Por que o Weezer silenciou todos os covers da música 'Hash Pipe'?

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Tecnologia

Por que o Weezer silenciou todos os covers da música 'Hash Pipe'?

Entenda essa bizarrice numa jornada ao mundo de copyrights do YouTube.

Como muitos guitarristas amadores sem talento, só consigo aprender a tocar uma música — por mais básica que seja — com a ajuda de tutoriais gravados por desconhecidos em suas webcams. Certa noite lá estava eu, uma mão no instrumento e outra no mouse, tentando aprender algumas músicas do Weezer com a ajuda do YouTube.

Depois de me irritar com a dedilhada de "Say It Ain't So", vi um tutorial da música "Hash Pipe." Não sou muito fã do Green Album, mas sei que essa é a melhor música do disco e decidi redirecionar para lá meus esforços. Cliquei no vídeo e vi ISSO:

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O vídeo estava lá, mas seu áudio havia sido cortado. Cliquei em outro tutorial da mesma música. Depois em outro. E mais um. Todos sem som. Eventualmente cheguei nos covers de Hash Pipe — todos eles mudos. Até mesmo um vídeo protagonizado por um homem de peruca e uma banda formada por um tecladista, um saxofonista e um baixista intitulado "Hash Pipe (Cover 1920 Estilo Grande Gatsby) - Thomas Jefferson and His Ragtime Orchestra" havia sido silenciado por infringir os direitos autorais da banda.

Como aquela era a primeira vez em que me deparava com aquilo, passei boas horas obcecado com o tema. Embarquei numa jornada rumo às profundezas dos vídeos do Weezer no YouTube. Isso me levou à algumas conclusões: performances ao vivo (tocadas pela própria banda) de Hash Pipe filmadas e disponibilizadas por fãs, covers e tutoriais de Hash Pipe estavam todos mudos; no entanto, vídeos que infrigiam claramente os direitos autorais da música (como vídeos com a gravação original de Hash Pipe) não sofriam nenhuma mudança. Além disso, nenhuma outra música da banda parecia ser fiscalizada com a mesma persistência, embora eu tenha encontrado algumas compilações de riffs de guitarra (como essa) que também haviam sido bloqueadas.

Comecei a me perguntar se aquilo era mais uma loucura do vocalista da banda, Rivers Cuomo, que passou um bom tempo se recusando a tocar algumas músicas antigas da banda por motivos que só ele sabia. Será que ele ouviu uma versão tão ruim de Hash Pipe que só lhe restou ligar para seus advogados e mandá-los apagar qualquer sinal da música do YouTube?

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Tentei entrar em contato com Cuomo pelo Twitter, por meio de seus agentes e pelo Snapchat (imagem entregue mas não visualizada :(), mas não recebi nenhuma resposta. Uma pesquisa rápida no Setlist.fm mostra que Hash Pipe ainda faz parte do setlist da banda. Nada indica que a banda odeie outras versões dessa música. Também entrei em contato com o YouTube e com o Google por meio do serviço de atendimento ao cliente do Google e de um contato meu no YouTube.

Na manhã seguinte — talvez em resposta aos meus emails — o áudio de alguns (mas não de todos) vídeos havia sido restaurado, muito embora ninguém houvesse me respondido.

Foi aí que comecei a ligar para todos meus contatos. Falei com advogados especializados em direitos autorais, deixei comentários nos vídeos que haviam sido censurados e mandei emails para várias pessoas cujos vídeos haviam sido silenciados. Como já suspeitava, existe uma explicação simples, embora frustrante, para esse fenômeno.

Existem vários tipos de direitos autorais, sendo dois deles mais importantes: os direitos autorais de gravação e os direitos autorais de composicão. Os direitos autorais de gravação protegem o áudio em si — são eles que nos impedem de baixar ou compartilhar músicas que não nos pertencem. Fazer um cover de uma música em público (ou no YouTube), no entanto, é tão ilegal quanto baixar um mp3 pirateado. O compositor da música pode controlar por quem ou onde ela é tocada —em outras palavras, os direitos autorais de composição controlam os covers.

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No caso do Weezer, a notificação de quebra de direitos autorais foi preenchida pela E.O. Smith Music, sigla de Edwin O. Smith Music, a produtora de Cuomo. (A produtora ganhou esse nome em homenagem à escola onde Cuomo estudou no ensino médio para aqueles interessados em curiosidades sobre a banda.)

Os covers eram muito importantes no início do rock, quando as músicas eram escritas por uma pessoa e interpretadas por diferentes artistas para diferentes públicos. Hoje os covers se tornaram uma forma de promover o artista original e caem na maior parte do tempo sob a categoria de licença compulsória. Isso significa que, caso um artista grave um cover, ele terá que pagar o compositor original da obra. Isso ajuda a evitar disputas legais.

Mas como isso se aplica ao YouTube, onde as pessoas que gravam covers (ou que gravam tutoriais) não são, em sua maioria, pagas por suas performances?

"Um cover costuma envolver os direitos de composição da obra", disse Erik Stallman, diretor do Centro a Favor da Democracia e Tecnologia. Stallman acrescentou que mesmo que a música soe completamente diferente — um cover estilo ragtime de uma música do Weezer, por exemplo — ainda há a questão de direitos autorais. "Mesmo que o cover soe completamente diferente da obra original, eles ainda estão relacionados; será que a utilização transformadora de uma obra poderia ser considerada, então, como legalmente aceitável?"

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Regravar uma música sem autorização, é, em termos gerais, ilegal. No entanto, o YouTube tem milhões e milhões de covers. É bom lembrar que Justin Bieber, assim como várias outras celebridades do YouTube, começou sua carreira gravando covers. Se todos os covers e tutorias fossem removidos ou silenciados, o site perderia grande parte de seu conteúdo.

Rivers Cuomo não está criando tutoriais de suas músicas — seus fãs estão. Gravar um tutorial de uma música e regravar a própria música são coisas diferentes. Um tutorial atende a um público específico; em outras palavras, é um produto completamente diferente de uma gravação.

Para solucionar a questão dos direitos autorais, o YouTube usa o ContentID, um programa polêmico que já foi criticado por grupos como a Fundação Fronteira Eletrônica por sua abordagem injusta e prejudicial à fomentação da criatividade.

O ContentID, criado em 2007, é basicamente uma forma de acalmar os detentores de direitos autorais (nesse caso o Weezer) sem desagradar os usuários do site. Nesse caso, o Weezer disponibiliza a gravação original de Hash Pipe e, quando alguém posta uma cópia da música, o ContentID marca o vídeo e notifica o artista. O Weezer tem então três opções: ele pode monetizar o vídeo (o que significa encher o vídeo de propagandas); pedir que o vídeo seja deletado; ou retirar seu áudio. O autor do vídeo não pode fazer nada — o ContentID age automaticamente.

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O ContentID já marcou mais de 400 milhões de vídeos e, de acordo com o Google, a empresa já gastou mais de US$ 60 milhões para aperfeiçoar a ferramenta.

O ContentID também pode identificar trechos de músicas de modo automático, o que significa que, se um cover for minimamente parecido com o material original, ele pode ser marcado. Caso ele não tenha tantas semelhanças com o material original — muito provavelmente o caso da versão ragtime acima — o Weezer pode solicitar que o vídeo seja marcado manualmente. Foi isso que aconteceu em pelo menos um dos casos, de acordo com um screenshot que recebi de alguém que havia publicado uma performance de Hash Pipe gravada em um show do Weezer.

O YouTube afirma que o ContentID permite que os usuários mantenham seus vídeos no ar, além de reduzir a pressão dos pedidos de retirada da Lei dos Direitos Autorais Digitais do Milênio, que prejudicam mais o site, o artista e as pessoa que publicou o vídeo. A empresa também oferece um processo de recurso para os vídeos identificados de forma indevida (falaremos mais sobre isso abaixo).

"Nos quase oito anos de existência do ContentID, o programa ajudou todos, de gigantes da mídia a artistas independentes, a controlar a distribuição de suas obras no YouTube", disse o YouTube em um pronunciamento. "O sistema é atualizado constantemente e, em outubro de 2012, introduzimos um processo de recurso que oferece aos usuários a chance de entrar com um recurso contra a decisão do site."

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Ao que tudo indica, os vídeos foram marcados pelo ContentID e o Weezer decidiu retirar o áudio de todos os vídeos que tocassem Hash Pipe. Mas nem tudo é tão simples. Existem muitas outras questões envolvidas, algumas das quais eu posso responder e outras cujas respostas eu posso apenas supor, visto que estas dependem de detalhes específicos de um sistema que o YouTube mantém em sigilo.

Só os integrantes do Weezer sabem por que isso acontece especificamente com os vídeos da música Hash Pipe. Outras músicas da banda podem até ter sido marcadas pelo ContentID, mas, por alguma razão, a banda decidiu monetizá-las ou ignorá-las — dado alguma excentricidade da parte de Cuomo, presumo. É como se alguém da banda tivesse visto todos os vídeos que tocam a música e pedido para que o YouTube removesse o áudio de covers, tutorias e versões ao vivo.

Mais uma prova de que o Weezer é uma banda muito estranha: Charles Nibbana, um homem que posta vídeos de shows da banda, me disse que apenas os vídeos da música Hash Pipe foram silenciados; todos os outros foram monetizados.

Hash Pipe: Silenciado

Perfect Situation: Monetizado

"Acho muito irônico que todos meus vídeos do Weezer, como pode ser visto na segunda imagem, estejam sendo 'monetizados pelo requerente' enquanto o vídeo de Hash Pipe foi silenciado", diz Nibbana. "Isso não faz sentido nenhum, especialmente considerando que eles poderiam monetizar todos esses vídeos."

Voltando às teorias acerca do mistério do Hash Pipe: em pelo menos um caso, um vídeo que havia sido previamente silenciado foi tirado do ar.

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Esse vídeo foi silenciado e em seguida deletado

Há uma possível explicação. Caso você seja um entusiasta dos direitos autorais, deve estar lembrado da saga envolvendo ummashup de Buffy, a Caça-Vampiros e Twilight publicado por Jonathan McIntosh em 2013. O post acima merece ser lido, mas vai aí um resumo: a Lionsgate tentou monetizar o vídeo, mas McIntosh queria que ele permanecesse não-monetizado. McIntosh entrou com um recurso contra o pedido, e a Lionsgate desistiu. Isso até a Lionsgate tentar de novo. McIntosh entrou com outro recurso e a Lionsgate respondeu com um pedido de retirada do DMCA, uma reinvidicação legal de direitos autorais (o ContentID não segue "a lei"— ao contrário dos pedidos de retirada do DMCA).

Um breve comentário sobre o processo de recurso do ContentId: o YouTube não oferece informações sobre o número de recursos preenchidos ou sobre quanto desses recursos foram ganhos. Talvez porque ele não tenha essas informações, afinal, o processo de recurso não envolve o YouTube. Ele só faz a ponte entre a pessoa que publicou o vídeo e o detentor dos direitos autorais da música, deixando o problema nas mãos dos dois. O que significa que muitas vezes esse processo coloca um adolescente contra os advogados de uma gravadora, o que eu desconfio que não seja muito bom para o jovem em questão. McIntosh acabou ganhando a disputa, mas não antes de envolver seus próprios advogados.

O YouTube se recusou a explicar o que havia acontecido com os vídeos do Weezer. Entretanto, é possível que a banda não tenha recebido a opção de monetizar alguns tutorias ou covers de Hash Pipe talvez porque esse material envolva a propriedade intelectual de terceiros. Também é possível que — vale dizer que isso é apenas um chute — o YouTube tenha dado a opção de remover o vídeo (como aconteceu com esse aqui) ou de silenciá-lo, mas não de monetizá-lo.

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Essa última opção faz sentido do ponto de vista do YouTube. A monetização do ContentID não é um sistema ilimitado — a empresa permite que um número limitado de YouTubers se associe a um número limitado de artistas num sistema de divisão de ganhos. No entanto, nem todos os YouTubers podem se associar a todos os artistas. Em teoria, os usuários com poucas visualizações e alcance não preenchem os requisitos exigidos pelo YouTube. Logo, caberia ao YouTube defender os direitos do Weezer, mas sem pagar 100% dos lucros do cover (que pertence também a outra pessoa) para a banda. O resultado é ruim para todos: no final o vídeo é deletado ou silenciado.

Chegamos à conclusão de que o ContentID é um sistema imperfeito. Regravar uma música sem autorização pode até ser ilegal, mas parte do conteúdo de um tutorial ou da análise de um jogo (que são constantemente marcadas pelo ContentID) é propriedade intelectual do criador do vídeo. Nesses tutoriais — muitos dos quais são mais longos do que a música em questão — o guitarrista te ensina a posicionar seus dedos nas cordas, a dar um toque mais pessoal à música ou até mesmo dicas básicas sobre como tocar certos acordes ou trechos da música.

Rivers Cuomo não está criando tutoriais de suas músicas— seus fãs estão. Gravar um tutorial de uma música e regravar a própria música são coisas diferentes. Um tutorial atende a um público específico; em outras palavras, ele é um produto completamente diferente de uma gravação. Com o ContentId, o YouTube permite que artistas lucrem em cima de algo que não é deles, um problema muito presente na discussão sobre pirataria.

Quando percebi que o vídeo havia sido silenciado, perguntei ao homem da imagem acima se ele sabia o que havia acontecido (não falei que havia mandado um email para o YouTube, já que eles ainda não haviam me respondido).

"Não sei o que aconteceu, só sei que o vídeo foi silenciado por causa de 'quebra de direitos autorais'", disse. "Mas eu preenchi um recurso e o áudio voltou! Problema resolvido. EDUCAÇÃO E ROCK PARA TODO MUNDO!"

Ele não estava ciente das implicações legais por trás daquilo. E por que ele estaria? Afinal, nada disso faz sentido.

Tradução: Ananda Pieratti