Homens no Congresso Nacional segurando faixa com os dizeres "Alguém confia neste Congresso?"
II Congresso Nacional do MST, Brasília, Distrito Federal, 1990. Foto: Arquivo MST

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Fotos

Fotos inéditas e históricas que narram a trajetória do MST

A VICE teve acesso ao arquivo de imagens do principal movimento popular pró-reforma agrária do Brasil.

“A fotografia é um instrumento pedagógico para a história”, diz o fotógrafo Douglas Mansur, que desde 1987 documenta o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), conhecido por lutar pela reforma agrária no país.

Douglas se aproximou do movimento a partir de sua ligação com a igreja católica, quando fotografava as Romarias da Terra, que aconteciam anualmente em diversos estados brasileiros. Desde então, são 40 anos contando a trajetória do MST por meio de imagens. Ali, Douglas criou laços, viu (e fotografou) famílias sendo construídas, crianças crescendo e se formando – algumas que, hoje, já adultas, são lideranças dentro do movimento.

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O fotógrafo calcula ter por volta de cinco mil envelopes com negativos, fora toda a produção digital. “Eu costumo brincar que é muito mostrado o Movimento Sem Terra caminhando, ocupando e apanhando, mas se vê poucas imagens do pessoal na roça, plantando e colhendo”, comenta, fazendo referência às famílias que são, atualmente, as maiores produtoras de arroz orgânico da América Latina.

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Congresso Nacional dos Sem Terra. Curitiba, Paraná, 1985. Foto: Orlando Kissner

Fotografia é memória, portanto, todas têm o mesmo valor, segundo o fotógrafo, que enxerga um ponto em comum em sua extensa documentação, que é a organização e o crescimento do MST, tanto na produção como na formação de seus membros. “Sempre fotografei os grandes e também os pequenos momentos dentro do movimento, porque do pequeno é que vai surgir o grande."

O acervo próprio do MST é composto, em média, por 15 mil fotografias, produzidas desde o começo da década de 1980, quando o movimento ainda estava se formando. Esse acervo vem sendo organizado e a intenção é que, em breve, essas imagens sejam disponibilizadas em uma plataforma on-line.

As imagens trazem acontecimentos marcantes, como a Encruzilhada Natalino, que foi o berço do MST; a ocupação da Fazenda Annoni, a primeira realizada pelas famílias do movimento; os primeiros assentamentos; os conflitos com a polícia; o 1º Congresso do MST, em 1985; o envolvimento do movimento com os processos políticos do Brasil, como o impeachment de Collor, em 1992; e a prática pedagógica, que envolve a formação de muitos de seus membros.

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Acampamento e Ocupação em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, 1989. Foto: Arquivo MST

O MST tem um histórico vasto de imagens que contribui para uma melhor compreensão de sua trajetória de luta. “A fotografia pode servir como um instrumento de comunicação, inclusive com nossa própria base, além de denunciar os crimes e informar as pessoas sobre o que é o MST”, diz Jullyana Luporini, responsável pelo setor de arquivo e memória do grupo.

Para ela, o elemento recorrente nos registros fotográficos é a questão da coletividade. “Uma foto de uma única pessoa, como um dirigente, não é tão importante quanto uma que mostra pessoas acampadas. E acho que isso está sempre presente nas imagens”, explica.

Os fotógrafos do movimento

O MST conta também com membros que atuam como fotógrafos regulares, que desenvolvem esta função diluída entre outras pelas quais também são responsáveis. Juliana Adriano, que atua nos setores de comunicação e educação, em Santa Catarina, tem, em alguns momentos, a tarefa de fotografar como sua atividade principal. Para ela, estar no cotidiano do movimento lhe permite o acesso às múltiplas dimensões da vida das pessoas, e essa convivência é capaz de promover níveis maiores de confiança. “Aos poucos, essa proximidade permite perceber as possíveis linhas para a construção de uma narrativa imagética do Movimento”, fala.

Existem inúmeros outros fotógrafos e fotógrafas que se dedicam a registrar o grupo, entre eles, Rodrigo Rossoni, fotógrafo baiano que, em 1997, passou um período documentando o dia a dia do assentamento Piranema, na cidade de Fundão, no Espírito Santo.

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Marcha Nacional do MST, Goiânia, Goiás, 1997. Foto: Arquivo MST

Depois de um tempo, Rodrigo, sentindo-se insatisfeito, passou a questionar o material que havia produzido em 97. “Entendi que o que havia vivido no período que passei no assentamento não estava totalmente representado nas minhas fotos, como a relação entre eles, que é pautada pela afetividade e coletividade.”

Para o fotógrafo, generaliza-se muito quando se fala sobre o MST, e isso é repercutido também pelas imagens, principalmente no que é construído e divulgado pela grande mídia, onde a perspectiva da convivência real, do dia a dia, e o valor da terra, geralmente, ficam de fora.

Essa visão limitada que é oferecida a partir das imagens faz com que grande parte da população não tenha conhecimento do que é e como funciona, realmente, um acampamento ou assentamento. “Geralmente, cria-se uma imagem e, automaticamente, uma identidade sobre o movimento baseada na violência e no oportunismo, e isso me incomodava muito, além de perceber que boa parte dos fotógrafos que vão aos assentamentos constroem uma imagem triste de um lugar que é cheio de vida.”

Dessa forma, em 2013 Rodrigo retornou ao assentamento Piranema e, após três meses de convivência, iniciou uma oficina de fotografia com as crianças, que aprendiam noções básicas, passando pelo laboratório, ampliação e construção de câmeras Pinhole (processo artesanal de produzir fotografias sem o uso de equipamentos convencionais).

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Repressão policial durante manifestação. Cruz Alta, Rio Grande do Sul, sem data. Foto: Douglas Mansur

Foram oito meses de interação e aprendizado mútuo. No último mês das aulas de fotografia, Rodrigo deu às crianças câmeras fotográficas compactas, que continham um filme cada, e pediu a elas que, durante uma semana, fotografassem o que quisessem, sem a supervisão dele, para que pudessem expressar, por meio de imagens, como viam a si mesmas e o ambiente em que estavam inseridas. “O olhar de quem vem de fora é, muitas vezes, cheio de preconceitos e estereótipos; nesse caso seria o olhar de quem vive e sente aquele espaço”, lembra Rodrigo, que delimita sua vida como antes e depois desse trabalho, que foi tema de seu mestrado na Universidade Federal do Espírito Santo.

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Quando as crianças retornaram, as fotos feitas por elas foram reveladas e ampliadas. Essas imagens continham, de maneira recorrente, as famílias em suas casas, os objetos adquiridos, pratos com comida e o trabalho diário.

O material produzido pelas crianças resultou em uma exposição com 31 fotos, que aconteceu primeiro no próprio assentamento e, depois, em um espaço cultural na cidade de Fundão. Na ocasião da abertura da exposição, por volta de 80 assentados foram levados até a cidade em um ônibus para se verem representados nas fotografias de olhar honesto e simples, feitas pela própria gente.

Mais fotos históricas do MST abaixo:

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Acampamento no Rio Grande do Sul, sem data. Foto: Marco A. Couto

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Encruzilhada Natalino em Ronda Alta, Rio Grande do Sul, 1981. Foto: Juan Carlos Gomes

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Acampamento do MST na BR-153, Goiânia, Goiás, 1987. Foto: Arquivo MST

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D. Pedro Casaldáliga na Encruzilhada Natalino, Ronda Alta, Rio Grande do Sul, 1982. Foto: Arquivo MST

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I Congresso Nacional do MST, Curitiba, Paraná, 1985. Foto: Itamar Garcez

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I Congresso Nacional do MST, Curitiba, Paraná, 1985. Foto: Itamar Garcez

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Assentamento Cobrinco, Roraima, 2000. Foto: Arquivo MST

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III Curso de Militantes de Base do Conesul, Glória de Dourados, Mato Grosso do Sul, sem data. Foto: Arquivo MST

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III Curso de Militantes de Base do Conesul, Glória de Dourados, Mato Grosso do Sul, sem data. Foto: Arquivo MST

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