Tive uma conversa escaldante com Ted Lee, o patrão da Feeding Tube

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Música

Tive uma conversa escaldante com Ted Lee, o patrão da Feeding Tube

Descobri que é um gajo que sabe tudo sobre música estranha.

Falar com Ted Lee sobre música é como ser atraído para dentro de um furacão, que nos sobrecarrega de referências e ideias, como um enxerto de porrada “enriquecedor”. Não é fácil acompanhar o principal rosto da Feeding Tube Records, enquanto este dispara factos e opiniões sobre os discos que editou, mas, depois de serenado o furacão, é muitas vezes impossível não ficar, pelo menos, intrigado por muitos dos destroços que sobraram da conversa. Aliás, o espectro estilístico da Feeding Tube é de tal modo variado e estranho, que o mais certo é que cada um, por mais excêntrico que seja o seu gosto, descubra no catálogo o disco ideal para cultivar como um fetiche.

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Na sua essência, a Feeding Tube Records oferece aos apreciadores de “out music” tudo aquilo que desejam, lado a lado com um monte de lançamentos muitas vezes inimagináveis (foi você que pediu uma luxuosa compilação de canções originalmente editadas em cassetes de jogos para Spectrum?). Contudo, a label de Massachusetts, que funciona também como loja de discos e livraria, não dependeu apenas de Ted Lee para passar a ser um ponto incontornável de qualquer roteiro da música mais transgressora vinda dos Estados Unidos. Há muitos anos atentos a tudo o que se passa nesse panorama, Thurston Moore (é preciso apresentá-lo?) e Byron Coley (incansável divulgador de novos sons na revista Spin e na distribuidora Forced Exposure) foram também decisivos na selecção dos discos que viriam a formar a identidade distinta da Feeding Tube. Mesmo sem esquecer os aliados Thurston Moore e Byron Coley, a conversa que se segue é um “mano a mano” com Ted Lee em torno dos mais surpreendentes discos no passado recente da Feeding Tube, label “nos limites da obscuridade” (tal como diz o lema estampado nos autocolantes da casa-forte de Massachusetts). Não houve tempo para tudo, como é óbvio, mas fica-vos entregue a oportunidade de partir à descoberta de Mars — Live at Irving Plaza (concerto visceral da instituição no-wave gravado por Brian Eno, em 1978) ou de A Study in Eraser Headless Tape Recording, para entender como Son of Salami é único no universo actual da canção lo-fi (alguém que grava uma pista sobre pista só escutando o resultado no final?). De resto, foram muitos os álbuns igualmente preciosos da Feeding Tube que aqueceram a seguinte conversa com esse furacão de música aventureira que é Ted Lee. O Ted Lee. Fotografia por Abby Rusk. VICE: Olá, Ted. Como estás?
Ted Lee: Doente como um cão, mas tão ocupado e excitado como sempre. Pá, parece que a minha cabeça, à medida que fica cheia de tarefas, manda mais sangue para a pila. Isso também acontece contigo? Comigo acontece. Tento moderar o impulso para copular e transformo aquela fantástica energia orgânica em bom trabalho. Pode ser uma luta, mas é mesmo assim. Ainda bem que falaste de tesão, porque parece que toda a gente que passou muito tempo no Fort Thunder, em Providence, acabou por fazer montes de coisas interessantes e com uma energia aparentemente inesgotável. Quais te parecem os momentos-chave desse período, em Providence, que viu nascer os Lightning Bolt e que ainda hoje ecoa por tantos projectos?
Frequentava o liceu quando esse espaço atingiu o seu auge, e passei lá muitas noites totalmente nu e de olhos bem abertos, se é que me entendes. Era um bom lugar para estar receptivo a toda a efervescência proveniente daquele núcleo cheio de génio e inovação. O Fort Thunder recebia sempre as melhores performances: gajas nuas, accionistas ao estilo de Viena, projecções pornográficas que ocupavam paredes inteiras. O próprio lugar era uma peça de arte completamente funcional. Aquela merda brilhava com todo o tipo de humidades e astúcias. Que aspectos é que eram singulares no Fort Thunder?
Acho que o que tornava aquele lugar fantástico era a quantidade de vitalidade positiva gerada pelas pessoas que lá viviam diariamente (à parte de alguns tipos que tinham muito mau hálito). A arte fluía, as pessoas estavam felizes, e o que estava acontecer ali era, no fundo, uma oportunidade única. Tudo avançava à velocidade máxima em todas as frentes ao mesmo tempo. Quase como alguém de pau feito a montar um jarro ou cena assim. Acredito que haja um efeito igualmente inspirador na companhia de um gajo como o Thurston Moore, que muitas vezes precisa apenas de alguns minutos para convencer-te a ouvir um disco. A partir do teu convívio com ele, de que maneira achas que o critério do Thurston influenciou algumas das tuas escolhas para a editora?
O Thurston sabe certamente transformar a merda em ouro, quando está a falar de discos. Ele foi crucial na transformação da identidade da loja e na escolha do stock, especialmente quando estávamos a começar. Ele e o Byron (Coley) são um pouco como o Scooby-doo e o Shaggy: desconheces qual é o mais inteligente, mas interrompem imediatamente o que estiverem a fazer assim que aparecem os seus biscoitos Scooby na forma de discos preciosos, ou um bom bootleg de Albert Ayler. Gostamos do mesmo tipo de coisas, por isso as suas recomendações para o stock da loja e para a label são sempre tidas em conta. A banda dele ensaiava na parte de trás da livraria e foi por aí que começaram. E parece-me que escreveu muitas das letras de Chelsea Light Moving a partir dos títulos que conseguia ler nas lombadas da livraria. Quanto a haver um caminho guiado pelo Thurston, acho que primeiro é necessário ter a altura suficiente para entendê-lo. Fala-me mais dessa livraria em que a banda do Thurston costumava ensaiar. Está ligada à loja de discos? Que tipo de livros vende?
Na verdade, a loja da Feeding Tube tem uma parte inteiramente reservada para livros, que provêm da velha Glass Eye Books e da Waxwing Books. O stock é muito variado: muita poesia, romances, livros sobre arte e de géneros como a ficção-cientifica e acção. Tenho a certeza de que o Thurston retirou muitas das suas letras de livros de poesia e de outros sobre a década de 60. Que editoras e catálogos te influenciaram na formação da Feeding Tube?
Mississipi Records, Ultra Eczema, Futura, Radiotaxi, Cramps, Takoma, Gate 5, Saturn Research, Load, etc. Todas aquelas que são verdadeiramente independentes. A música dos Happy Jawbone Family Band bateu-me forte e The Complete Hotel Double Tragedy tem tudo para ser um novo testamento para as bandas indie que funcionam como comunidades mais ou menos freaks. Lembram-me um pouco dos Olivia Tremor Control pela forma como te atraem cada vez mais à medida que escutas cada novo disco. Eras capaz de me falar um pouco sobre a tua relação com a banda?
Assim que os vi a tocar, há três anos ou isso, apaixonei-me instantaneamente pelo som deles. Estava na rua a fumar com o Luke, o principal vocalista, e disse-lhe: “Bora fazer um disco”. Foi tão simples quanto isso. Tenho ido a concertos durante grande parte da minha vida e a maioria deles são estáticos. Com os Happy Jawbone, vi as pessoas a abanarem-se e a amarem-se. Muito suor. Isso deixa-me empolgado. Fiquei igualmente entusiasmado com as propriedades da lo-fi que criam ao vivo e com a evolução do som deles, que nunca passa a ser uma escalada vertical totalmente consciente. Tem sido uma honra poder lançar a música deles. Acho que já lançámos quatro álbuns e um single. E ao vivo eles são constantemente impressionantes. Embora eles trabalhem com muitas editoras, a Feeding Tube orgulha-se de partilhar a música que fazem com o mundo. Pelo que ouvi de ZEBU!, diria que há um factor-surpresa inerente à filosofia da banda, muito por causa do modo como percorre géneros da mesma maneira que um tubarão come peixes pequenos. Os ZEBU! funcionaram sempre como um metamorfo? Conseguem surpreender mesmo os amigos mais próximos com as novas direcções tomadas pela banda?
Os ZEBU! são uma unidade de improvisação, que costuma rasgar pano nas suas canções e concertos bastante divertidos. Sempre fomos dispersos em termos de géneros: começámos por tocar rock, depois noise, depois surf rock e sei lá que mais. Demos a volta a tudo para agora voltarmos ao mesmo ponto. Eu e o Steve tocámos com ZEBU! há mais de dez anos e isso faz com que nos conheçamos tão intimamente como amantes desavindos há muito tempo. Ensaiávamos como loucos quando frequentávamos a Universidade de Hampshire, e agora entendemos a fluência musical um do outro de uma maneira que torna tudo completamente natural ao vivo. Acho que toda a gente ficou surpreendida com o nosso disco de surf music: Chill Wave. Aquela merda foi o primeiro dos nossos discos a esgotar! Acho que as pessoas sentem a necessidade de ser desafiadas pelo que escutam e de fazer parte de qualquer coisa fixe. Os ZEBU! são a merda mais fixe de sempre. Muito mais do que qualquer barrete hipster que possa ter aparecido e ido com o caralho. Ultimamente temos estado a gravar um disco de jazz tradicional com a Glenna Van Nostrand (Omnivore). Ela tem uma voz absolutamente adorável e vinda do outro mundo. E esse disco será tão diferente como todos os outros eram entre eles. Não sei ao certo se muitos dos nossos amigos ainda são apanhados de surpresa por tudo isto, mas espero que alguns sejam. Vivo numa vila onde é quase lei fazer surf. Enquanto escutava o Chill Wave, de ZEBU!, ocorreu-me perguntar se algum de vocês por acaso já se meteu em cima de uma tábua.
O Steve tentou surfar e quase se afogou. Ele é do Bronx e só visitou um oceano real quando tinha 22 anos. Na verdade, ambos temos vasta experiência em afogamentos eminentes. Felizmente, muitos destes “afogamentos” estão ligados à música. O Steve, eu e o Simon (dos infames Guerilla Toss) estamos a aprender as quinze invenções de Bach para um dos nossos próximos álbuns — tens muita água conceptual onde te afogar. Na Feeding Tube agrada-me bastante a imprevisibilidade de discos como aquele de Pimania. Sentes que a curiosidade pela Feeding Tube está a crescer um pouco por toda a parte ou é principalmente em Massachusetts e outras cidades dos Estados Unidos?
Espero só mesmo que as pessoas gostem tanto dos discos quanto eu! Bem, é uma loucura pensar em todas as bandas incríveis que existem em Massachusets e arredores. Quanto à curiosidade crescente, gosto de pensar que somos parecidos com os cigarros Pall Mall, na medida em que será possível encontrar a Feeding Tube Records “onde quer que haja pessoas com um gosto particular”. A cena está gigante hoje em dia e acredito que qualquer “bom conhecedor” tenha uma ideia do que a Feeding Tube anda a fazer. Voltando ainda ao disco de Pimania, posso dizer que fiquei parvo com essa edição e com toda a informação que traz. Nunca esperaria que fosse possível ter canções originais nas mesmas cassetes que os jogos de Spectrum. Como ficaste a par da música do Max Croucher? 
A minha amiga Caroline Bren levou-me a esse tipo de música fantástica dos anos 80 feita com computadores — isto quando os jogos saíam em cassete. E não eram apenas jogos. Eram também puzzles. A companhia do Max Croucher era contra a violência nos jogos e fez alguma da mais impressionante música que já ouvi. Nunca os meus pequenos ouvidos tinham passado por sons e canções tão bizarras. A Caroline tratou de toda a parte artística desse lançamento e fez toda a diferença ao estabelecer a ponte entre as duas partes. Sinto uma enorme gratidão por me ter exposto a este tipo de música e arte. Interrogo-me se esse teu gosto pela música computorizada dos anos 80 não se estende a algum jogo em particular desse tempo. Parece-me que o ZX Spectrum teve um impacto bem mais estrondoso na Europa, mas há algum jogo que te tenha marcado especialmente?
Nasci em 1982 e por isso esse foi um mundo que descobri em retrospectiva. Mas posso dizer que adoro o Custer’s Revenge, da Mystique. Tem sido uma companhia constante desde que me foi apresentado por um amigo. E como apresentarias o Gary Wilson a alguém que nunca ouviu falar dele?
O Gary Wilson é um génio. Ele fez um dos meus discos favoritos na sua cave, em Endicott, Nova Iorque. O gajo canta sobre mulheres reais e imaginárias, sobre andar pela floresta de noite e estar apaixonado. Descobri-o em 2001, quando ainda andava no liceu, em Providence. A revista Times dedicou um artigo à sua obra-prima You Think You Really Know Me. Fiquei viciado desde aí. Eventualmente tornámo-nos mais ou menos amigos, e marquei alguns concertos dele, em Massachusetts, quando andava na universidade de Hampshire. Os seus concertos são brutais. O Gary faz sempre merdas com farinha e está geralmente rodeado de bonecas insufláveis e trapos. Maravilhoso. Suponho que o planeamento dos lançamentos da Feeding Tube te leve por vezes a ideias totalmente fora, que podem até infiltrar-se no teu subconsciente de trabalhador imparável. Chegas mesmo a sonhar com discos impossíveis de conceber?
Houve um tempo em que sonhava muito com prensagens de vinil: via-me a andar por fábricas gigantes enquanto os discos eram feitos. Certa vez até sonhei com o Michael Hurley a tocar numa floresta e com o disco da gravação a ser fabricado ali mesmo ao vivo. A maior parte do planeamento acontece na loja, onde o Byron e eu atiramos barro à parede como se não houvesse amanhã. Nunca chegamos a coisa nenhuma, mas é divertido. Reparo que existem lançamentos da Feeding Tube com edições limitadas a uma só cópia. Existe algum humor nessa opção, certo?Tens noção dos mitos que há em torno desse tipo de edições?
Existe uma longa tradição de edições limitadas a uma cópia. Chamam-se “arte original”. Mas, sim, é claro que existe humor nesse processo. Os Egg Eggs (habituais nas cópias isoladas) estão a tentar estabelecer um recorde como banda mais produtiva de sempre (em complemento a serem a melhor banda de sempre). E quando fazes cassetes e acetatos, é possível produzir em quantidades suficientemente reduzidas para levar os coleccionadores à loucura. Todos ganham, parece-me. Não podia deixar de te perguntar sobre que novidades podemos esperar da Feeding Tube até ao final do ano. 
Bem. Vamos ter álbuns de Los Condenados, Tooth Ache, Noise Nomads, Hi Sheriffs of Blue, Jack Ruby (duplo LP), Asian Women on the Telephone e uma caixa de Chris Weisman. Além disso, também um monte de acetatos de várias bandas da zona oeste de Massachusetts. Depois haverá discos de Dredd Foole e Bem Chasny, Byran, The Haggard, com Dr. Eugene Chardbourne, Devin Gary & Ross (duplo LP), Hurricanes of Love (duplo LP), Owen Maercks, Cloud Becomes Your Hand e You Think You Really Know me, do Gary Wilson. Há também outros tantos por confirmar. Obrigado, Ted. Fotografia por Sasha Hsuczyk

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