Dandara dos Santos, 42, foi morta em fevereiro de 2016 depois de ser vítima de um linchamento na periferia de Fortaleza. A morte cruel de Dandara engrossou as estatísticas do país que mais mata pessoas LGBT no mundo. Em nome da travesti e de tantas outras pessoas que vivem a LGBTfobia no Brasil eu e um batalhão fomos às ruas de São Paulo para falar que a comunidade LGBTQIA+ quer respeito. O momento me fez também compreender que existem pontos delicados e exclusivos em relação à comunidade T, inclusive longe da minha realidade como homem gay.
Publicidade
Logo depois de acompanhar o caso de Dandara e da manifestação em São Paulo, teve início a divulgação da então nova novela das nove da Globo, A Força do Querer, mostrando algo novo: um personagem em conflito com a sua identidade de gênero. Embalado pela trilha de 'True Colors', me vi perto de uma situação — ainda que fictícia — que nunca tive que lidar, mas refleti sobre os casos em que colegas que passaram pela situação durante o período escolar e tenham sofrido com isso, porém, hoje vivem acalentados sendo pessoas trans. Ainda assim, era o sinal de que a tevê estava pronta para falar com milhões sobre a transição de gênero.A questão da transexualidade foi desempenhada pela atriz Carol Duarte, que vive Ivana/Ivan na novela. Os passos de descoberta e dúvidas do personagens deram mais visibilidade à causa trans. "Nos testes eu sabia da responsabilidade do papel tanto em cena quanto fora. Quando soube que faria a Ivana me dediquei muito nos estudos e nas preparações. É um trabalho que me dá muito orgulho", fala a atriz em entrevista à VICE.
O ator Silvero Pereira, que faz o personagem Nonato, o transformista que vive Elis Miranda, lembra que "a novela coloca em pauta o assunto em diferentes regiões e ambientes . A luta pelos direitos da população LGBTQIA+ são travadas e traçadas através de ONGs , instituições, dentro de faculdades e nos movimentos artísticos. Uma novela não solucionará todos os problemas, mas certamente verticaliza/aprofunda o assunto, principalmente se for um tema tratado com coerência e cuidado", diz ele.
Publicidade
"A novela foi um grande avanço em colocar em pauta alguns assuntos referentes à comunidade LGBTQIA+", comenta o crítico de TV do jornal Agora e apresentador do Estação Plural na TV Brasil Fernando Oliveira, também conhecido como Fefito."Uma novela não solucionará todos os problemas, mas certamente aprofunda o assunto" — Silvero Pereira
"A comunidade trans encontrou ruídos nas definições que foram passadas, houve certa confusão do que é uma drag, uma transexual, e até mesmo travesti, de uma maneira equivocada. Apesar do ruído, foi um grande avanço porque foi a primeira novela a falar da transexualidade de uma maneira não caricata, de maneira honesta, dá para reconhecer o esforço da Glória Perez nesse sentido", ressalta o crítico.
A obra também mostra um outro lado da história. Vivida por Maria Fernanda Cândido, a ex-modelo Joyce é mãe de Ivan e passa por fases que variam entre luto e aceitação da transição do filho. A presidente da ONG Mães pela Diversidade Majú Giorgi revela que "é muito difícil as mães encararem a sociedade. Quando elas veem que já têm outras mães fazendo isso, fica muito mais fácil. Com a história da novela vieram muitas mães do Brasil inteiro [procurar ajuda da ONG]. A novela tem mostrado que existem mães na luta e dá coragem para outras irem junto".E não só de personagens fictícios LGBTQIA+ compõe a obra de Glória Perez, o elenco também é formado por atrizes e atores da comunidade. Silvero relembra que "a comunidade LGBTQIA+ é marginalizada em decorrência do preconceito que se vive. Para o gay, trans ou travesti não basta mostrar que são profissionais de competência, pois além de enfrentar o mercado de trabalho ainda se enfrenta o preconceito. Daí a importância de cada vez mais espaço de empregabilidade para a comunidade".
O ator fala que gostaria que a novela seja lembrada como "uma novela sobre a realidade do Brasil." Ele conta que "somos um país que discrimina a diferença, seja por classe social, por diversidade e gênero, por gordofobia, ou por xenofobia", mas ainda assim espera que o trabalho gere novas discussões no cotidiano brasileiro: "a relação humana, a meu ver, é a maior fragilidade de se conviver em sociedade."Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.