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Música

John Garcia, Vocalista do Kyuss, Finalmente Está Livre

Sua estreia homônima conta com a participação do guitarrista dos Doors, Robby Krieger (!) e ele pode arquivar os processos do Josh Homme na seção "História".

"Gosto de dinheiro tanto quanto qualquer filho da puta, mas se eu estivesse na música pela grana, já teria dado o fora há muito tempo”. Essa é a verdade e nada mais que a verdade, nas palavras de John Garcia, antigo vocalista dos mestres do desert rock Kyuss. A banda lançou quatro discos que definiram o gênero antes de dar cabo de si mesma em 1996, apesar de poucos se importarem na época. Passados um punhado de anos, a banda passou a ser reverenciada com o status de lenda cult e frequentemente se encontravam na extremidade de um indicador que apontava para as origens espúrias do “stoner rock”. Não que importasse: enquanto o guitarrista do Kyuss, Josh Homme, dirigiu-se ao estrelato absurdo com o Queens Of The Stone Age, Garcia serviu de frontman para várias bandas de rock underground como Slo Burn, Unida, (que terminou sua carreira curta demais com um contrato com a American Recordings, de Rick Rubin), Hermano e – até pouco tempo – Vista Chino, que era composta originalmente por três-quartos do Kyuss, que no fim das contas foi processada por Homme e pelo antigo baixista do próprio Kyuss, Scott Reeder. Mas você pode arquivar essa porra toda na seção “história”, ao lado da camiseta com a estampa “Sem Bill Ward, Sem Black Sabbath”. Faz alguns meses que Garcia é um artista-solo. Sua estreia homônima conta com a participação do guitarrista dos Doors, Robby Krieger (!), mas nosso amigo finalmente está livre…

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Confira o novo clipe de “My Mind”, deste LP, junto da entrevista abaixo…

Noisey: Há quanto tempo você pensa em lançar um disco-solo?
John Garcia: Desde os 18 anos, na verdade. Algumas dessas músicas estavam numa caixa que sempre levei comigo, não importando quantas vezes me mudasse pelo deserto. Encontrei um lugar e fiquei nele desde então, e fiquei de saco cheio de olhar pra essa caixa. Tinha 44 canções me esperando ali, e me senti mal por elas. Disse que sim pra tantos outros projetos, saca? O pessoal do Vista Chino queria que eu gravasse mais um disco e neguei. O Hermano me queria em outro disco e neguei. O mesmo com o Unida. Foi bom poder dizer não para esses projetos e então finalmente dizer sim para estas músicas. Não quero soar egoísta, mas estas canções eram especiais pra mim. Não eram “lados b” nem sobras de estúdio. Logo, examinei-as junto de meus produtores, para escolher as que gravamos para o álbum. Pense no tanto de energia reprimida, e em finalmente deixar essas músicas verem a luz do dia. Que momento monumental – não pro mundo, mas pra mim – de finalmente lançar essas porras.

Algumas dessas músicas te fazem voltar pra adolescência, então?
Sim, a primeira música que compus veio aos 19 anos, quando morava em Palm Springs com o Nick Olivieri. Ela se chama “Her Bullets Energy”. E se naquela época alguém me dissesse que eu a lançaria aos 43 anos de idade e que Robby Krieger, do The Doors, tocaria nela, eu diria que essa pessoa estava louca. Pensa só que viagem, bicho.

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Como você conheceu ele mesmo?
Quando estávamos escolhendo as músicas, meu produtor, Harper Hug, disse pra mim: “sabe, eu consigo ouvir uma guitarra flamenco entrando aqui”. Então respondi: “boa. Conhece alguém que saiba tocar isso?”. E ele me disse que conhecia Robby Krieger. Eu quase caí da cadeira. Daí ele ligou pro Robby e mandou a música, Robby curtiu, então logo estávamos ali em estúdio gravando com Robby Krieger. Uma lenda viva e um cara gente fina demais.

Ele conhecia algo do seu trabalho quando Harper falou com ele?
Não. Se conhecia, eu não sabia e nem perguntei. Mas foi demais, cara. Ele chegou com uma guitarra na mão e um burrito na outra. Largou o burrito de lado e foi trabalhar. Conversamos mais sobre golfe do que qualquer outra coisa, na real. Não que eu jogue, mas onde moro, em Palm Springs, há uma comunidade enorme de aposentados e muitos campos de golfe. Robby é um fanático, então ele vem pra cá e joga em alguns desses campos com alguma frequência.

Você compôs toda as canções por conta própria?
Toco guitarra de forma bem rudimentar – não é muito a minha praia, mas trabalhei com um monte de compositores do mundo todo, então essas músicas surgiram do trabalho com diferentes guitarristas que me mandaram algumas ideias. Para outras músicas eu tinha um riff básico e contei com a ajuda de caras como Dave Angstrom, do Hermano, e ele o transformou em “My Mind”, faixa que abre o disco. Varia. O núcleo da coisa vem de mim, mas a versão final conta com diferentes guitarristas, como Eric Belt, que compôs “Saddleback”. Essa música tem uns oito anos de idade, mas deixei ela guardada na minha caixa e trabalhei em cima dela. Tem também uma outra chamada “5.000 Miles” que meu amigo Danko Jones compôs pra mim há uns 10 anos.

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Que é aquela sua música meio “Mama, I’m Coming Home”.
Isso aí. Danko e eu fizemos uma turnê juntos há 10 ou 11 anos, que é mais ou menos a época em que minha filha nasceu. Sempre conversei com ele sobre como sentia falta da família e tal. Uns meses depois do fim da turnê, ele me mandou essa gravação em que tocava “5.000 Miles” em sua varanda. Danko disse que a compôs especificamente pra mim e pro meu disco-solo, do qual falava em fazer mesmo naquela época.

Tem um cover nesse disco também…
Sim, “Rolling Stoned” é uma música de uma banda de Edmonton, Canadá, chamada Black Mastiff. Eu não vejo muito shows, e quando rola, geralmente é de alguma banda abrindo pra mim durante uma turnê. Esbarrei com o Black Mastiff quando estive em Edmonton e gostei muito dessa música em especial, e disse a eles que queria tocá-la em meu disco solo. Digo, se eu pudesse cantar como o Philip Bailey do Earth, Wind & Fire, provavelmente faria um cover deles. Mas não consigo fazer falsetes. Sou só um fã de música, e pra mim, não existem regras para se cantar. Mas se existissem, eu as teria jogado fora no dia que comecei a soltar a voz. Se escutar algo que gosto, cantarei.

Além de Robby, quem mais participou do álbum?
Tom Brayton, que tocou algo de percussão no disco do Vista Chino, foi o responsável pela bateria e percussão agora. Ele e eu somos os únicos membros constants em todas as músicas. Então eu e os produtores, Harper Hug e Trevor Whatever, escolhemos diferentes guitarristas e baixistas a dedo para cada faixa. Então temos o Nick Olivieri tocando um pouco de baixo, Damon Garrison do Slo Burn também no baixo, Dandy Brown do Hermano no baixo, Marc Diamond do Dwarves na guitarra, Danko Jones e Aaron Groban, que agora toca comigo ao vivo, nas guitarras. Também contamos com o Dave Angstrom, do Hermano, na guitarra. São muitos músicos e a coisa toda levou cerca de um ano de planejamento.

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Agora você é pai de família, então imagino que fazer turnês é bem diferente da época do começo do Kyuss.
Antes de tudo sou pai e marido, tento manter meu foco nisso. O resto todo – poder subir no palco, lançar discos e criar – é secundário. Não querendo parecer pau-mandado nem nada assim, mas é a minha família que permite fazer isso. Tenho sorte em poder fazer duas coisas que amo: música e trabalhar com animais. Na verdade, conheci minha esposa quando ambos trabalhávamos em um hospital veterinário. Ela gerencia o Hospital de Animais de Palm Springs até hoje. Trabalhei com isso durante anos, mesmo quando estava no Kyuss, e talvez volte um dia. Agora trabalho com diagnóstico, pelo qual também sou apaixonado. Mas depois de tantos anos de energia guardada, é ótimo estar onde estou. Tenho uma liberdade incrível enquanto artista solo quando se comparado ao que é estar em uma banda. Pense em algo liberador. Devia ter feito isso antes, não sei por que não o fiz.

Você falou que o Vista Chino queria gravar mais um disco e você negou. Qual o status dessa banda, então?
Bem, o Vista Chino foi meio que um acidente. Eu nunca que esperava me apaixonar pelo jeito de tocar do Brant [Bjork, antigo baterista do Kyuss] novamente, mas aconteceu e saímos em turnê [originalmente como Kyuss Lives] e decidimos gravar um disco. Naquele momento, tivemos alguns impasses, mas demos um jeito e seguimos com o disco. Ainda rola a conversa de fazer um próximo, mas agora o Vista Chino estacionou, e não vai a canto nenhum. O mesmo vale pro Hermano. Mas o carro em que estou agora está de tanque cheio e correndo feito um campeão, e vou dar uma volta com ele por um bom tempo. Não me vejo pegando carona no Vista Chino no futuro próximo. Mas nunca diga nunca, sabe?

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Quem conhece minha carreira sabe que não gosto de ficar em um só lugar por muito tempo. O Kyuss foi o mais demorado. Depois disso – Slo Burn, Unida, Hermano, Danko Jones, Mad City Rockers, Arsenal, Crystal Method – tudo foi meio rápido. Não me importo com isso. Alguns vocalistas ficam em uma só banda, mas eu gosto de explorar as coisas. Eu sigo o que meu instinto me diz. Há que chame de “se prostituir”. Eu não. Chamam de “diluir sua carreira”. Eu não. Como disse antes, não existem regras. Se quero fazer um disco de polca debaixo d’água, irei fazer um disco de polca debaixo d’água.

Após o fim do Kyuss em meados dos anos 90, as principais bandas com as quais você se envolveu foram o Slo Burn, Unida e Hermano. Todas elas meio que tinham um bom fôlego – o Slo Burn tocou no primeiro Ozzfest; o Unida lançou discos pela Man’s Ruin e eventualmente assinou um contrato com a American Recordings – e aí sempre acontecia algo pra matar a parada. Aconteceu o mesmo com o Kyuss Lives e o processo, quando vocês tiveram que mudar o nome para Vista Chino. Em algum momento você sentiu que estava amaldiçoado? E este disco-solo é seu jeito de tentar quebrar essa maldição?
Você está certo. Mas mais do que amaldiçoado, me sentia exausto. O Slo Burn nunca deveria ter rolado, sendo sincero com você. Entrei nessa logo depois de sair do Kyuss, enquanto deveria ter me afastado e tomado uma decisão melhor. Não me arrependo da banda, mas eu devia ter feito as coisas de forma diferente. Ainda falo com os caras – dois deles tocam no meu novo disco. Aí veio o Unida, e nós estávamos com tudo. Meu coração estava naquela banda. Fizemos aquele disco pela American Recordings, e gastamos US$ 350.000 nele. Gravamos no Sound City, com a produção de George Drakoulias. Estavas prestes a ser lançado quando aconteceu algo com a galera que cuidava da grana: American, Sony e Columbia se dividiram e a American foi parar dentro da Island/Def Jam, que não queria todas as bandas da American na época, e fomos um dos dispensados. Foi um tremendo golpe na minha carreira. Aí meu amigo, o Dr. John Howard, um grande veterinário, me ligou e perguntou se poderia ajuda-lo a administrar sua nova clínica. Aceitei e adorei o trabalho, acabei ficando lá por um bom tempo. Enquanto trabalhava lá, tomei minha dose de música com o Hermano, que era uma banda só pela diversão, praticamente. Tirava folgas de duas semanas da clínica e fazíamos tours pela Europa, aí eu voltava a ajudar o Dr. Howard. Logo, a maior frustração aí foi o disco do Unida.

Que aliás era um puta disco. Sei que você sabe, mas tinha um bootleg circulando por aí não muito depois de a banda ter terminado. É uma vergonha que nunca tenha sido lançado.
Valeu J – sou grato por isso. Sabe, eu sou um cara bastante emotivo e esse lance todo da indústria musical costumava me afetar bastante. Recentemente, aprendi a me distanciar um pouco dessas coisas, porque fico muito chateado quando algo não acontece. Mas tem sido uma experiência contínua, você não pode deixar isso te consumir. A minha vida em família me consume, e é assim que tem que ser, mas gostaria mesmo de lançar aquele disco do Unida em algum momento. Acredite ou não, estou trabalhando nisso. Mas além dos outros caras na banda, isso exigirá alguma comunicação entre mim e Scott Reeder, é claro.

Você se resolveu com Scott Reeder ou Josh Homme desde que eles processaram o Kyuss Lives por conta do nome?
Não quero falar mal de nenhum dos dois. Não posso ficar aqui e falar “Fodam-se esses caras!”. Houve uma época em que eu e Brant estávamos brigando com eles e não tínhamos o melhor temperamento do mundo e deixei-me levar pelo momento. Mas deixei isso pra trás. Os perdoei e espero que tenham me perdoado, e é isso. Quero paz. Adoraria ser amigo desses bichos de novo. Digo, eu e o Scott éramos próximos. Eu era mais próximo dele do que qualquer um no Kyuss. Espero que possamos nos esbarrar na rua e apertar as mãos um do outro e deixar o passado ser o passado. Quanto ao Josh, nunca fomos muito amigos, antes mesmo do processo. Mas ainda assim, caso o veja, não quero que role nenhum estranhamento. Quero seguir em frente, e é isso. Há coisa maiores e mais importantes pra se pensar, e desejo a ambos o melhor.

J. Bennett curtia Kyuss antes de todo mundo. Pergunte sobre ele por aí.

Tradução por: Thiago “Índio” Silva