Lembro-me de meus 15 anos e de ouvir certos amigos – amigos invariavelmente brancos, que só ganhavam vida quando cercados por outras pessoas brancas – fazendo nojentas piadas racistas em troca de uma risada qualquer. Ainda me lembro do exato sorriso com que me perguntavam “por que negros têm palmas brancas?” ou “qual é a diferença entre o Papai Noel e um judeu?” e a maneira alegre com que estas piadas eram ditas. Podemos criar uma relação direta entre uma criança de dois anos descobrindo o vocabulário que pode usar para descrever suas próprias fezes e um adolescente fazendo piadas racistas apenas porque sabem que não o deveriam. É o mesmo prazer mórbido de se quebrar um tabu.A piada que Justin Bieber fez não é o racismo passivo da xenofobia, ou o racismo antiquado e politicamente incorreto de Jeremy Clarkson. Trata-se do racismo satisfeito do National Front, piada infantil e de tom ameaçador – e que, definitivamente, não é piada. É intimidação que requer afirmação através do riso. Justin Bieber entende o desequilíbrio de poder que gera o preconceito e, embora provavelmente discorde dele, sabe que está do lado dominante desse desequilíbrio. Contar piadas racistas por diversão é como banhar-se em privilégio branco como um porco na lama.Particularmente notável é o fato de que, aos 15 anos, Justin Bieber tinha se cercado de músicos e produtores negros. Trabalhava intensivamente com Usher, Ludacris e o letrista Ezekiel Lewis. Bieber não era um bicho do mato escocês que não conhecia nada do mundo, era uma estrela internacional do R&B. De fato, assim como muitos músicos brancos, Justin Bieber se beneficiava do racismo inerente do mercado pop ao apropriar-se de estilos de música negra e reformulá-los a um público jovem branco.Como na época escreveu o Los Angeles Times, “apesar de criado em um subúrbio de classe média em Stratford, Ontario, os modos de agir e falar de Bieber (‘Firmeza? À pampa?’) sugerem que esteja imitando seus cantores de rap favoritos”.Voltamos novamente ao que parece um exemplo clássico de racismo: admirar e imitar uma cultura que tenta denegrir. Extraordinariamente, nem a garota sentada perto de Bieber, nem a pessoa entreouvida por trás da câmera, parecem hesitar quando ele faz as piadas. Em vez disso, a voz emite um ruído qualquer, indiferente. A falta de reação não só sugere que talvez não seja a primeira vez que ouvem o cantor fazer esse tipo de comentário, mas também é uma enorme evidência do motivo pelo qual crianças que chegam ao estrelato, especialmente Bieber, acabam tão mal. Se pessoas ao redor de Bieber não chegam a repreendê-lo nem por seu racismo, mesmo sabendo que está sendo filmado para um documentário, então sabemos que não o farão por nada, seja por tratamento violento aos fãs, declarações contra o aborto (mesmo em caso de estupro), ou até mesmo por usar uma tocha para escolher mulheres com quem quer dormir.Bieber pediu desculpas por seus comentários com uma foto no Twitter, o que também deve ser levado em consideração. Um ano atrás, Bieber escreveu aos fãs uma carta aberta, em que tentava esclarecer algumas alegações feitas contra ele na imprensa. A carta apresentava erros de ortografia e pontuação, incluindo frases como “se Alguém acha que preciso de reabilitação é idiotice de cada um lol Tenho 19 anos com 5 álbuns número um” (sic) e “conheço o nível do meu talento e sei que tenho a cabeça no lugar. sei quem eu sou e sei quem não sou Minha mensagem é acreditar” (sic).Contrariamente, este pedido de desculpas foi escrito em um inglês perfeito. Utiliza-se de muitos dos conhecidos artifícios da língua padrão que políticos são aconselhados a usar quando se desculpam de alguma gafe, pedindo crédito pela honestidade e usando uma linguagem que distancia sua encarnação atual da “outra” versão de si mesmo e que não reconhece mais. Talvez o domínio da língua inglesa de Justin Bieber tenha melhorado muito desde 2013. Talvez ele não tenha absolutamente nada a ver com essa carta de desculpas.Quando era mais jovem, não entendia o poder de certas palavras e como elas podem machucar. Pensava que era ok repetir palavras ofensivas e piadas, mas não percebia na época que, na verdade, minhas ações só alimentavam a ignorância. Graças a meus amigos e à minha família, aprendi com meus erros, cresci e pedi perdão por esses erros. Agora que estes erros do passado se tornaram públicos, preciso me desculpar novamente a todos aqueles que ofendi. Sinto muito. Levo muito a sério minhas amizades com pessoas de todas as culturas e peço desculpas por ter ofendido ou machucado alguém com meu erro infantil e indesculpável. Eu era uma criança na época e agora sou um homem ciente de minha responsabilidade para com o mundo de não cometer o mesmo erro novamente. Não há lugar para a ignorância na sociedade, e espero que o conhecimento de meus erros possa prevenir que outros cometam o mesmo erro no futuro. Pensei muito no que gostaria de dizer, mas dizer a verdade é sempre o certo. Cinco anos atrás cometi um erro imaturo e imprudente. Sou grato a aqueles próximos de mim que me ajudaram a aprender estas lições como um jovem adulto. Mais uma vez…. sinto muito.Não digo que Justin Bieber seja essencialmente racista, nem que adolescentes não cometem erros. Digo que é insensato olhar para o racismo e para o remorso descontextualizados. No que se refere a Justin Bieber, parece que não se trata de um erro de informação, e sim uma demonstração de sua culpa. O fato de Bieber ter se desculpado cinco anos depois da gravação do vídeo e depois de, segundo o jornal The Sun, sua equipe ter tentado inúmeras vezes mantê-lo fora do alcance do público, utilizando-se de dinheiro para silenciar aqueles que sabiam de sua existência, significa que não se trata de um pedido de desculpas verdadeiro. Desculpas são voluntárias, isto é só o que se faz quando se é pego.Tradução: Pedro TaamLamentavelmente, a gente já falou de preconceito por aqui. Leia mais:
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