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Os Relatórios de Ferguson Mostram Exatamente como É Viver num Estado Policial

O relatório oficialmente liberado detalha como oficiais e policiais da cidade, motivados pelo desejo de aumentar a receita ou por pura e simples intolerância, violam sistemática e rotineiramente os direitos dos cidadãos dos EUA.

Na semana retrasada, vários meios de comunicação começaram a vazar partes das informações do relatório da investigação federal sobre o Departamento de Polícia de Ferguson, ansiosamente aguardado desde que a investigação foi iniciada em setembro passado. O relatório oficialmente liberado detalha como oficiais e policiais da cidade, motivados pelo desejo de aumentar a receita ou por pura e simples intolerância, violam sistemática e rotineiramente os direitos da Primeira, Quarta, e Décima Quarta Emendas dos cidadãos dos EUA.

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Dos 54 policiais do Departamento de Polícia de Ferguson, apenas quatro são afro-americanos. Um grande desacordo com a população da cidade, que mudou muito nos últimos 20 e se tornou 67% negra. Embora todo mundo soubesse que o Departamento de Justiça ia arrasar Ferguson, agora sabemos, por exemplo, que, "parcialmente em consequência das prioridades da cidade e do FPD, muitos oficiais parecem ver alguns residentes, especialmente aqueles que moram nos bairros predominantemente afro-americanos, menos como constituintes a serem protegidos, e mais como criminosos em potencial e fontes de receita", como colocaram os autores do relatório.

Também temos exemplos específicos do que é ser negro e viver na cidade – que é tipo ser um personagem de uma ficção distópica. De acordo com o relatório, os policiais de Ferguson se envolvem regularmente em "ped checks" ou "Terry stops" – gírias para parar e revistar pessoas nas ruas sem razão aparente. Aqui está um dos muitos casos descobertos pelo Departamento de Justiça em que os cidadãos são vistos como cifrões de dólar pelos policiais:

No verão de 2012, um afro-americano de 32 anos estava sentado em seu carro, descansando depois de jogar basquete num parque público de Ferguson. Um policial parou atrás do carro dele, o bloqueando, e exigiu o número do seguro social e a identificação do homem.

Sem nenhum caso, o policial acusou o homem de ser um pedófilo, se referindo à presença de crianças no parque, e ordenou que o homem saísse do carro para ser revistado, apesar de o policial não ter nenhuma razão para acreditar que ele estivesse armado. O policial também revistou o carro do homem. O homem se opôs, citando seus direitos constitucionais.

Em resposta, o policial o prendeu, supostamente sob a mira da arma, o acusando de oito violações do código municipal de Ferguson. Uma das acusações, "Fazer uma Falsa Declaração", foi inicialmente ter fornecido a versão mais curta de seu primeiro nome (por exemplo, "Mike" em vez de "Michael") e um endereço, que, apesar de legítimo, era diferente do que constava na licença de motorista. Outra ofensa foi não estar usando cinto de segurança, apesar de o acusado estar sentado num carro estacionado. O policial também acusou o homem de ter uma licença de operador vencida e de não ter uma licença de operador com ele.

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O homem perdeu seu trabalho no governo como resultado da prisão, de acordo com o relatório.

Outro exemplo ocorreu em março de 2013, quando oficias foram até a delegacia tomar a custódia de um homem procurado num mandado estadual:

Quando chegaram, eles encontraram um outro homem – não aquele sujeito ao mandado –, que estava saindo da delegacia. Não tendo nada para ligar o homem ao mandado, fora sua presença na delegacia, os oficiais mesmo assim o pararam e pediram sua identidade. O homem quis fazer valer seus direitos, perguntando aos policiais "Por que vocês precisam saber?" e se recusando a ser revistado. Quando o homem estendeu sua identidade aos policiais, os oficiais interpretaram seu movimento como uma tentativa de ataque e o derrubaram no chão.

E essa tática de "prender por prender" não poupa nem crianças, de acordo com a documentação do relatório de um incidente de fevereiro de 2014, quando policiais responderam a um grupo de garotas afro-americanas "brincado de luta" depois da escola:

Quando uma das garotas mostrou o dedo do meio para a testemunha branca que tinha chamado a polícia, um policial ordenou que ela se aproximasse dele. Uma das amigas da garota a acompanhou. Embora a amiga tivesse o direito de estar presente e observar a situação… os oficiais ordenaram que ela se afastasse e depois tentaram prendê-la quando ela se recusou.

Pais levando os filhos ao parque também não estão seguros, como mostra um incidente de junho de 2014. Um casal afro-americano teria permitido que os filhos pequenos urinassem nos arbustos perto do carro estacionado, o que logo causou um grande problema:

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Um oficial os parou, ameaçando citá-los por permitir que as crianças "se expusessem", e verificou se os pais eram procurados. Quando a mãe perguntou se o policial tinha de deter o pai na frente das crianças, o oficial virou para o pai e disse: "Você vai para a cadeia porque sua esposa não sabe calar a boca". A mãe, então, começou a gravar o policial com seu celular. O policial ficou irado, declarando "Não me grave!". Enquanto o policial levava o pai sob custódia por "negligência", a mãe dirigiu atrás deles, continuando a filmar. O policial, então, parou e prendou a mulher por violações de trânsito. Quando o pai pediu que o policial mostrasse compaixão, ele respondeu "Sem compaixão, já que ela quer me gravar" e declarou "Ninguém me grava".

Depois de prestar contas, o casal viu que o vídeo tinha sido deletado do celular.

Além do padrão recorrente de parar, provocar e prender negros por acusações inventadas, há também anedotas assustadoras sobre mau uso de cães policiais e tasers afetando desproporcionalmente afro-americanos.

"Oficiais afirmam que usam cães para extrair suspeitos escondidos em espaços fechados", segundo os autores do relatório, dando o exemplo de um garoto de 16 anos, que, acusado de roubar um carro, correu e se escondeu no closet de uma casa abandonada, sendo depois arrastado do espaço fechado pelas pernas por uma unidade canina.

Há uma seção inteira sobre uso indevido de choques. Por exemplo: o caso de um homem detido sem razão em janeiro de 2013. O policial o eletrocutou uma vez; e depois, dizendo que o homem tentava se levantar, o eletrocutou de novo por 20 segundos. No entanto, há um vídeo no aparelho que mostra que isso foi completamente desnecessário, mesmo se o policial tivesse motivo para parar o homem. "O vídeo deixa claro que o homem nunca tentou se levantar: ele só se contorcia no chão de dor", atesta o relatório.

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Há muitos e muitos outros exemplos de prisões forçadas e ilegais em Ferguson no relatório. Se você tem curiosidade de saber como é viver num verdadeiro estado policial, você pode ler a coisa toda aqui.

Além disso, a cidade não oferece uma opção de serviço comunitário para os detidos, o que significa que os pobres pegos por acusações forjadas ou totalmente falsas geralmente ficam presos num círculo vicioso de pagamentos perdidos no tribunal e acabam voltando à cadeia.

E isso parece ser exatamente o que a cidade quer. Em março de 2011, o chefe de polícia relatou ao administrador municipal que a receita do tribunal em fevereiro foi de US$ 179.862,50 e que esse total "ultrapassa nosso maior mês nos últimos quatro anos por US$ 17 mil". "Maravilhoso!", respondeu o administrador.

A cidade deve pagar uma indenização – ou, provavelmente, vai enfrentar um processo do governo americano.

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Tradução: Marina Schnoor