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Música

Efeito Dominó: Como um dos Concertos de Rock Mais Icônicos de Toronto Quase Não Aconteceu

O lendário produtor John Brower conta a história do festival que o John Lennon quase não foi.

_Pôster oficial do _Toronto Rock & Roll Revival/Foto cortesia de Hiller Rinaldo Associates, Copyright 1969__

Esse artigo foi originalmente publicado no Noisey Canadá.

Para muita gente, o Toronto Rock and Roll Revival, de 1969, é coisa de lendas. Para alguns, como o famoso promoter de rock e ícone da cultura pop John Brower, é uma nota de rodapé em sua própria história musical. Realizado no Varsity Stadium, no campus da Universidade de Toronto, no dia 13 de setembro de 1969, o Toronto Rock and Roll Revival foi um concerto de 12 horas de duração que contou com a presença de alguns dos primeiros astros do rock, como Bo Diddley, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry e Little Richard, dividindo o palco pela primeira vez com as bandas contemporâneas da época, como The Doors, Chicago e até mesmo um praticamente desconhecido Alice Cooper. Foi também a primeira apresentação da The Plastic Ono Band. Ah, e toda aquela coisa de isqueiros erguidos no ar que virou sinônimo de concerto de rock com o passar dos anos, também isso começou lá. O melhor de tudo? O festival quase não chegou a acontecer.

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Johnny Brower começou como promoter de rock em Toronto, no final dos anos 60. Na posição de cofundador do hoje famoso espaço The Rockpile, em Toronto – que originalmente ficava no antigo Templo Maçônico, na rua Yonge, e que foi inspirado no The Fillmore, em São Francisco – Brower virou o primeiro promoter de shows a trazer artistas internacionais do rock, como The Who, Led Zeppelin, Jeff Beck e Rod Stewart, para o Canadá. Embora o espaço tenha obtido bastante sucesso, a repetitividade de agendar artistas semanalmente logo começou a entediar Brower, que decidiu em vez disso ir embora e juntar forças com seu amigo, Kenny Walker. Os dois começaram a organizar concertos menores, como o de Richie Havens, no Massey Hall, e o de Donovan, também no Varsity Stadium. Aí, de repente, o circuito dos festivais explodiu. "Pude ver o que estava no horizonte", diz Brower. "Depois de Monterey, em 67, os empresários estavam conversando e dizendo coisas do tipo: 'Em Atlanta vai haver um festival de pop, porque vocês não fazem um também?' Mas a gente não tinha dinheiro para isso. Então, conseguimos trazer os Eatons [famosos pela loja de departamentos] para o negócio – eles eram nossos camaradas de colégio. Enfim, foi assim que a gente começou. Sem os Eatons, o verão de 69 não teria acontecido para nós. Eles nos proporcionaram a importante capacidade de arriscar e montar o Toronto Pop Festival, de dois dias de duração, em junho daquele ano, o qual fez um sucesso tremendo. Sly and The Family Stone encabeçou e o Steppenwolf tocou também, mas foi o Chuck Berry quem realmente roubou aquele show. Ele teve um público de tipo 25 mil pessoas pirando, fazendo a dança do pato. Foi aí que tive a ideia insana de que, se juntássemos todos os roqueiros lendários para um "revival do rock and roll", poderíamos acrescentar algumas bandas contemporâneas ao rol de participantes, e fazer um festival de um dia em setembro. Todo mundo adorou a ideia."

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Ingresso do Toronto Rock & Roll Revival / Cortesia dos arquivos de Alice Cooper

Brower e Walker começaram então a agendar os artistas, todos os quais estavam, milagrosamente, disponíveis, e deram ao show o nome oficial de Toronto Rock and Roll Revival. Colocaram o preço do ingresso a seis dólares, mas, por algum motivo, eles não tiveram saída. "Na segunda-feira anterior ao show, que estava marcado para sábado, recebi um telefonema de Thor Eaton, querendo saber quantos ingressos tinham sido vendidos", diz Brower. "Naquele momento, tínhamos vendido míseros 2.000 ingressos. Na segunda antes do Pop Festival, já tínhamos vendido mais de 10.000 ingressos, e já estávamos bastante no azul. Dessa vez, teríamos prejuízos imensos, então Thor basicamente disse: 'Olha, a gente não quer investir mais dinheiro nenhum', porque eles só estavam soltando a grana na medida em que precisávamos dela. Kenny e eu olhamos um para o outro e dissemos: "Insano isso". Os Eatons também não queriam agendar o The Doors, então eu tive que tomar US$25.000 emprestados de um cara chamado Edjo, que era o cabeça do The Vagabonds Motorcycle Club, portanto eu estava pendurado por esse lado também. O show estava basicamente prestes a ser cancelado, eu estava com medo de ir para casa e contar para a minha mulher, porque nós estávamos com um bebê de três meses, e ainda por cima tinha que ir ao hotel para contar a Kim Fowley e ao Prefeito de Sunset Strip em pessoa, Rodney Bingenheimer, que tínhamos acabado de trazer para a cidade, de avião, que eles tinham de voltar para casa também."

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Kim Fowley, Ícone de LA e Produtor do The Runaways, Dá Partida no Motor

Pensando em pelo menos economizar algumas contas de hotel mandando-os para casa o mais cedo possível, Brower foi levar as más notícias a Fowley e Bingenheimer. "Kim olhou para mim e disse 'não, você não pode fazer isso. Esse é um show incrível. Se fosse no estádio dos Dodgers, os ingressos teriam esgotado. O que há de errado com essa cidade? E o que há de errado com os nossos investidores?' Eu virei e disse: 'Meus investidores têm dinheiro porque eles não o saem distribuindo por aí'. Foi nessa hora que o Kim realmente colocou a mão na massa. Ele disse: 'Olha, você tem que ligar pro John Lennon na Apple amanhã, porque os Beatles gravaram músicas de Little Richard e de Chuck Berry. John Lennon ama todos esses roqueiros da velha guarda, e você está com o Gene Vincent agendado para o seu show. Antigamente ele era a atração principal no The Star Club, em Hamburgo, na Alemanha, quando os Beatles abriam o show; eles costumavam adorá-lo. Eles vestiam coletes pretos e porras assim para imitá-lo'. Nós ficamos pensando, 'puxa, Kim, valeu mesmo pela aula de história, mas é pra gente fazer o quê, simplesmente ligar para a Apple Records?' Mas ele estava falando sério, e disse: 'Isso, liga pra eles de manhã cedo e você arranja as informações para te soltarem o número. Diga à recepcionista os nomes das lendas. Não mencione The Doors ou Chicago, só peça a John que ele seja o mestre de cerimônias. Se ele achar que temos 15 bandas agendadas, é capaz de entrar em pânico. Mencione só as lendas e diga que quer convidar ele e Yoko para serem os mestres de cerimônias'."

E foi exatamente isso que Brower fez. Às 6h30 da manhã seguinte, ele telefonou para a recepção e disse: "'Alô. Aqui fala o John Brower, de Toronto, Canadá, e tenho um assunto muito importante a tratar. Preciso que você anote os nomes que vou te dizer.' A recepcionista no outro lado da linha anotou os nomes dos artistas e eu falei: 'Quero que você diga ao John Lennon que eles vão se apresentar e que nós o estamos convidando para vir ser o mestre de cerimônias'. Logo entra na linha o John Lennon. Ele fala: 'Então, essas bandas todas vão tocar?', e respondi: 'Sim, na Universidade, esse sábado.' E ele: 'Bem, a gente não vai querer ir a menos que possamos tocar.' E eu falei: 'Você que dizer os Beatles?'. Ao que ele respondeu: 'Não, eu e Yoko só. A gente junta uma bandinha.' Então é óbvio que eu disse: 'Claro, a gente consegue um horário pra vocês', o que me dei conta que soava a coisa mais imbecil do mundo, porque o show ia ser cancelado, mas ele disse: 'Tá certo, bem, preciso sair do telefone para ir juntar a banda.' Estávamos falando no viva voz, então todo mundo ficou pensando: 'Meu Deus, quanto isso vai nos custar?'. Mas antes dele desligar, eu disse: 'Escuta, não temos como pagar vocês, mas vamos arranjar passagens de avião de primeira classe e arranjar hospedagem num lugar legal.' E ele respondeu: 'Tá tudo bem, sem problema.' Eu disse que ligaria de novo para saber quais nomes colocar nas passagens de avião no dia seguinte, e isso foi tudo. Clique. E ele desligou. Eu virei pro Thor e disse: 'Certo, então, o show vai rolar ou não?' E ele finalmente respondeu 'ok, vamos em frente'."

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Batendo Cabeça com a CHUM FM + A Verdadeira Arte da Promoção nas Rádios

Botton promocional do Toronto Rock & Roll Revival, 1969

Sabendo que eles tinham que agir rápido para espalhar a notícia da apresentação de Lennon, Brower e Walker esperaram até as nove da manhã e começaram a alertar a CHUM Radio. Infelizmente (para eles), a CHUM riu de suas caras. Naquele mesmo ano Brower e Walker foram dois dos únicos promoters que receberam a função de apresentar o filme Magical Mystery Tour, dos Beatles. Embora não tenham encontrado dificuldades para lotar a capacidade do O'Keefe Centre de Toronto, do Kleinhans Music Hall em Buffalo, e do St. Lawrence Centre de Montreal, em Ottawa o fracasso foi completo. "Na noite antes do show, que ocorreria num teatro com 2.200 cadeiras, tínhamos vendido só 400 ingressos", diz Brower. "A promoção no rádio tinha sido muito ruim, e naqueles dias, quando você era um promoter, o rádio era onde tudo acontecia. Havia alguns anúncios impressos, mas a gente sempre ficava com o telefone do estúdio ao vivo, para o caso de surgir alguma novidade de última hora. Bem, estávamos jantando no hotel Château Laurier, e eu disse pro Kenny: 'Escuta, tive uma ideia'. Havia muita gente jovem ali servindo naquele salão de jantar, então eu só chamei uma garota e disse: 'O que você acha de ganhar 12 ingressos para o filme The Magical Mystery Tour amanhã à noite?' Ela respondeu 'ok, legal'. Escrevi num papel o telefone da estação de rádio e disse: 'Ligue para esse número. Alguém vai atender, e tudo o que você tem que fazer é dizer que trabalha aqui no Château Laurier e que acabou de ver o George Harrison jantando aqui com um pessoal'. Então ela vai embora, volta cinco minutos depois, e diz: 'Cara, espero que isso não me arrume confusão. Telefonei para o cara, mas você não me disse que era uma rádio, e ele me colocou no ar! Ficou me perguntando que roupas o George estava vestindo, quem estava com ele, como ele era. Tive que sair inventando tudo. Eu me senti tão idiota! Graças a Deus ele não perguntou o meu nome'."

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Brower e Walker, é claro, cumpriram a promessa dos 12 ingressos, e a garota foi embora. Na manhã seguinte, havia fila na bilheteria, e os ingressos para o show esgotaram às 10h30 da manhã. Infelizmente para Brower e Walker, que cometeram o erro de se gabarem do sucesso para um pequeno grupo de amigos depois de voltarem para Toronto, a CHUM descobriu o golpe. "Você precisa imaginar, a gente estava montando um show que estava à beira da morte, e a CHUM sabia muito bem disso, porque estava promovendo o show", diz Brower. "Quando entramos lá e dissemos que John Lennon viria no sábado, o Diretor de Programação deu uma olhada para nós e falou: 'Sabe duma coisa, os Beatles devem amar vocês. Vocês conseguiram levar o George Harrison lá para Ottawa e agora estão trazendo o John Lennon para Toronto. Isso aqui não é Ottawa. Isso aqui é a CHUM Radio, e a gente não vai acreditar nesses papinhos, então deem o fora daqui.'" No dia seguinte, Brower voltou a ligar para a Apple Records a fim de confirmar os nomes da recém-formada banda de Lennon. Tendo acoplado um gravador de fita na linha, Brower esperava gravar a voz de Lennon, mas, em vez dele, quem atendeu foi Antony Faucet, assistente de Yoko Ono. Para sua surpresa, Faucet mencionou Eric Clapton entre os convidados. Acreditando que a gravação seria um método infalível para provar ao Diretor de Programação da CHUM que eles não estavam de piada, Brower e Walker imediatamente voltaram para a estação. "O Diretor de Programação nos viu e logo levantou e disse: 'Quer saber? Eu venho promovendo shows para vocês aqui faz mais de dois anos. Como você consegue vir aqui com uma fita, em que está falando algum cara com, tipo, um falso sotaque britânico, e tenta fazer com que coloquemos esta merda no ar? Eric Clapton? Foi um detalhe legal, mas John Lennon em quatro dias não tem como, sai fora'. Naquele ponto, o Kenny disse: 'Cara, o Thor vai começar a ficar apavorado.' Eu virei para ele e disse: 'Não conte nada para o Thor nem para ninguém, só fica quieto e me deixa pensar.'"

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Brower por fim decidiu entrar em contato com o colega promoter de rock Russ Gibb com o qual ele havia trabalhado promovendo Jimi Hendrix no Maple Leaf Gardens. Gibb, que tinha uma casa noturna em Detroit chamada The Grande Ballroom, também apresentava um programa de rádio muito popular em Ann Arbor, que ia ao ar todas as noites da semana, das sete até a meia-noite. "Quando liguei para o Russ tudo que ele disse foi: 'Ei, escuta, você conversou com John Lennon em pessoa?' Eu respondi 'sim', então ele topou. Começou a tocar a gravação no rádio a cada hora e, na quinta-feira, todos os ingressos estavam esgotados na área Detroit-Windsor. Na sexta de manhã, alguém da nossa equipe chegou com mais 10.000 ingressos, e todos foram vendidos até o final do dia. "As pessoas faziam filas de quatro ou cinco quarteirões para comprar os ingressos, porque Russ Gibb era Deus. Ele era o elo essencial que estava faltando com o público, e o público estava em Detroit."

A Merda Bate do Ventilador – John e Yoko Dão para Trás e Mandam Flores

Em Toronto, Brower conseguiu despachar mais duzentos ingressos, mas ainda não convencera os outros a acreditar de que estava realmente trazendo John Lennon para a cidade. A única pessoa disposta a dar uma chance a Brower era Edjo. Tendo já trabalhado como segurança para Brower, Edjo concordou em trazer motoqueiros de toda Ontário para receber John e Yoko no aeroporto. O único problema era que as pessoas tinham começado a falar, e o que se dizia nas ruas era que o concerto era uma fraude. "Edjo apareceu na minha casa sexta à noite, ele estava chapado e muito puto, e só disse: 'Sabe, cara, a hora é essa. Diz pra mim que é mentira. Diz que o Lennon não está vindo, e que você está dando o golpe com esses ingressos, e não tem problema, a gente ainda vai estar de boa, mas se você deixar que eu e meus manos cheguemos naquela porra de aeroporto amanhã de manhã e não aparecer nenhum John Lennon, vai ser melhor você se mudar daqui."

Às quatro da manhã de sábado, dia 13 de setembro, Antony Faucet telefonou do aeroporto Heathrow, em Londres. "A voz dele estava tremendo", diz Brower. "Ele falou 'estou aqui com Eric Clapton, Klaus Voormann, Alan White e Mal Evans [o empresário de turnê dos Beatles], e acabei de falar com o John. Disse que nem ele nem Yoko vão poder ir, e para mandar flores.' Levantei da cama como se tivesse tomado uma chicotada, minha vida passando diante dos meus olhos. Imaginei Edjo colocando flores na minha cova; tudo estava acabado. Virei e disse: 'não. Não. Põe o Eric Clapton na linha.' Eu já havia trabalhado como promoter para o Eric em julho, em Toronto. Foi um show excelente, mas nós perdemos 20 mil dólares. O disco do Eric não saiu a tempo, e recebi o primeiro single, "Had To Cry Today", só no dia do show. De qualquer forma, o Eric apareceu no telefone e eu disse: 'Eric, você provavelmente não lembra de mim, mas eu perdi US$20.000 com o Blind Faith no verão. Escuta, cara, você precisa me ajudar. Se o John Lennon não aparecer hoje eu estou perdido. Vou ter que sair da minha cidade. Sair do meu país. Na verdade, vou aí me mudar para a casa do John Lennon, levando mulher e filho, certo? Você precisa colocar ele no telefone e dizer que ele tem que vir.' Clapton começou a gritar: 'Eu não acordo a essa hora da matina pra ninguém. A porra do Lennon chega aqui e aí manda flores, caralho?'" Em vez de suplicar como Brower, Clapton não perdeu tempo e ligou para Lennon imediatamente. "Ele estava furioso", diz Brower. "Clapton pegou e disse: 'Que porra é essa que você tá fazendo? Tem um cara aqui no telefone que está perdido se a gente não for para lá. Ele disse que vai vir e se mudar para a sua casa!' Depois descobrimos pelo Antony Faucet que Lennon ficou extremamente envergonhado por Eric Clapton estar bravo com ele. Tipo assim, deixar o Eric Clapton puto não é uma coisa que se faça assim sem mais nem menos. De qualquer modo, John e Yoko finalmente tiraram o traseiro da cama e foram para o aeroporto."

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Chegando em Heathrow num Rolls Royce todo colorido que era instantaneamente reconhecível, John e Yoko foram cercados pela mídia. Naquele momento, John teria dito: 'A gente vai para Toronto tocar num grande show de rock and roll com todos os grandes, e vai ser o primeiro show da The Plastic Ono Band.' A frase foi então disseminada por estações de rádio de todo o mundo via serviço de telégrafo. Quando a CHUM recebeu a notícia às duas horas daquela tarde, eles imediatamente mudaram de atitude e foram ao ar anunciando a Apresentação CHUM de John Lennon e Eric Clapton. Ao ouvir isso, as pessoas começaram a chover no estádio. "Conseguimos vender todos os 4 ou 5 mil ingressos que faltavam", diz Brower. "As pessoas estavam pulando os muros. Houve um incidente nos portões noroeste – que não existem mais – onde havia pelo menos quinhentas pessoas, ou talvez até mais, se empurrando para conseguir ingressos. Kenny queria que eles fossem afastados pela polícia montada, mas eu disse aos policiais 'olha, quero aqueles portões abertos, e que aquelas pessoas entrem de graça. Não quero ninguém se machucando ou sendo esmagado. A gente já vendeu tudo. Simplesmente não temos mais ingressos para vender.'"

Pouso em Toronto

Plastic Ono Band ensaiando no avião/Foto cortesia do site de Klaus Voorman, Copyright 1969

Quando John e Yoko finalmente pousaram em Toronto, Brower teve de enfrentar um novo contratempo – Yoko não tinha um cartão de vacinação. "Naquela época, se você não tivesse o cartão amarelo de vacinação, com todas as vacinas que tomou, eles podiam impedir sua entrada em um país", diz Brower. "Isso nos atrasou mais meia hora, mas finalmente obtivemos de Ottawa a autorização para a entrada de Yoko. Depois que isso foi resolvido, todos entramos na limusine e fomos embora". Ao mesmo tempo, Edjo estava com 80 motocicletas na estrada de acesso esperando pacientemente pela chegada da limusine. "Edjo sabia que eu não era idiota o suficiente para deixar que ele me matasse. Ele já me conhecia há alguns anos, e ele sabia que eu era pontual, então esperou", diz Brower. "E de fato, viemos descendo pela estrada de acesso, e Lennon ergue os olhos e vê todas aquelas motos, estende a mão e abaixa as travas das portas. Eu olhei pra ele e disse: 'Escuta, John, eu não queria dizer nada até que a gente chegasse aqui, mas essa vai ser a sua escolta em Toronto'. O agrupamento de motocicletas se estendia por tipo uns 50 metros, e ele virou para Yoko e disse: 'Uau, a gente já teve escoltas de motocicletas para os Beatles, mas nunca desse jeito'. Então nós paramos na parte central que Edjo tinha deixado aberta para nós, e ele veio até a janela para ter certeza de que não eram uns dublês de Hollywood que trouxéramos para salvar nossa reputação. É claro que o vidro baixou, Edjo olhou para dentro e viu os verdadeiros John e Yoko. Ele olhou, depois olhou pra mim e disse: 'John, Yoko, sejam bem-vindos a Toronto.' Ele acenou com o braço e todas as motos deram partida, e lá fomos nós cidade adentro. Era como ficar do lado de uma mina terrestre, imaginando se a coisa ia explodir ou não."

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O Rock And Roll Revival Finalmente Chega ao Varsity Stadium

Plastic Ono Band usando camisetas do Toronto Rock & Roll Revival / Foto Cortesia do site de Klaus Voorman, Copyright 1969

Quando a limusine finalmente chegou ao Varsity Stadium, Brower mal podia acreditar que tinha conseguido. "Estávamos lá, John, Yoko e eu, num camarim fedido com bancos de madeira e escaninhos vazios, eu me sentindo o pica das galáxias e pensando 'dá só uma olhada. Olha só o que eu fiz! Eu trouxe mesmo esses dois fdps pra cá'. Naquele momento, Dennis Hill, que era o meu assistente número um, estava na porta, e eu disse para John: 'Vocês querem alguma coisa? Alguma comida ou bebida? O que posso arranjar pra vocês?' John só olhou para mim e disse: 'Vocês podem arranjar uma coca pra gente?' Então eu falei: 'Dennis, vamos trazer seis cocas pra cá nesse instante'. Eu olho de novo para os dois como quem dissesse 'sem problema, sem problema', e os dois estavam com uma expressão de horror no rosto. Estavam olhando um para o outro tipo 'onde estamos?' E Yoko diz: 'Não, coca para o nariz'. Bem, eu nunca tinha experimentado coca. Tirei o atraso nos anos 80, mas na época realmente não sabia onde poderia arranjar. Tinha ouvido falar que um cara chamado David Sniderman tinha coca, e calhou que ele estava lá nesse dia."

Então, no intervalo entre duas apresentações, Brower foi até o microfone e fez um anúncio. "Dr. Sniderman, por favor venha até os camarins. Dr. Sniderman." David, que estava sentado em meio ao público e conhecia Brower, foi correndo até o palco. "Ele chegou e eu disse 'escuta, cara, você tem alguma cocaína aí? John Lennon está querendo cocaína.' Bem, ele estava com a coca, mas a havia jogado fora, na grama, pois achava que tinha sido pego, então eu virei e disse 'volta lá e encontra, eu te imploro!' Ele saiu correndo e, quando voltou, estava com o que depois fui perceber que eram uma ampola de dois gramas e meio de coca e meio quilo de haxixe. Fui para os camarins para entregar a John, e juro por Deus que ele olhou para mim como quem diz: 'Você é Jesus, e esta é a água do Senhor.' Naquele momento, Lennon ainda era um viciado bem do sério, e foi por isso que ele não queria entrar no avião – ele não queria ir para longe, estava simplesmente aterrorizado. Mas entreguei a ele a cocaína, e ele disse: 'Obrigado, cara. Pode chamar o Eric aqui?' Eles sabiam que Eric estava sofrendo de abstinência também, então ele entrou e eles ficaram lá durante horas, até que surgiu um problemão com o The Doors.

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John Lennon e Yoko Ono ao vivo no Toronto Rock & Roll Revival / Foto cortesia da Associated Press

Considerando que Brower havia trabalhado com o The Doors e com o empresário deles, Bill Siddons, em diversas ocasiões anteriores, a banda ao entrar no show estava bem ciente de que não ia ser fácil. Por essa razão, fizeram com que Brower escrevesse um contrato declarando que o The Doors se apresentaria por último. O único problema era que, com John, Yoko e Eric Clapton na cidade, eles agora temiam que a multidão fosse embora antes mesmo que a banda subisse ao palco. "Bill Siddons basicamente veio e disse: 'Escuta, Brower, podemos conversar? Será que você e o John Lennon poderiam vir conversar comigo e com o Jim?' Eu disse 'claro'. Então John Lennon sai do camarim, estou ao lado dele e Bill diz: 'Sabe, John, a gente está muito preocupado com a possibilidade de todo mundo ir embora depois que você tocar, então gostaríamos de entrar antes de você.' John Lennon virou para ele e disse: 'Mas vocês são a atração principal! Ninguém vai ir embora!' Siddons e Morrison olharam um para o outro e imediatamente se deram conta de que Lennon não fazia a menor ideia do que havia se passado. Eles estavam olhando para mim tipo 'Não sabemos como você conseguiu fazer isso mas Lennon não faz a menor ideia do que está acontecendo aqui.'" Justo nessa hora, o Little Richard passou por ali e ouviu a conversa do grupo. "Richard chegou e disse: 'Eu fecho o show, do jeito que o show deveria ser fechado, por mim, O Rei. Você sabe disso, sr. Lennon. Você sabe disso, sr. Promoter. Você sabe disso, sr. Doors. Eu sou o Rei e sou eu quem deve fechar o show.' Agora, todos nós quatro estávamos lá com o queixo no chão, em especial Lennon e Morrison, que estavam tomando uma surra, e eu peguei e disse: 'Richard, você é o próximo a entrar.' Então, ele saiu andando e, com sua incrível e melodiosa voz de soprano, a uns 8 metros de distância, disse: 'eu sou O Rei. Vocês sabem disso!' Eu virei pro John e disse: 'Por que você não volta para o camarim e eu dou um jeito nessa situação?' Então lá foi ele, e eu virei pro Siddons e pro Morrison e falei: 'Olha, vocês sabem que esse show não vai ser mole. Não vou colocar o John Lennon para fechar o show. Ele vai tocar na hora que quiser. Se vocês não quiserem tocar, é só voltar para o hotel, nem precisa fazer nada, não me importo. Só tenho que cuidar do John Lennon. Entenderam? John Lennon.' Siddons olhou para o Morrison, ele assentiu e disse 'tá certo, a gente fecha o show'.

Kim Fowley Introduz John Lennon a um Mar de Luzes

Minutos antes da The Plastic Ono Band fazer a sua estreia, John Lennon estava nos bastidores, fumando nervosamente um cigarro atrás do outro, e andando para lá e para cá. Percebendo isso, Brower pediu que Kim Fowley entrasse e desse uma palavrinha com Lennon, para saber como ele gostaria que a banda fosse introduzida. Kim chegou no camarim e imediatamente sentiu a tensão. John disse: 'Nada de John Lennon dos Beatles, Eric Clapton do Cream, só Plastic Ono Band, obrigado.' E o Kim respondeu: 'Compreendo, John, e tenho uma ideia da qual acho que você vai gostar.' Ele então deu meia-volta e saiu. Dali Fowley foi direto para o palco e disse à multidão: "Todo mundo pegue seus fósforos e isqueiros, por favor. Dentro de um minuto vou trazer o John Lennon e o Eric Clapton, e quando eles vierem quero que vocês os iluminem, e lhes deem uma super acolhida digna de Toronto." Naturalmente, o responsável pela segurança contra incêndios entrou em pânico, mas Fowley o ignorou. Minutos depois, ele voltou para o palco seguido pela banda, que foi recebida por um mar de luzes cintilantes. "Agora, vai saber o que ele tinha em mente, ou como teve a inspiração, mas foi o Fowley quem criou isso", disse Brower. "O único problema foi que os motoqueiros pensaram: 'Bem, isso aí tá legal para o John Lennon, mas precisamos receber o The Doors com alguma coisa de verdade.' Quando fomos ver, eles tinham arrombado um armário de limpeza, pegado todas as vassouras, tirado o fluido de seus isqueiros Zippo, posto fogo nas vassouras e aparecido na frente do palco. Você tem que entender, Jim Morrison tinha uma personalidade masculina e uma presença muito poderosas, então os motoqueiros se identificavam com o The Doors. Eles com certeza não eram fãs dos Beatles. Foi uma loucura total. Para ser sincero, não cheguei nem a ouvir o The Doors tocando naquela noite. Já os tinha ouvido antes, então deixei Dennis no comando do show e fomos todos para a propriedade dos Eaton, onde foi realizado um jantar enorme, estilo banquete, para todo mundo – e depois disso rolou a insanidade. Todos os tipos de relacionamentos foram organizados e depois desorganizados naquela noite. Algumas das garotas transaram com os garotos da banda, e todo mundo conseguiu preencher a sua cota de astros do rock. John e Yoko foram para a cama discretamente, desceram na manhã seguinte para tomar um enorme café da manhã na cozinha, a limusine deles apareceu e eles foram embora."

John Brower e seu cachorro

"Foram muitas as peças de dominó que tiveram que cair para gerar essa situação específica – se qualquer uma delas tivesse ficado em pé, isso poderia ter interrompido todo o processo que criou o Toronto Rock and Roll Revival. O meu velho amigo Ritchie York, que era o jornalista de música do Canadá na época, foi quem me falou para trazer Kim Fowley e Rodney Bingenheimer para Toronto, porque ele os conhecia. E é claro que foi Kim que teve a ideia de chamar o John Lennon. Posteriormente descobri que por acaso o Ritchie estava em Londres, na Apple Records, quando liguei pra lá – ele estava esperando para entrevistar George Harrison. John sabia que Ritchie estava no local, e que ele era de Toronto, então mandou a recepcionista chamá-lo, e pediu a ele que lhe contasse tudo sobre 'esse tal de John Brower'. Ritchie e eu éramos muito próximos, então ele disse a Lennon que nós éramos os maiores promoters da cidade, que seria um evento muito bem organizado, e que ele tinha que comparecer, porque seria o lugar perfeito para lançar a The Plastic Ono Band. Tudo se alinhou perfeitamente. Se Ritchie não estivesse na Apple, John Lennon poderia ter pensado que éramos só uns malucos tentando falar com ele no telefone. Não teríamos vendido o resto dos ingressos, o show teria sido cancelado, eu teria que mudar de profissão, e essa ocasião histórica jamais teria acontecido. De qualquer forma, é essa a minha história e não vou mudar nenhum detalhe. Nem mesmo sob juramento."

Juliette Jagger é uma jornalista especializada em rock'n'roll que mora em Toronto. - @juliettejagger