito controle sobre carreiras, então não existe a opção de se afastar dessas pessoas ou de não resistir aos avanços deles", diz Ginger Clark, professora de Psciologia da Rossier School of Education da USC, que se especializou em questões femininas e traumas como abuso sexual. "Isso cria o ambiente perfeito para esse tipo de coisa acontecer.""Você tem que ser um deles", disse Claire. "Já tive um chefe que me disse para aprender a jogar golfe e assistir 'Família Soprano' porque era o que os homens desse meio faziam. Ele não estava errado. Os homens são maioria, e eu tinha que conseguir lidar
"No meio musical, isso não termina depois de uma certa idade. É uma ilha de garotos perdidos onde todo mundo tem a mesma idade para sempre."
Em um ambiente hipercompetitivo e financeiramente precário, denunciar pode ser visto pelas vítimas como um risco muito alto."[No meio musical], o que vale é ter contatos e reputação. É assim que você se mantém no negócio", diz a ex-assistente de licenciamento. Testemunha de demissões às vésperas de fusões e da recessão, ela complementou: "Você pode ter emprego em um dia, e no próximo não ter. É difícil achar outro quando se é demitida, porque o mundo da música é um ovo."Enquanto a indústria se consolidou — as grandes gravadoras detêm cerca de 69% dos US$ 15,7 bilhões do mercado global de gravadoras — o negócio da música em geral também é claramente fragmentado, uma constelação descentralizada de artistas, gravadoras, editoras, empresários e promoters, que se acumulam em uma rede crescente de relacionamentos. Não existe um órgão regulamentador que defina padrões ou códigos de conduta. As mulheres que eu entrevistei disseram que a falta de uma autoridade centralizadora pode tornar difícil saber para onde ir quando ocorre assédio no ambiente de trabalho."Quando o seu negócio são relacionamentos, há muitas áreas cinzentas", diz uma ex-assessora de uma gravadora que não quis se identificar por motivos pessoais. "Nós sabemos o que é óbvio, mas e o que não é óbvio? Quando uma paquera vira assédio? Não existe mapa para isso.""Quando o seu negócio são relacionamentos, há muitas áreas cinzentas", diz uma ex-assessora de uma gravadora. "Nós sabemos o que é óbvio, mas e o que não é óbvio? Quando uma paquera vira assédio? Não existe mapa para isso."
Isso inclui repórteres freelancer que têm a tarefa de cobrir a indústria. Os contratos para repórteres freelancer podem oferecer a empresa que os contrata serviços de recursos humanos, mas jornalistas musicais com quem falei dizem que nem sempre está claro que tipo de apoio está disponível se elas sofrerem assédio ou com quem falar se trabalharem para várias empresas ao mesmo tempo. E se uma repórter trabalha em um local sem ter contrato — para falar com uma fonte do meio, fazer contatos ou enquanto faz a pesquisa necessária para conseguir uma história —, é provável que ela tenha que se virar sozinha."Existe muita confusão sobre limites e a quem eles se aplicam. Se eu sair com um assessor ou empresário [para uma reunião em um bar] e ele me assediar sexualmente, com quem eu devo falar?" – Rebecca Haithcoat
Claire, a mulher que diz que foi agredida por um colega sênior em uma gravadora que não existe mais, me contou que, no início, se recusou a denunciar o incidente porque tinha medo de isso afetar sua reputação. Por fim, quando ela procurou o RH, recebeu questionamentos e ceticismo em vez de apoio."Eu pensei: 'Por que estão me questionando?'", conta. "Eles diziam que as nossas histórias não batiam e que não podiam fazer nada a respeito porque não tinham provas". Mesmo depois de uma terceira pessoa corroborar a história de Claire, ela diz que o RH descartou sua história por não ser confiável. O colega de Claire continuou na empresa, apesar de exigirem dele que passasse por um treinamento contra assédio sexual."Eu me lembro de pensar: 'Nem sei o que posso fazer para eles acreditarem em mim'. A certa altura, fiquei tão chateada que falei que não sabia se queria trabalhar lá, e eles disseram: 'Sim, seria melhor'.""Quando você decide denunciar, acha que o RH vai tomar conta de você. Eu aprendi que, na verdade, eles só querem evitar processos", diz Claire. "Ele era o tipo de cara encrenqueiro. Eu era mulher e jovem. Eles pensaram: 'Ela não vai nos processar'."
A Warped Tour, ao lado do Riot Fest, de Chicago, e dos colaboradores do Coachella Do LaB, estão entre as organizações e festivais tomando medidas para lutar contra comportamentos sexuais inadequados, unindo-se com grupos de redução de danos como Safer Scenes, Between Friends e Rape Victim Advocates. Juntos, eles trabalham para fornecer a fãs, artistas e funcionários aconselhamento, workshops sobre intervenção de espectadores e códigos de conduta."É preciso ter políticas claras desde o início, para que todos possam contar com elas, e também é necessário ter um canal para denúncias de casos de agressão baseada em gênero e violência que não relacionada à pessoa no comando", afirma Potter. "Se alguém reclama, você precisa já ter passos claros [sobre] o que fazer em seguida. Eles vão ser diferentes em locais diferentes, mas significa que serão seguidos e levados a sério."Prevenir o assédio sexual e as agressões também faz bem para os negócios: perda de produtividade, ausências e uma maior probabilidade de volume de negócios estão entre os custos econômicos citados em uma meta-análise de 2007 sobre dados de estudos sobre assédio sexual no ambiente de trabalho. O relatório estima que o assédio sexual custa às empresas US$ 22.500 por ano em produtividade perdida para cada funcionário afetado, não levando em consideração os honorários de advogados ou pagamento de acordos.Em longo prazo, combater o abuso sexual e agressões na indústria da música exige prevenir que eles aconteçam, em primeiro lugar. Isso significa tornar uma prioridade de negócios ambientes de trabalho que sejam saudáveis e respeitosos, por meio de liderança forte, diversidade elevada, e maior senso de responsabilidade. Acima de tudo, exige promover culturas no local de trabalho que apoiem as pessoas, não apenas o dinheiro, que define a indústria musical norte-americana.Andrea Domanick é editora da Noisey na Costa Leste dos EUA. Siga-a no Twitter .Se você foi testemunha ou já sofreu com comportamentos inadequados na música e quer compartilhar sua história, mande um e-mail confidencial para ela. O endereço é andrea.domanick@vice.com."O ativismo de base é ótimo, mas se as pessoas que têm o poder nas mãos não se importam, ou não te levam a sério, ou não te escutam, então as formas como o sexismo é mantido não mudam." — Shawna Potter