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Música

Não Existe Nada Mais Solitário do que Michael Jackson Chorando Numa Sala Escura

"She's Out of my Life" foi um momento crucial na carreira de Michael Jackson, e um raro momento de vulnerabilidade quando ele estava à beira do estrelato solo.

Capturas de tela de "She's Out of My Life", via YouTube

O clipe abre com uma ondulação de cordas que sobe para encontrar Michael Jackson, que está sozinho, sentado em uma banqueta, numa sala escura. É desse Michael que gosto de lembrar. Ele tem o mesmo nariz largo que eu e meus irmãos, a pele de um marrom profundo, e o olhar perdido na distância. Iluminado por trás por um único holofote, com aquela voz angélica, é fácil vê-lo como um espírito vindo lá do alto. Se não fosse pelo suéter verde adoravelmente pateta que ele veste, você talvez percebesse que Jackson começa a chorar enquanto canta o último verso da música.

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"She's Out of My Life" foi o último de quatro singles que chegaram ao top 10 retirados do disco Off the Wall, que, lançado por Jackson em 1980, seria um divisor de águas. O disco foi importante não só por ter lançado em sentido pleno sua carreira solo de superstar, com grandes sucessos como "Rock With You" e “Don’t Stop ‘til You Get Enough”, mas também por marcar o início de sua parceria com o renomado produtor Quincy Jones. Até aquele disco, o trabalho solo de Jackson fora em conjunto com a Motown Records – uma instituição, sem dúvida, mas que o impedia de alcançar a grandeza.

Na Motown, o trabalho solo de Jackson e a música com os Jackson 5 (cujo nome depois virou The Jacksons) foi associado com o pop chiclete puro. Trabalhando os garotos da família Jackson para que criassem hits, a Motown também impedia que Michael e seus irmãos tivessem qualquer controle criativo ou poder de contribuição sobre a música deles. Menos problemática quando os garotos eram mais novos e controlados pelo pai manipulador, Joe, essa falta de independência tornou-se mais grave quando ficou claro que o talento de Michael estava anos-luz à frente do de seus irmãos.

Somente os muito obcecados por Michael Jackson reconhecem que ele teve uma produção solo antes de Off the Wall. Pela Motown, lançou quatro discos solo: Got to Be There (1972), Ben (1972), Music and Me (1973) e Forever, Michael (1975). Os discos venderam muito bem, mas não eram exatamente de vanguarda. Por exemplo, a faixa título de Ben, indicada ao Oscar, foi trilha do filme de mesmo nome, que contava a história de um garotinho e seu rato de estimação (chamado Ben), que se torna o líder de uma colônia de ratos assassinos aterrorizando uma cidadezinha. Acho que eu seria incapaz de criar um plot mais ridículo se me dessem um bloco de anotações, uma garrafa de uísque e uma hora para trabalhar.

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Para a foto de capa de Music and Me (1973), Jackson foi obrigado a posar com uma guitarra em mãos, embora ele não tocasse guitarra em nenhuma faixa do disco. Mais um boneco colocado numa pose do que músico profissional, Jackson foi adornado pela Motown para vender discos, com seu sorriso elétrico e carismáticos passos de dança. O rompimento com a Motown e o contrato com a Epic foi uma medida lógica e que, no final das contas, mudaria o mundo. Michael estava empacado; precisava não só de uma nova direção, mas também da orientação de um produtor experiente.

Quincy Jones conheceu Michael Jackson no set do filme The Wiz, a recriação musical lançada em 1978 de O Mágico de Oz, com um elenco composto apenas por afro-americanos. Dependendo de para quem você perguntar, The Wiz foi um filme horrível, um fracasso de bilheteria que enterrou o gênero Blaxploitation, ou um clássico cult, um filme de família estrelado por heróis culturais da raça negra, como Diana Ross e Richard Pryor. Quando Jackson pediu a Jones recomendações de produtores que pudessem assumir o leme de seu primeiro disco solo pela Epic Records, ouviu vários nomes. Jones, contudo, acabou fazendo a melhor sugestão de todas: ele mesmo.

No estúdio, durante a gravação de Off the Wall, Jones sugeriu uma capa que viria de mãos dadas com sua vontade de que o jovem cantor gravasse músicas com temas mais maduros. Embora os Jackson 5 e o The Jacksons tenham soltado inúmeros hits, estes costumavam ser recheados por letras tímidas sobre paixonites de pátio de colégio, e sobre dançar com um sorriso nos lábios. A música "She's Out of my Life", de Tom Bahler, espantosamente, vinha sendo guardada por Jones para seu ex-colaborador Frank Sinatra. Bahler era um letrista que morava na Califórnia, ativo principalmente nas décadas de 60 e 70, que tinha Jones como amigo íntimo.

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Quando Jackson, por fim, sentou-se na banqueta e gravou "She's Out of My Life", concluiu cada take chorando enquanto cantava o último verso. Embora tentasse cantar os últimos segundos de maneira contida, Jackson não conseguiu, como Jones contou em entrevista feita na ocasião de um relançamento de Off the Wall, em edição especial:

‘She's Out of My Life’, essa música eu vinha carregando fazia uns três anos – dá para sentir a dor que há nela, entende? Fiquei segurando a música, e finalmente alguma coisa me disse: 'essa é a hora certa de entregá-la para Michael'.

E quando a gravamos com o Michael, sei que foi uma experiência sobre a qual ele nunca pensara em cantar numa música, porque é uma emoção muito madura. E, no fim de cada take, ele chorava. Gravamos – não sei – uns 8 a 11 takes, e em cada um deles, no final, ele chorava, e eu dizia: 'Ei, é pra ser assim mesmo, deixa assim'.

Isso que Jones diz sobre "emoção madura" é importante. Um garoto que vivera numa bolha agora tinha 21 anos e continuava sendo protegido do mundo; se havia um sentimento que Jackson conhecia, era o de solidão. O ex-astro infantil era amado por multidões de fãs, mas tinha poucos amigos íntimos. Os problemas e inseguranças que Jackson teria mais tarde podem ser remontados à sua infância que, como era sabido, passara muito longe de ser ideal.

Além de ter apenas os próprios irmãos como companheiros, Jackson e os irmãos eram espancados com frequência pelo pai, Joe, por cometerem pequenos erros durante as maratonas de ensaios. No que depois teria graves consequências sobre as decisões cosméticas de Michael, Joe frequentemente, e com sadismo, dizia que Michael tinha um "nariz gordo".

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Na autobiografia que Jackson lançou em 1988, Moonwalk, ele fala sobre a solidão que acabaria se tornando algo que definiria e tomaria a sua vida:

Muitas garotas querem saber como eu sou – porque vivo do jeito que vivo, ou porque faço as coisas que faço. Elas querem me resgatar da minha solidão, mas fazem isso de uma maneira que me deixa com a impressão de que querem compartilhar da minha solidão, coisa que eu não desejaria para ninguém, porque acredito que eu seja uma das pessoas mais solitárias do mundo…

Eu me deixei levar por "She's Out of My Life'. Nesse caso, a história é verdadeira – chorei no final de um take, porque as palavras de repente surtiram um efeito muito forte em mim. Eu vinha deixando muita coisa se acumular dentro do meu peito. Tinha 21 anos, e era tão rico em algumas experiências, e ao mesmo tempo pobre em matéria de momentos de verdadeira felicidade…

Quando me emocionei depois daquele take, as únicas pessoas que estavam comigo eram o Q [Quincy] e o Bruce Swedien. Lembro de esconder o rosto nas mãos e ouvir apenas o zumbido das máquinas enquanto meus soluços ecoavam pela sala. Depois, pedi desculpas, mas eles disseram que não precisava.

Enquanto gravava Off the Wall, Jackson costumava perambular pelo próprio bairro, procurando pessoas que não o reconhecessem. Nessas caminhadas sofridas, tinha a esperança, como diz em Moonwalk, de encontrar "alguém que quisesse ser meu amigo porque gostava de mim, e porque também precisava de um amigo, e não por eu ser quem eu era."

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Como hoje fica óbvio, as lágrimas de Jackson na gravação final de "She's Out of My Life" só fizeram enchê-la de sentido. A 66 batidas por minuto, a música é uma das mais lentas em toda a discografia de Jackson. Esse ritmo rastejante funciona para enfatizar as letras simples mas comoventes de Bahler, que gritam contra "a maldita indecisão e o desgraçado orgulho", como se Jackson realmente soubesse o que é perder uma amada por causa da própria idiotice.

O ponto alto da música, claramente, é o quarto verso de cada estrofe, em que a voz de Jackson alça voo, pairando quilômetros acima do acompanhamento instrumental discreto da canção. "She's Out of My Life" com certeza não é o único exemplo de uma balada de amor na discografia do cantor – faixas como “Carousel”, “Fly Away”, e “I Just Can’t Stop Loving You” são bons exemplos de MJ cantando com profundidade sobre as dores do amor.

A diferença entre essas músicas e "She's Out of My Life" é de tempo e lugar. Quando Jackson gravou esta última, era um rapaz solitário que desconhecia o amor; quando gravou mega sucessos como "Will You Be There", era um superstar adulto e solitário, isolado pela fama, cantando agora sobre um amor universal, meio que divino.

"She's Out of My Life" captura Michael Jackson em um ponto crucial de sua vida e carreira. Vendo-o cantar, sentimos estar testemunhando um momento raro de vulnerabilidade, de uma versão do cantor com que raramente temos contato. Embora ele depois viesse a cometer erros claros e a tomar decisões bizarras na vida, é difícil não simpatizar com o rapaz sentado sozinho na sala escura do clipe, isolado e sem uma "ela" em sua vida, quanto menos fora dela.

Austin Bryant não é o seu amante, mas, em compensação, está no Twitter.