De Sidney Magal a Boogie Naipe: um papo no estúdio-laje do Lino Krizz

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De Sidney Magal a Boogie Naipe: um papo no estúdio-laje do Lino Krizz

O cantor dos Racionais MCs, "Senhorita" e até de trilhas de novelas fala sobre o novo single “Rosa Aos Ventos”, carreira, primórdios, presente e futuro da black music brasileira.

Ao sair da estação Capão Redondo do Metrô, você chega num centrinho comercial bastante movimentado a qualquer hora do dia. Atravessando a Estrada de Itapecerica (dessas ruas que não precisa ser de São Paulo para conhecer por conta das citações na obra dos Racionais MCs, grandes representantes dessa quebrada), uma das avenidas principais desse fervo é a Paulino Vital de Morais. Logo depois de uma subida pouco simpática aos mais sedentários, fica a casa de um cara que você, com certeza, já ouviu devido aos inúmeros hits que levam a sua voz: Lino Krizz.

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Na casa, a fotógrafa e eu fomos convidados a subir uma escada caracol que leva à laje. Para a nossa surpresa, a laje é um estúdio com paredes de vidro. De dentro, é possível observar toda a vizinhança e sentir o sol que fervia a zona sul de São Paulo — o ar condicionado dava uma só aliviada nessa sensação.

Lino Krizz, 44 anos, tem histórias para contar. Com seu irmão (gêmeo) DJ Dri, Lino fundou a dupla Os Metralhas e esteve presente no segundo álbum de rap do Brasil, a coletânea O Som das Ruas. Organizada pela equipe de bailes black Chic Show, trazia também NDee Naldinho (NDee Rap, na época), Sampa Crew e DJ Cuca, entre outros. O disco trouxe também a primeira grande polêmica do rap nacional, pois rivalizava diretamente com Hip-Hop Cultura de Rua, primeiro disco nacional de rap que havia saído um mês antes, pelo selo Eldorado, com Thaíde & DJ Hum e Código 13, entre outros. “Essa polêmica aí foi plantada pela imprensa, nada a ver”, garante Lino Krizz.

Foto por Larissa Zaidan/VICE

Em sua trajetória, Lino Krizz tem hits de FM e até de novelas das oito (sim, mais de uma!), mas quem não acompanha a música negra e vive o underground não liga muito sua voz ao seu nome. Conversei com ele sobre esse lance aproveitando a ocasião do lançamento do seu mais recente single, “Rosa Aos Ventos”, um samba rock de respeito. Abaixo, tem até participação especial do Thaíde, em áudio, pra falar sobre uma suposta treta entre os dois.

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Noisey: Lino, vamos começar falando sobre a música nova. Quando você me mandou no WhatsApp, eu estava ouvindo, exatamente naquele momento, Jorge Ben Jor, e o som casou perfeitamente.
Lino Krizz: Sim, “Rosa aos Ventos” é inspirada em “O Telefone Tocou Novamente”, do Jorge Ben, mas alguns amigos falaram que tinha uma levada flamenca também, especialmente no vocal. Tem uma influência de Sidney Magal aí! “Sandra Rosa Madalena”, saca? Aquela coisa da produção do Robert Livi. Eu tenho o primeiro disco dele de 1971, com o nome de Sidney Rossi [ se levanta e pega o compacto raro). A voz é inconfundível — nem acha no Discogs isso aqui, não tem em lugar nenhum e muitas vezes nem é citado. Só falam do trabalho depois que ele vira Sidney Magal mesmo. “Rosa Aos Ventos” é uma faixa inédita especialmente pra edição do último disco, “Consumer Fire”, em vinil, mas que aparece solta no streaming.

E você produz tudo aqui no seu estúdio?
Sim. Esse single mesmo foi produzido aqui em casa. Composição eu faço sempre sozinho. Mas tô pra fazer um disco mais de rap e R&B e tenho falado com o Blood Beatz, beatmaker de Santos, com Filiph Neo, DJ Will… aí tem rolado uns beats bacanas e eu escrevo a letra em cima. Pro próximo vai rolar isso.

Você é um cara que mistura muitas coisas nos seus trabalhos. Como é sua formação musical?
É de Deus. Não aprendi absolutamente nada com ninguém, sou autodidata. A música vem de 4, 5 anos de idade, com a trilha sonora da novela A Escalada (1975). Com cinco anos, eu já cantava Elvis, Neil Sedaka, Paul Anka, Nat King Cole e essa trilha sonora inteirinha, é a minha primeira lembrança sonora. Depois comecei a pesquisar, ir atrás mesmo, essa coisa de ler ficha técnica. E eu consigo guardar facilmente na memória. Saber as histórias por trás das músicas. Não sou nostálgico, mas gosto de saber as histórias. O streaming é prático, mas não tem isso.

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Você é de qual quebrada?
Sou daqui mesmo… sempre Capão Redondo.

Foto por Larissa Zaidan/VICE

E é interessante que, com o passar do tempo, o Capão acabou virando um celeiro de artistas, tem muita gente boa que saiu daqui. Você acompanhou isso? Foi natural ou um foi puxando o outro, criando uma cena?
Depois d’Os Metralhas e do Racionais, principalmente Brown e Blue, começou a plantar sementes, né? Começou a ramificar a árvore mesmo, e nãos só o rap. Sem a gente saber, já tinha outros artistas daqui. Um dos caras daquela dupla Atchim e Espirro era daqui [ risos]. A atriz Narjara Tureta também. Aí depois vem o Negredo, Ferréz como escritor, Mauricio DTS do Detentos do Rap, Sergio Vaz, que não é Capão mas é colado aqui. O rap aumentou essa cena, mas hoje tudo agrega. Tem escritor, tem gente dos saraus, tem atores, é tudo misturado. O rap fortaleceu a cultura pro negro como um todo, independente do que o negro faça como arte. Então, é parte da cultura negra, de rua. O rap ainda tem a cena bastante forte, mas o que veio depois agregou.

Então me conta a história da sua dupla com seu irmão, Os Metralhas. Como rolou isso?
Começou num concurso de rap da Chic Show no antigo Asa Branca [ famosa casa de shows em Pinheiros, zona oeste de São Paulo], em 1987. Um tio nosso frequentava lá, era uma matinê, e falou que ia rolar. No mesmo concurso estavam Mano Brown e Ice Blue. A gente foi até a semifinal e quem ganhou foram os BBBoys [ a dupla pré-Racionais]. Saiu um monte de gente boa desse concurso.

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E logo depois vocês participaram do disco O Som das Ruas. Fui entrevistar o Thaíde e ele me contou uma história envolvendo vocês. Quero ouvir a sua versão.

[ risos] Primeiro lançaram o Cultura de Rua. Um mês depois, saiu O Som das Ruas. E aí a imprensa plantou essa discórdia. Falavam que o deles era autêntico de rua e o nosso era elitizado, mais pop, sofisticado. E os próprios baileiros alimentavam isso também. Quem tocava num baile, não tocava no outro. O Luizão, da Chic Show, tinha um programa na Band FM, o Black in Love, e ele não avisava a gente quando tinha show, a gente tinha que ficar ligado no rádio [ risos]. Aí ele anuncia um show nosso abrindo pro Thaíde & DJ Hum. Todo mundo ficou em pânico! A gente correu, ligou pra ele e ele: “Não, fica tranquilo que não vai rolar nada!”, aquela calma do Luizão. A gente era menor de idade, minha mãe ia junto pros shows. E aí rolou essa história que ele conta.

Foto por Larissa Zaidan/VICE

Hoje muita gente conhece sua voz, mas nem sempre liga à sua pessoa. Como é isso pra você? Foi uma opção ficar mais na sua?
Com 44 anos, já sou considerado velho pro mercado. Muita gente conhece as músicas que eu canto, mas não associa à minha imagem, é verdade. Sei que meu nome é mais conhecido hoje, mas ninguém sabe que é o mesmo cara de “Senhorita” [ hit do Motirô, de alcance nacional, de 2004], que compôs “Você Vai Estar na Minha” da Negra Li… fiz muitos projetos e ainda faço. É difícil consolidar uma carreira solo independente, e me tornei independente por obrigação, falta de espaço mesmo. Mas não deixa de ser gratificante. No underground eu sou conhecido no Brasil inteiro, mas ainda quero saber o que tem no universo do mainstream.

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E foram músicas que estouraram em novelas também, o que dá moral.
É uma felicidade quando estoura. Primeiro foi com o Motirô em Cobras e Lagartos. Depois teve a Pé Na Jaca, com a música da Negra Li. Depois “Vem Dançar com Tudo (Kuduro)” caiu no meu colo e na mesma Avenida Brasil tem mais três ou quatro músicas minhas em alguns capítulos. Aí quando chega na massa é incrível. De alguma forma, você vê que acertou, que fez o seu trampo.

Foto por Larissa Zaidan/VICE

E mais recentemente você é o grande parceiro do Mano Brown em Boogie Naipe , tanto na produção do disco quanto nos shows. Como rolou esse convite?
Eu já tava produzindo esse meu mais recente disco, tinha começado… então os dois discos são paralelos. Brown já tinha feito umas coisas com William Magalhães, da Black Rio, como “Louis Lane” e “Mulher Elétrica”. Na “Boa Noite, São Paulo” foi que a coisa recomeçou e virou Boogie Naipe mesmo. O trampo com o William parou, eu já era backing vocal dos Racionais, sempre tava ouvindo disco music, funk… subindo a avenida Sabin, aqui no Capão, ele me vê e fala: “Sei que cê curte uns clássicos, vamos produzir lá comigo o disco?”. Topei, já sabia o que tava rolando e entrei no trampo, que é clássico e moderno ao mesmo tempo. E eu falei pra ele cantar. A empreitada já era um risco, por ser o Brown num repertório mais romântico… falei: “Cê é afinado, vamos cantar, bota esse Brown pra cantar aí!”. Precisava de um negócio novo. A primeira que ele cantou foi “Mal de Amor”… a surpresa era essa, a chave pro trabalho. “Você rimando não tem novidade. É música, letra e cantar”, falei. Aí saiu o disco.

E antes disso, então, como que você entrou pro bang dos Racionais e passou a fazer vocais nos shows?
Foi na avenida Sabin também [ risos]. Tava na loja de roupas da Fundão e ele me gritou na rua, chamou pra conversar. “Cê faz backing, né?”. “Sim!”. “Topa fazer pro Racionais?”. “Bora”. Simples assim…

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