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O artista palestino que borda imagens da violência e do horror na Síria

De alguma maneira, as imagens de sírios assassinados no conflito bordadas à mão por Majd Abdel Hamid são ainda mais terríveis e reais por serem abstratas.

'Unknown Man Bleeds Out After Being Shot', Alepo, Síria (2015). Todas imagens cortesia de Majd Abdel Hamid.

Majd Abdel Hamid coleciona imagens de mortes e as transforma em bordados. O artista palestino de 27 anos já se aventurou em escultura e pintura, expondo seus trabalhos na The Mosaic Rooms, em Londres (2013), e no Centro de Arte Contemporânea Laznia, na Polônia (2011), mas tecido e linha são um meio a que Majd sempre retorna de tempos em tempos.

Nascido em Damasco de pais palestinos, Majd, aos três anos, se mudou com a família para Amã, Jordânia, antes de eles serem permanentemente reassentados na capital da Cisjordânia, Ramallah, quando ele tinha sete. Hoje, ele divide seu tempo entre Ramallah e Beirute, em parte porque tem o hábito de "nunca planejar nada com mais de dois meses de antecedência", como ele me disse por Skype.

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As imagens que ele escolhe – pessoas morrendo em público – são tiradas da mídia, das listas de imagens mais importantes do ano, além de vídeos dos primeiros meses da Revolução Síria. Usando cores que ele descreve como "não sensuais, mas pop", ele recria versões em bordado das imagens sangrentas da crise de cinco anos do país.

Além de querer criar uma arte que aborde questões fora da Palestina – uma ação que, segundo ele, pode te fazer se sentir isolado e marginalizado –, ele é um pioneiro entre os jovens artistas palestinos. No começo do ano, ele foi listado como o "Melhor Artista Local" de Ramallah pelo guia da cidade publicado pelo Guardian.

"O critério é principalmente sobre essas mortes performáticas em espaços públicos e essa ideia de espetáculo, seja em protesto, uma execução ou um atentado", explicou Majd sobre as imagens que borda. "Não é sobre discurso político ou quem está cometendo esses crimes. Não estou tentando apresentar o que o regime de Assad representa para as pessoas na Síria – não acho que esse seja meu papel. No entanto, também tenho uma opinião política sobre o que está acontecendo naquele país."

'Man Thrown from Roof as Crowds Watch', Raqqa, Síria (2015).

No produto final, a morte é removida de seu contexto, se tornando quase que completamente abstrata. Majd gasta de 80 a 100 horas em cada peça, bordando tanto mortos identificados quanto anônimos. Apesar do aspecto mórbido, ele acha o processo de trabalho calmante. Em abril, ele planeja ter completado uma série de 25 obras para uma exposição no Krognoshuset, na Suécia.

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"Abordo essa imagem horrível da morte, mas sem realmente capitalizar sobre o aspecto do sangue", ele frisa. "No bordado, não fica realmente muito claro o que está acontecendo – o sangue ou o cenário –, porém, quando você vê uma criança morrendo, você entende a imagem automaticamente. Isso te perturba. Também estou experimentando com essas imagens, o que significa as bordar e [ver] como as pessoas reagem."

O projeto é parcialmente uma resposta ao trabalho do escritor sírio Yassinal-HajSaleh, que vem debatendo a ética de usar imagens das vítimas da guerra e violência. "Para que as futuras gerações possam superar isso, precisamos documentar essas imagens, documentar a brutalidade", afirmou Majd.

O bordado não é normalmente usado para criar uma janela para esse tipo de dor, embora as representações de Majd das mortes sejam até mais angustiantes, principalmente por causa da sensação de irrealidade que o meio transmite. Isso também pode ser visto como um comentário sobre a irracionalidade da guerra, particularmente da guerra na Síria – ou como tal horror pode existir.

"Você pode dizer que isso tudo é uma conspiração, o mundo lavando sua roupa suja na Síria, ou você pode realmente encarar o monstro", me disse Majd. "Essas pessoas não caíram do céu, elas não são alienígenas – são pessoas que gostam de morte, de matar, torturar. Como você lida com isso? Como você lida com essas imagens?"

'Untitled 3'

Majd frequentou a Academia Internacional de Arte da Palestina e se formou na Academia de Arte Malmo, na Suécia, em 2010. Na Palestina, ele aprendeu sobre os pioneiros da arte árabe, que ele diz serem todos modernistas, em aulas focadas na história da arte local. Para Majd, bordado é uma reação contra isso.

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"Não é uma questão de eu ser homem e fazer bordado", ele destaca. "É uma questão do meio em si ser… não vou dizer maternal, não gosto dessa palavra, mas não é realmente patriarcal. A estrutura, o modo como você produz isso, como isso é produzido (historicamente, como uma produção cultural) têm essa qualidade que eu realmente admiro. É a autonomia, e é muito pós-moderno."

Para os palestinos, artesanato é algo profundamente enraizado na cultura e historicamente tem funcionado como uma forma de resistência. Nos anos 80 e 90, durante a proibição de Israel à bandeira palestina e à arte usando suas quatro cores, mulheres bordavam a bandeira e imagens icônicas, como a Mesquita al-Aqsa, em vestidos tradicionais.

Apesar de seu trabalho anterior em bordado apresentar esculturas feitas com analgésicos e sal marinho, o artista prefere usar tecidos, aparentemente um material menos interessante, para abordar a situação complexa no Oriente Médio. Seu primeiro projeto em bordado se centrava em quatro militares que surtaram depois de completar o serviço, como NidalHasan, um psiquiatra do exército norte-americano que matou 13 pessoas no atentado de 2009 em Fort Hood, e explorava o "sistema de solidariedade". Entretanto, foi seu trabalho seguinte com agulha e linha que realmente chamou atenção internacional.

'Mohammad Bouazizi' (2012)

Trabalhando com oito mulheres de Farkha, um pequeno vilarejo da Cisjordânia, Majd fez a curadoria de nove obras de pop art de retratos de Mohammad Bouazizi, o tunisiano que colocou fogo em si mesmo e é creditado por ter dado início à Primavera Árabe.

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"Depois da morte dele, você podia ver a mudança da figura pop", apontou Majd. "As figuras pop do mundo árabe na minha infância eram Mohamed Aboutrika, um jogador de futebol egípcio, e Nancy Ajram. E, do nada, Bouazizi virou manchete e sua foto estava por todo lado."

Majd acrescentou que Bouazizi "não é apenas a romantização das revoluções… é também esse momento tão significativo da história. De certa maneira, Bouazizi se tornou parte da mudança geracional."

Majd espera expandir a prática, experimentando com obras em grande escala e com a maneira como as pessoas interagem com elas, apesar de temer que isso prejudique a intimidade que seus bordados menores possuem. Mas, para seus admiradores, o trabalho delicado do artista já contém tal impacto emocional que qualquer ansiedade sobre o futuro da prática parece injustificado. Experimentar com o meio do bordado e dar a isso um novo rosto são uma maneira de assegurar que essa prática artística tradicional não acabe estagnada e morra algum dia.

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Tradução: Marina Schnoor.