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Música

Boris e Merzbow trazem o que há de mais desolador um no outro no seu álbum colaborativo

A banda e o músico fizeram, cada um, um disco — que devem ser ouvidos juntos.

Foto cedida pelos artistas

Esta matéria foi originalmente publicada no THUMP

Na última sexta, 18 de março, os internautas do metal de vanguarda Boris voltaram com seu 6º álbum em colaboração com Masami Akita, mais conhecido como Merzbow, um dos primeiros músicos de harsh noise instrumental a ganhar amplo reconhecimento pelo mundo. Começando em 2002, o funéreo trio se juntou ao (de)compositor eletrônico para uma série de discos mais imediatos e de outro mundo que qualquer outra coisa que ambos já haviam gravado. Os ruídos lancinantes de Merzbow parecem ainda mais estremecedores ao lado dos graves da banda, e o peso desnorteado da banda recebeu um novo choque e vivacidade ao ser preenchido com os gemidos electro de Akita. É como se cada um tivesse encontrado a ligação de elétrons de uma reação química bastante volátil — ambos começando com ouro e juntos criando algo denso e venenoso como chumbo.

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Seu novo disco intitulado Gensho é mais uma empreitada ambiciosa para os colaboradores. Em vez de juntarem suas colaborações nas mesmas gravações, este novo disco envolve dois conjuntos de LPs duplos, gravados separadamente por Boris e Merzbow, mas que devem ser reproduzidos em dois toca-discos diferentes (ou CD players, caso opte por este formato). O press release sugere que você ouça os discos em diferentes volumes em audições subsequentes de forma a criar um diferente “gensho/fenômeno” a cada vez. Em uma audição você pode priorizar os coaxos e borbulhos distorcidos do Merzbow, e na outra, pode afundar no baixo sufocante do Boris. É como uma versão drone-metal daqueles livrinhos escolha-sua-aventura, em que você pode criar narrativas bastante aterradoras.

Mesmo além do conceito Zaireeka-para-aberrações por trás do disco, a música por si só é bastante interessante. O set do Boris conta com algumas novas faixas, mas na maior parte do tempo mostra versões regravadas de clássicos, como a pesadíssima “Vomitself” e a apropriadamente intitulada “Huge” do Amplifier Worship, a raivosa faixa título de Akuma no Uta, o surpreendentemente celestial cover de “Sometimes” do My Blood Valentine e até mesmo algumas faixas que haviam passado pelo rolo compressor do Merzbow anteriormente (“Rainbow” e “Farewell” de Rock Dream). Uma grande diferença entre estas interpretações e as antigas é a sua falta de batidas. Que uma personalidade pomposa como a de Atsuo deixe de lado seu papel comum e foque na percussão de fundo, efeitos eletrônicos e voz, mostra sua visão e direcionamento para o grupo. Para compensar, as músicas estão mais pesadas que nunca, com “Huge” por exemplo nos levando aos primórdios do Boris, quando era a banda mais pesada no vácuo entre Earth e Sunn O))).

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As gravações do Merzbow para esta colaboração são completamente novas, fazendo uso pesado de sintetizadores analógicas. Ambos os títulos das faixas (“Planet of the Cows” e “Goloka”, sânscrito que significa “mundo das vacas”) e a quebradeira sugerem que estas gravações são descendentes da trilogia vegana do mestre do noise lançada em 2011, inspirada em vacas védicas, apropriadamente batizada de Merzcow. Os ruídos entrecortados combinam bem com as composições esmagadoras do Boris, e seguindo as instruções, Gensho tem um efeito de englobar tudo diferente de tudo que foi lançado em conjunto pelos artistas até agora na última década e meia, mas mesmo que você ignore suas recomendações e ouça tudo em ordem, ainda são discos belamente desoladores.

Antes do lançamento do álbum, Akita respondeu algumas perguntas sobre seu processo de produção. Durante nossas breves trocas de e-mails, o ícone noise esteve curiosamente relutante em falar sobre sua relação com o Boris – com quem trabalhou muito mais que quaisquer outros artistas nos últimos 15 anos – deixando seu trabalho colaborativo envolto em mistério no momento, apesar de ter comentado diversos outros projetos e colaborações atuais e futuros, incluindo com seu antigo parceiro de Merzbow, Kiyoshi Mizutani. Tão falante – ou seja, não muito – quanto se pode esperar de quem lança discos de noise de qualidade com a frequência com que as pessoas cortam o cabelo, Akita mesmo assim permaneceu autêntico e esclarecedor nas perguntas que escolheu responder.

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Leia a conversa abaixo junto com um streaming de Gensho que saiu pela Relapse Records. Para melhores resultados, seria interessante abrir outra aba do streaming em outro dispositivo e dar play nas partes do Boris e Merzbow ao mesmo tempo. Ou, para um fac-símile, abra duas abas desta matéria e faça o mesmo. Independentemente de como você queira mergulhar na obra, é uma experiência arrebatadora. Talvez seja uma boa ter uns lencinhos e ursinho de pelúcia por perto.

NOISEY: Brincando com o que foi feito em Gensho me fez perceber que em muitas das suas colaborações anteriores os sons surgiam de forma muito mais sutil e menos na cara que os ouvintes esperariam. Qual você acha que é seu papel ao se envolver em uma parceria?
Merzbow: Em Sun Baked Snow Cave [colaboração com o Boris de 2005], adicionei um pouco mais de espontaneidade semelhante a sons orgânicos. Desta vez tive como objetivo criar um vetor sonoro diferente. Ao contrário de tocar ao vivo, nesta parceria em estúdio, pensamos em criar uma terceira dimensão sonora que surge ao ser justaposta lado a lado, em vez de só misturar os sons um do outro.

Um artista com quem você e o Boris colaboraram de forma independente é Keiji Haino, com quem você lançará um novo disco em abril (An Untroublesome Defencelessness pela RareNoiseRecords). Ambos são lendas vegan straight-edge do underground japonês e fico curioso como funciona sua parceria com ele, é diferente de trabalhar com outras pessoas?
Ao trabalhar com Haino-san, sempre há uma tensão no ar que nunca se tornará uma harmonia preestabelecida. Se vai bem, é um milagre, caso contrário é um inferno. Por conta destas tensões, os resultados sempre são extremos opostos.

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Certamente há grandes diferenças entre as culturas japonesa e ocidental, sem contar a língua em geral. Levando em conta o quanto você trabalha com artistas ocidentais, fica claro que isto não é um problema pra você, mas você diria que faz alguma diferença?
Cada artista tem uma personalidade diferente, e nem sempre trabalhar com japoneses é mais fácil.

Há alguns anos você lançou um box de gravações em dupla com Kiyoshi Mizutani no final dos anos 80, antes dele deixar o Merzbow para focar na sua carreira solo. Você ainda tem contato com ele?
Para mim, a dupla com Mizutani existe na forma de uma experiência musical muito especial. Sempre que esbarro em algo que gravamos no passado, entro em contato com ele e lhe mando um disco ou CD.

Você poderia falar um pouco sobre como viver em Tóquio afetou sua vida na música? Especialmente ao ganhar notoriedade internacionalmente, imagino que sua relação com sua cidade natal tenha mudado.
Nasci em Tóquio, mas passei a infância em Nagoya e Hyogo (Honshu central, ao oeste de Tóquio). Porém, não tive contato com música até a segunda metade dos anos 60, já em Tóquio. Comecei a ouvir rock no ensino fundamental, e era uma experiência precária ir a diversos shows de rock durante o nascimento do gênero no Japão. Após montar uma banda com um amigo de escola no ensino médio em Tóquio, isso acabou me levando à música improvisada. Além disso, lembro de outro aspecto da influência de Tóquio, que era ouvir rock progressivo em um programa de rádio chamado “Beat Goes On” na estação Radio Kanto (hoje Radio Japan), que foi uma grande influência pra mim.

Desde que passei a tocar fora do país, não tenho mais em mente criar algo “de Tóquio” em especial. Hoje em dia também não me interessa dar atenção a Tóquio enquanto lugar ou o Japão enquanto país. O único motivo pelo qual estou aqui é porque em Tóquio está minha casa, minha família e meus companheiros animais.

Tradução: Thiago “Índio” Silva

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