24 horas no maior bicicletário da América Latina

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Ciclos

24 horas no maior bicicletário da América Latina

Com duas mil vagas, o bicicletário de Mauá, na região metropolitana de São Paulo, foi criado em 2001 para quem ia de bicicleta até o trem ou o ônibus e queria um lugar seguro para guardar a bike.

'Esta matéria faz parte do projeto Ciclos, uma série sobre mobilidade urbana feita pela VICE em parceria com o Itaú.'

Fotos por Guilherme Santana/VICE.

São 20h de uma noite fria de sexta-feira na cidade de Mauá, região metropolitana de São Paulo, quando um grupo de jovens se diverte empinando suas bikes em um dos corredores de acesso da estação de trem local. O grupo comenta que usa a magrela pra tudo: escola, lazer, trabalho, mas também notam a falta de ciclovias, ciclofaixas e demais rotas para eles e os demais ciclistas da região. E se não fosse a aparente falta de infraestrutura para os que pedalam sob duas rodas, Mauá teria tudo para se tornar uma meca dos ciclistas. Afinal, alguns metros adiante daqueles jovens do wheelling bike está a Ascobike, o maior bicicletário da América Latina, com aproximadamente duas mil vagas de bike.

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Foto por Guilherme Santana/VICE.

A Associação dos Condutores de Bicicletas de Mauá nasceu em 2001 a partir de uma visível necessidade local. Antes, quem ia até a estação de trem e de ônibus, se deparava com uma infinidade de bicicletas acorrentadas nas grades do terminal. Eram tantas que alguns viram ali uma oportunidade de levantar um dinheiro e, assim, vieram os "flanelinhas".  Além do amontoado atrapalhar o fluxo de pedestres e passageiros, alguns moradores contam que era difícil ter que pagar todo para o pessoal que "tomava conta" e ainda correr o risco de, na volta do trabalho, encontrar só a corrente arrebentada.

Foi aí que a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos e o Adilson Alcantara, chefe da estação na época, buscaram uma solução para o problema. E em uma área ociosa de propriedade da CPTM localizada nas redondezas, perfeita para a galera que ia de bicicleta até o trem ou o ônibus e queria um lugar seguro para guardá-la, seria erguido o bicicletário. Após pedir a concessão do local e dar uma geral no terreno, Adilson não só organizou os ciclistas em torno da nova associação, mas também conscientizou as pessoas sobre a importância que o ato de pedalar tem para a saúde das pessoas e da própria cidade. A empreitada deu certo logo de cara. De acordo com dados colhidos pela própria Ascobike, entre 2001 e 2008 a demanda do lugar subiu de 200 para 1700 usuários por dia.

Foto por Guilherme Santana/VICE.

Foto por Guilherme Santana/VICE.

Embora o Adilson não more mais na cidade, a sua iniciativa perdura mesmo quinze anos depois. João Carlos, um senhor de 57 anos, barba branca e certa timidez, agradece a criação da associação. "Faz oito anos que eu guardo minha bicicleta aqui. Esse lugar mudou minha vida pra melhor. Além de economizar um bom dinheiro em transporte, já que eu troquei o ônibus pela bicicleta e agora só uso o trem, essa é uma atividade que me mantém em forma e sempre com disposição", diz ele, enquanto toma um cafézinho servido de graça no local e bate um papo com os demais associados enquanto a madrugada se aproxima.

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Foto por Guilherme Santana/VICE.

O sábado do dia seguinte amanhece com o sol escaldante, mas nesse meio tempo não houve descanso para os funcionários do bicicletário. Conforme explica Diane Silva, uma das auxiliares administrativas do lugar, a Ascobike nunca dormiu: "Aqui nós funcionamos 24 horas por dia, não paramos nem no Natal e na virada do ano-novo. A gente faz isso por causa do pessoal que trabalha de noite e na madrugada".

Foto por Guilherme Santana/VICE.

A convivência com a questão dos ciclistas é tanta que fica nítido o olhar crítico dos funcionários. Nesses quatro anos como auxiliar da Ascobike, a Diane chegou à algumas conclusões. "Algumas coisas que me chamam a atenção é que entre os 800 associados, temos só dez mulheres. Acho que elas se sentem mais inseguras, pois andar de bicicleta não está fácil por aqui. Muitos motoristas não respeitam a bicicleta", pontua ela. "Ao mesmo tempo, penso que só a ciclovia não resolveria o problema. Precisamos que os próprios ciclistas se respeitem. De vez em quando acontece até de um ciclista trombar com o outro aqui dentro".

Outro funcionário que acumulou uma visão mais ampla da relação do uso da bicicleta com a dinâmica das cidades é o Rafael Ricardo de Souza, que atua há dois anos na associação. "A crise econômica e o desemprego é algo que reflete bastante nos ciclistas. Antes, a gente vivia com a capacidade máxima do bicicletário, mas atualmente estamos com a metade do número de associados. Apesar do custo mensal para guardar a bike aqui ser de apenas de R$ 10, muitas pessoas perderam o emprego e saem menos, então fica melhor pagar só a diária", observa.

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Foto por Guilherme Santana/VICE.

Ainda assim, apesar da falta de opções além do bicicletário para os ciclistas, a população de Mauá resiste. Em um rápido passeio pelas vagas da Ascobike, é possível notar a diversidade das mafrelas: há desde os modelos caros de corrida ou motorizados até as puxadas pro estilo caiçara, e ainda algumas mais simplonas e outras personalizadas ao gosto do proprietário entre adesivos da Jamaica e dizeres religiosos. A segurança de toda a frota é outro caso a parte. Além da atenção dos funcionários, ainda há a ajuda dos cães de guarda Pipoca e Negão, os mascotes do lugar.

A história da dupla canina é curiosa. "Uma vez apareceu um cara perguntando se ele podia deixar a bicicleta e a cadela dele aqui e pegar mais tarde", contou o Rafael. "O problema é que ele nunca voltou pra pegar nem uma e nem outra. Aí começou a aparecer uns garanhões da região interessados na cadela. Depois que ela foi adotada por uma associada, o Pipoca e o Negão continuaram por aqui e a gente gostou. Além de seguranças, eles são uma boa companhia. E não precisamos nem comprar ração, porque alguns associados gostam tanto deles que fazem questão de trazer a ração pros dois."

Foto por Guilherme Santana/VICE.

Foto por Guilherme Santana/VICE.

Foto por Guilherme Santana/VICE.

O fim de tarde chega e mais um ciclista se aproxima. O Pipoca e o Negão chegam juntos, dão farejadas em volta dele e abanam o rabo. É que o Moisés da Silva já é de casa. "Eu guardo a bicicleta aqui desde 2007", diz ele ao lado de sua bike praiana, com o pneu torto e murcho. "É que desviei de um cachorro que passou na minha frente e, quando bati na calçada, meu pneu desmontou", explicou, enquanto os dogs da Ascobike agem como se não tivessem nada com isso.

Acesse o site www.projetociclos.com.br  e assista ao documentário sobre mobilidade urbana que fizemos em parceira com o Itaú.