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Música

O Curioso Caso de L'Amour, o Disco do Lewis

Com uma capa monocromática de um rosto bonito e um penteado genial, é possível supor que se trata de um projeto vaidoso de um gigolô cheio de pompa.

O mundo está repleto de milhões de discos velhos que foram deixados pra lá. A maioria tem o cheiro dos porões úmidos onde há décadas vêm sendo armazenados e ignorados, sendo as chances de que voltem a ter um dono ou a produzir som praticamente nulas. Mas, se você é um escavador dedicado, é possível encontrar um que ainda preste. Talvez valha até uns trocados. Mas pode tratar de se chicotear se você alguma vez deixou passar uma cópia de L' Amour, de Lewis, pois se trata da raridade do vinil mais comentada a aparecer nos últimos tempos. Com uma capa monocromática de um rosto bonito e um penteado genial, é possível supor que se trata de um projeto vaidoso de um gigolô cheio de pompa. Até onde sabemos, ele era isso mesmo. Mas a música é insidiosamente graciosa e transcendental, cheia de arranjos exíguos de sintetizadores macarrônicos, violões dedilhados com suavidade, e aqueles murmúrios sussurrados dele. É bem possível que L'Amour seja o melhor disco de 2014 – apesar de chegar com um atraso de 31 anos.

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Muito pouco se sabe sobre L'Amour e seu criador. Lewis, cujo nome verdadeiro era, supostamente, Randall Wulff, nasceu em Alberta, no Canadá, e gravou um disco por um selo particular chamado R.A.W., em 1983. De acordo com nossos conhecimentos históricos, o disco foi ignorado desde o instante em que saiu. O próprio Lewis sumiu quase tão rápido quanto o disco. Mas será que esse disco foi simplesmente ignorado até cair no esquecimento? Ou terá secretamente influenciado artistas bem-aventurados semelhantes, como Arthur Russell e Angelo Badalamenti?

A Light In The Attic Records imagina que a segunda opção seja a verdadeira – que L'Amour foi o segredo mais bem guardado de todos os tempos, pelo qual eram responsáveis uns poucos privilegiados. Mas o selo de Seattle está planejando mudar essa situação, relançando o disco depois que a alta demanda fez com que cópias originais do vinil chegassem a mais de 600 dólares no eBay. Graças a Deus, então, por Jon Murphy, um colecionador de discos de Victoria, que o trouxe de volta à atenção do público, ao desenterrar uma cópia do disco que custava um dólar num mercado de pulgas.

Murphy diz que foi a capa que o fez desembolsar seu dólar canadense. "É espetacular", diz Murphy. "Era bom demais para deixar passar, ainda mais depois que dei uma olhada nos títulos das músicas. Foi um achado aleatório num mercado de pulgas, em uma manhã fria de inverno de 2008. Compro muitos discos por causa da arte da capa, mas são poucos os que correspondem à expectativa. Eu costumava botar o Lewis no toca-discos quando recebia amigos em casa, mas nunca achei que esse álbum interessaria mais do que 10 ou 20 pessoas. Parece que ele realmente pegou".

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Ao conseguir encontrar uma segunda cópia, Murphy a repassou a seu amigo Aaron Levin, que encabeça o blog de música Weird Canada. Um post de 2012 chamou a atenção de colecionadores, e de repente Lewis começou a atrair cada vez mais curiosidade.

Murphy diz não ter conseguido encontrar nenhuma outra cópia, mas, ao que parece, elas ainda estão por aí. "Não vi mais nenhuma desde então, mas um amigo meu acabou de achar uma num galpão perto de Barrie, em Ontário". Descrito como "uma verdadeira descoberta da era dos blogs", L'Amour seduz muito porque, num tempo em que praticamente todas as informações estão à distância de um clique, pouco se sabe a respeito do homem e do disco. O escritor Jack Fleischer foi contratado pela Light In The Attic para escrever o encarte de L'Amour. Com a ajuda do detetive Markus Armstrong, Fleischer conseguiu juntar algumas informações.

"Temos um núcleo de historietas variadas e detalhes menores a respeito de Lewis", explica Fleischer. "É o suficiente para termos uma boa noção de quem era o sujeito, mas não tanto que acabe com o mistério. Ele nasceu no Canadá e costumava viajar para diferentes lugares, estando mais ou menos envolvido com finanças e investimentos no mercado de ações. Ele essencialmente levava a vida de um playboy internacional, e gravar discos em Los Angeles e, ao que parece, mais tarde na Europa também, fazia parte disso".

Então, em vários sentidos, é exatamente a personalidade que você esperaria ao ver aquela capa de disco. Mas Fleischer suspeita que a coisa seja ainda mais profunda.

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"Muitos aspectos da história nos levam a vê-lo como uma espécie de vigarista, mas acho que seria errado tascar-lhe esse rótulo agora, antes de sabermos mais", diz Fleischer. "Ele deu o cano no fotógrafo que fez a capa do disco, mas de tudo que ouvi, parece que pagou pelo tempo da sessão, no hoje defunto Music Lab, em Silver Lake. Era o estúdio mais barato da cidade, conhecido por trabalhar basicamente com bandas punk ruidosas como Black Flag e Cheap Trick, e também com uma grande variedade de artistas da música latina e do R&B. Difícil encontrar naquela época algo que fosse mais distante de Beverly Hills em termos culturais, o que faz a opção por aquele estúdio especialmente interessante. Quer dizer – ele estava hospedado no Beverly Hills Hotel enquanto gravava o disco".

A única pessoa que sabemos ter tido a honra, ou, neste caso, a desonra de conhecer Lewis foi o fotógrafo ludibriado que mencionamos acima, Ed Colver. Na época, Colver era conhecido por fotografar bandas hardcore de LA: seus créditos incluem a icônica capa de Damaged, do Black Flag, e a de Group Sex, do Circle Jerks. O próprio Colver não lembra porquê acabou fotografando Lewis, mas parece contente com a ideia de esquecer a experiência por completo.

"Eu me encontrei com ele, achei um local para a sessão, fui de carro até lá, fotografei, processei e fiz as folhas de contato", explica Colver sucintamente por e-mail. "Encontrei de novo com 'Lewis', também conhecido como Randy Wulff, e ele escolheu a foto. Voltei para casa, revelei as fotos e fiz o molde da ilustração final que seria a capa do LP, colocando na escala correta. Então voltei uma terceira vez, para entregar. Ele estava hospedado no Beverly Hills Hotel, dirigia uma Mercedes conversível, e tinha uma namorada que parecia modelo. Fez para mim um cheque de 250 dólares, de uma conta fechada em Malibu. Eu ‘saquei’ o cheque, depois ele voltou e custei meses para ressarcir o banco. Voltei ao hotel, à procura dele. Tenho certeza de que ele sabia que a conta tinha sido fechada. Na recepção me disseram que ele foi para Las Vegas e de lá para o Havaí, sem deixar informações de contato".

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Para sorte de Colver, a Light In The Attic finalmente cobriu a despesa de Lewis 30 anos depois, pagando ao fotógrafo a extraordinária conta de 250 dólares. Colver diz não ter ideia do que pode ter acontecido a ele, mas "sei o que teria acontecido se eu o tivesse encontrado. Minha experiência com ele foi uma das piores em mais de 35 anos de profissão".

Ao relançar L'Amour, a Light In The Attic tentou encontrar e contatar Lewis, mas não teve sorte. Circula o rumor de que ele tenha se mudado para Vancouver em algum momento, e de que dirigia um Porsche branco. Ao que parece, gravou mais músicas também.

"O sobrinho disse que ele gravou discos na Europa, no final dos anos 80", conta Fleischer. "Depois conseguimos encontrar um dos seus pseudônimos na lista de um estúdio em Vancouver, em meados da década de 2000. Segundo o engenheiro de lá, ele gravou o equivalente a cinco ou seis discos naquela época, e se tratava, nas palavras do engenheiro, de 'uma música muito suave, religiosa'. Acho que podemos dizer que ele nunca parou de fazer música, e que essa claramente é uma parte muito importante da sua vida".

Se a música é tão importante para Lewis quanto diz Fleischer, talvez a apresentação de L'Amour ao mundo faça seu criador sair do esconderijo, caso ainda esteja vivo. Os relançamentos que a Light In The Attic tem feito da figura psicodélica cult Rodriguez teve exatamente este efeito, dando ao músico uma segunda carreira, uma nova geração de fãs, e até mesmo um documentário premiado com um Oscar.

"Agora está nas mãos do destino", afirma Fleischer. "Mas dito isso, as chances de que aconteça alguma coisa nesse front são muito maiores com a publicidade que esse lançamento obteve. Tive uns sonhos e visões esquisitos sobre o paradeiro dele, mas minha mente é assim mesmo, sempre se revirando em um monte de direções. Passei a me sentir bastante satisfeito com a posição de mistério que essa história toda ocupa na minha vida. É um bem cada vez mais escasso nos tempos atuais, e acho que com certeza faz parte do charme do disco".

Cam Lindsay é um escritor que mora em Toronto. Ele está no Twitter. @yasdnilmac

Tradução: Marcio Stockler.