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Desporto

Desportos que não lembram ao diabo: Wife-carrying

O objectivo é percorrer um circuito especial de obstáculos, fazendo o tempo mais rápido, mas sempre com a mulher às costas.

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Lembro-me de há uns anos ter assistido a um filme finlandês onde descobri que, culturalmente, não era estranho abanar a cabeça de cima para baixo quando se queria dizer não e, mantendo a (i)lógica, da esquerda para a direita quando se queria dizer sim. Porém, neste país que uns dizem significar "a terra dos mil lagos", enquanto outros preferem a mais obscura designação de "Terra dos Pântanos", nada me havia preparado para um desporto que não lembra ao diabo a que os finlandeses decidiram chamar eukonkanto - ou akankanto. E que, em bom português, poderá ser livremente traduzido como andar com a mulher às costas. Para facilitar, usaremos o mais britânico e engravatado wife-carrying.

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Aparentemente, este desporto nascido na Finlândia é uma estranha mistura de provas de resistência, com o carregar literal - e às costas - da cruz matrimonial. O objectivo é percorrer um circuito especial de obstáculos, fazendo o tempo mais rápido, mas sempre com a mulher às costas. Em termos genéricos, podem ser usados vários tipos de carregamento: às cavalitas, como manda a tradição – os ingleses chamam-lhe piggyback -, à bombeiro – com a mulher atirada sobre os ombros como um cobertor – ou à moda da Estónia, com a mulher pendurada de cabeça para baixo, agarrada à cintura do homem e com as pernas à volta dos ombros deste.

Há mesmo um Campeonato do Mundo que decorre anualmente – desde 1992 – em Sonkajärvi, Finlândia, onde normalmente o prémio é atribuído em cerveja, de acordo com o peso da mulher. Por vezes até juntam um plasma para apimentar a coisa. A competição tem sido dominada pelos estónios, algo que não agrada nem um pouco aos finlandeses, que andam nisto de carregar as mulheres às costas há demasiado tempo. Mas não nos adiantemos e regressemos, antes, ao início.

Segundo rezam as lendas, para falar do wife-carrying teremos de recuar até aos últimos anos do século XIX e a um senhor chamado Herkko Rosvo-Ronkainen. Considerado por todos como um grandessíssimo ladrão, Herkko vivia numa floresta e divertia-se, juntamente com o seu gangue, a lançar a confusão e a instalar o mal nas aldeias circundantes. Mas o que tem Herkko a ver com este desporto, já se perguntam os leitores mais impacientes. Pois bem, aqui o mistério adensa-se e são levantadas três hipóteses para esta sublime invenção: primeiro, Rosvo-Ronkainen e seus comparsas foram acusados de roubar comida e mulheres dos acampamentos, carregando as mulheres às costas enquanto corriam mata adentro; para a segunda teoria, conta-se que os jovens costumavam ir a aldeias, que não a sua, roubar a mulher ao vizinho, que a partir desse momento passava a ser a sua – mulher carregada não é roubada, apetece dizer; por último, diz-se que o cerebral Rosvo-Ronkainen treinava os seus ladrões para serem mais rápidos e fortes, fazendo-os carregar sacos pesadíssimos às costas, o que acabou por evoluir para um desporto baseado no trabalho duro e na força dos músculos.

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Apesar de ser considerado por muita gente como uma rebuscada anedota, a verdade é que os competidores levam o wife-carrying muito a sério, por isso se estiverem a beber shots com finlandeses lembrem-se de evitar piadas que incluam mulheres e, sobretudo, costas. Para além da Finlândia, o desporto já chegou a lugares mais ou menos improváveis como a Austrália, os Estados Unidos da América, a Estónia, Hong Kong ou o Reino Unido. E, para aqueles que duvidam que isto é mesmo verdade, basta procurarem no Guinness Book of Records, há lá um lugar especial para o wife-carrying.

Depois desta prospecção ao sempre encantado território das lendas e mitos, passemos agora às mais palpáveis e medíveis regras da competição. Porque, se antes o percurso original atravessava um território pedregoso com muitas vedações e outras contrariedades maiores, hoje em dia a competição tornou-se amiga do carregador. Há agora areia em vez de calhaus e até uma zona de água com ar de piscina.

"…o peso mínimo da mulher carregada é de 49 quilos. Se pesar menos que isso, será adicionado um saco com o peso que estiver em falta…"

As regras definidas pelo International Wife Carrying Competition Rules Committee são mais ou menos estas: a extensão oficial do percurso é de 253,5 metros; o percurso apresenta dois obstáculos secos e um obstáculo de água que terá cerca de um metro de profundidade; a mulher carregada pode ser a mulher verdadeira do carregador, mas não há problema se for a mulher do vizinho ou alguém que tenha raptado pelo caminho.

Contudo, terá de ter mais de 17 aninhos para evitar problemas; para isto não se tornar num passeio à beira-mar, o peso mínimo da mulher carregada é de 49 quilos. Se pesar menos que isso, será adicionado um saco com o peso que estiver em falta; todos os participantes terão de desbundar durante a prova – regra muito importante; o único equipamento permitido é um cinto usado pelo carregador e um capacete usado por quem vai às costas; os participantes correm aos pares, o que faz com que cada mão seja uma final em si mesma; cada participante tem de tomar a seu cargo a sua segurança e a da mulher carregada e, para prevenir males de maior, tratar do seguro; há que prestar atenção e seguir as regras adiantadas pelos organizadores da competição; no Campeonato do Mundo há apenas uma categoria, saindo vencedor o casal que completar o percurso realizando o tempo mais rápido; à semelhança da universal e bem conhecida Miss Simpatia, o casal mais bem-disposto também leva para casa um prémio, assim como o carregador mais forte e aquele que usar a melhor vestimenta.

Apesar destas regras serem a base, cada competição estabelece as suas próprias regras e prémios. Seja como for, uma coisa parece certa: vão todos acabar a beber cerveja, sem pensar na mais que provável ressaca do dia seguinte.