FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Conheça o cineasta que quer veganizar os festivais de música eletrônica

Diretor do documentário ‘Cowspiracy’, Kip Anderson tenta provar que a pecuária é o principal causador de danos ao meio ambiente e começa a ter raves como aliadas da sua tese.
Erez Avissar

Numa escura tarde de quarta-feira de meados de janeiro, tirei meus sapatos e fui andando em direção à praia em Tulum, no México, onde um novo festival, chamado Comunité, ia pelo meio de suas 15 horas de duração. O ar estava frio e úmido, e o vento chicoteava o oceano inquieto como uma dominatrix enfurecida. Eu estava cansada até os ossos, tendo vindo direto de uma longa noite de festa no The BPM Festival em Playa Del Carmen, uma cidade turística a cerca de uma hora de distância, numa sonolenta viagem de táxi.

Publicidade

Embora tanto o The BPM Festival quanto o Comunité sejam bacanais praianos que tendem para o lado do house e do techno, há mundos de distância entre os objetivos de um e de outro, entre os tipos de pessoas que eles atraem, e o estado de espírito que vibra no ar. O primeiro é basicamente o SXSW do México – uma imensa maratona de mais de 10 dias, com mais de 375 artistas tocando em 11 espaços, incluindo um gigantesco palco ao ar livre iluminado por LEDs chamado The Jungle, e diversas boates.

O Comunité, por outro lado, parece mais um evento intimista e tranquilão, com as pessoas enroladas em longos xales se abraçando umas às outras e dançando sob toldos de velas brancas. Seus dois palcos ao lado do mar, construídos como cabanas de madeira com tetos de palha, estavam a um minuto de caminhada um do outro, e o pós-festa foi promovido pelo selo alemão Giegling em uma mansão que foi propriedade de um dos mais notórios traficantes de drogas do mundo, Pablo Escobar. O inexperiente festival também coloca uma ênfase maior em talentos locais, com o astro em ascensão da Cidade do México AAAA (se apresentado ao vivo com Tin Man, este sob o brilhante pseudônimo Tin Maaaan), os fundadores do CVMR Juann & Jonn, e Baby Vulture, que colaborou recentemente com Magda, se juntando aos destaques internacionais Moodymann, Dasha Redkina, e Andrés.

Comunité

Conheci Kip Anderson sentada num barco de madeira castigado pelas intempéries que estava ancorado na praia, enquanto dividia um baseado com meus amigos. O cabeludo cineasta californiano me estendeu uma mão firme e me puxou do barco, para procurarmos um canto tranquilo e conversar sobre seu filme mais recente – um documentário lançado durante o verão de 2014 (e relançado no Netflix em setembro do ano passado, com Leonardo DiCaprio como produtor-executivo) chamado Cowspiracy: o Segredo da Sustentabilidade. Anderson também supervisionou o programa de alimentos e bebidas do Comunité, exibiu seu filme no festival, montou uma instalação de arte que mostrava fatos impressionantes sobre o meio ambiente, e até convenceu alguns DJs a espalhar ainda mais a palavra, usando camisetas nas quais os mencionados fatos estavam impressos.

Publicidade

O filme de Anderson e do codiretor Keegan Kuhn é baseado numa premissa assustadora: eles alegam que os grupos ambientalistas estão ignorando deliberadamente o culpado número da mudança climática global – o nosso consumo de carne. Cowspiracy argumenta que a pecuária é a principal causa dos danos ambientais, através de fatores como os gases do efeito estufa, o consumo de água, e a extinção da vida selvagem. O documentário também sugere que grupos ambientalistas como o próprio Greenpeace tomam a decisão deliberada de não abordar essa questão. "Eles não só optam por não abordar o assunto – eles chegam quase a acobertá-lo", disse Anderson, com a testa franzida.

O pós-festa promovido pela Giegling na ex-mansão de Pablo Escobar, que está sendo convertida em um hotel.

Para criar a consciência de como não comer carne pode salvar o planeta, Anderson trabalhou com o Comunité para ajudar o festival, que tem tendências ambientalistas, a desenvolver um cardápio de alimentos e bebidas completamente vegano – um feito que ele afirma ser o primeiro do tipo em todo o mundo. Abaixo, conversei com o cineasta sobre por que ele acha que nosso vício por comer carne está assassinando o planeta, sobre como os DJs podem ser porta-vozes eficientes do ativismo ambiental, e sobre a hipocrisia de festivais "verdes" como o Lightning in a Bottle e o Desert Hearts que vendem hambúrgueres.

THUMP: E aí Kip! De que trata o Cowspiracy? Kip Anderson: É um filme que fala sobre a indústria da pecuária. Criar animais para servir de alimento é a causa número um de destruição do meio ambiente. Isso está destruindo as plantas. É a principal causa dos gases do efeito estufa criados pelo homem. É a principal causa do consumo de água. É a principal causa da poluição da água. E é a principal causa da extinção de espécies e da destruição das florestas tropicais. E a ironia toda é que isso está acontecendo, mas os grupos ambientalistas como o Greenpeace, o Sierra Club não falam no assunto, chegando quase a acobertá-lo.

Publicidade

Frequentadores do festival na praia

E por que não falam sobre o assunto?

Bom, é disso que o filme trata. Fazemos entrevistas constrangedoras com [esses grupos ambientalistas]. O resumo é que eles não acham que [fazer com que as pessoas parem de comer carne] vá lhes render dinheiro, então eles se preocupam mais com receber financiamento do que se preocupar com o planeta. Eles não acham de modo algum que essa seja uma campanha "vencedora". Ninguém quer ouvir as palavras "você não vai vencer".

Você é uma pessoa da dance music?

Bom, não sou DJ nem nada assim, mas curto a música. Eu vou a um bom tanto de festivais que se focam na comunidade ou no meio ambiente, como o Burning Man.

Como você, sendo um cineasta que mora na Califórnia, acabou se envolvendo com esse pequeno festival no México?

As pessoas responsáveis pelo festival assistiram ao meu filme e ficaram impressionadíssimas, tipo totalmente transformadas. Então eles entraram em contato comigo e disseram: "Venha pra cá. Queremos que isso aqui seja verdadeiramente sustentável". O nome deles é Comunité – comunidade – e o lance deles é total a sustentabilidade, e não ficar vivendo só dentro da sua bolha confortável. A melhor maneira, a maneira mais poderosa de você fazer isso é [por meio] do que você coloca no prato. Eu ajudei com o cardápio e supervisionei o que eles tinham.

Quando você opta por não comer produtos animais, carne ou laticínios, nessa hora está colocando alguma coisa acima dos seus próprios desejos, ou do seu vício pela coisa. Então, acho que esse é o primeiro festival de música no mundo em que todas as refeições são veganas — em mesmo vegetarianas, mas veganas. Eles são o primeiro festival que não fica só no discurso. Eu frequento o [festival transformacional californiano] Lightning in a Bottle, já ouviu falar dele?

Publicidade

Ahã.

Eles falam da coisa, e aí você vai ver e eles estão servindo frango e carne vermelha. Assim tudo vai por água abaixo, porque você tem painéis de energia solar, mas, se está servindo carne, não tem nada que chegue nem perto. É a pior coisa possível para o planeta.

Andrés, de Detroit

Você mencionou o Lightning in a Bottle, e tem um monte de festivais nos EUA e em outros países que têm esse aspecto ambientalista. Você acha que isso às vezes pode ser uma jogada publicitária?

É totalmente uma jogada publicitária. É disso que trata o filme. Quando você vai ver, alguns dos grupos, a profissão deles é fazer milhões de dólares com o meio ambiente. E quando os entrevistamos, alguns deles realmente não sabem dessa informação. Mas é total uma jogada publicitária, e é isso que é tão frustrante, e foi uma enorme inspiração para criar o filme. Como ganhar dinheiro com a palavra "sustentabilidade", como ganhar dinheiro com a palavra "consciência". [Festivais como o Lightning in a Bottle] fazem tudo exceto a coisa mais importante que se pode fazer. Eles não fazem porque acham que é um pouco radical demais, ou acham que as pessoas não vão gostar, ou que elas talvez desistam de ir.

Eles não vão até o fim.

Sim, é essencialmente chamar o seu festival de "um festival saudável", e está lá você oferecendo cigarros.

De onde vem a comida do Comunité?

Não sei. Eu não penso em termos locais. Muitas pessoas têm essa mentalidade, mas você obter [os alimentos] daqui ou da Austrália tem uma pegada ecológica minúscula no impacto ambiental. Os gases do efeito estufa [emitidos por se preferir as fontes locais] são apenas cerca de quatro por cento de toda a emissão de carbono. Então essa é uma outra coisa. As pessoas dizem "o meu lance é focar no que é local", ou "o meu lance é ser sustentável". Ser local não significa muita coisa.

Publicidade

Você fez alguma outra coisa para ajudar o Comunité a ser consciente do meio ambiente?

Sim, criamos algumas instalações que mostram o quanto – isso só nas 18 horas [de duração do festival] – das florestas nós salvamos, o quanto de água economizamos, o quanto de emissão de CO2 e gases do efeito estufa evitamos, só pelo fato de sermos totalmente veganos, comendo só plantas.

AAAA, astro em ascensão da Cidade do México

O Comunité exibiu o filme?

Sim, passei o filme para todos os DJs e todos os artistas. E fizemos um jantar vegano muito legal, informando [as pessoas] do motivo de isso ser uma parte importante do festival. Alguns dos DJs estão até mesmo usando camisetas com os fatos tirados do filme. Com o Boiler Room [fazendo streaming ao vivo do festival], temos milhões de pessoas vendo isso – é legal ver que é aqui que está a informação.

O que você acha dos festivais de música serem um veículo para o ambientalismo?

Acho que é uma coisa superpoderosa. É por isso que coloco mensagens nas camisetas dos DJs. Você acaba realmente influenciando as pessoas, especialmente os garotos cool. São as pessoas cool as que realmente estão pensando fora das normas, e quando as pessoas são estimuladas a desenvolver uma consciência plena, elas viram um veículo para inspirar todos os outros.

Cowspiracy está disponível na Netflix.

Michelle Lhooq é a editora de reportagem do THUMP. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler.

Siga o THUMP nas redes Facebook // Soundcloud // Twitter.