O Super Bock Super Rock já é vintage

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Música

O Super Bock Super Rock já é vintage

Para o ano haverá mais, mas esperemos que sem chuva.

Seis da tarde de quinta-feira e a 20.ª edição do Super Bock Super Rock estava quase a começar. Dei de umas voltas pelo campismo, à procura de um lugar à sombra, e percebi que este ano o festival tinha uma forte adesão estrangeira — ouvi muitas conversas nas mais variadas línguas: espanhol, italiano, inglês, alemão. Depois da tenda montada e o reconhecimento feito, entrei no recinto.

DIA 1 Os Million Dollar Lips já tocavam no palco EDP, mas segui na direcção oposta porque faltava pouco para Vintage Trouble. A banda californiana não tinha muita gente para os ver, mas só faz falta quem lá está e quem não estava perdeu o melhor concerto de abertura de um festival de sempre. Os Vintage Trouble fizeram-me viajar no tempo e no espaço, para a América dos anos 50, com o seu blues/rock. Se fechasse os olhos, quase que parecia que estava a ouvir um concerto de Chuck Berry. Foi impossível ficar indiferente ao vocalista, Ty Taylor, que se mostrou incansável e um verdadeiro animal em palco. Qual pastor americano, veio ao Meco exorcizar os nossos demónios através da música e, no fim do concerto, tinha já convertido toda a gente à religião do blues/rock. O concerto de Erlend Øye no palco EDP serviu-me para recuperar energias e alinhar os chakras. O novo projecto a solo do homem mais branco vivo e segunda metade dos Kings of Convinience apresentou-nos um som suave e melódico, muito relaxante. Quando o seu baterista canta para a plateia uma música em islandês, uma pessoa menos atenta ao meu lado pergunta: “Isto afinal é Sigur Ros?” Não, infelizmente não é, por isso o melhor a fazer mesmo era voltar para o outro palco porque Metronomy estava quase, quase a começar. O grupo britânico não é estranho em palcos lusos — o primeiro concerto que deram fora do Reino Unido foi no Porto — e já tem uma legião de fãs considerável e que sabe na ponta da língua quase todas as letras das músicas. Com muita pena minha, focaram-se mais no novo álbum Love Letters, mas mesmo assim deram um bom concerto ao pôr do sol. Os Tame Impala levaram toda a gente por uma viagem psicadélica, sem ser preciso recorrer a drogas pesadas. Bastou o som distorcido das suas guitarras e a voz misteriosa de Kevin Parker. Consegui um lugar à frente, aconchegada do frio no meio da multidão, mas rapidamente recuei, depois apanhar com alguns macacos suados do moche em cima e de ter comido uma quantidade considerável de pó — a loucura tinha-se instalado mal se ouviram os primeiros acordes de “Elephant”. No palco EDP, Jake Bugg foi recebido por gritos histéricos assim que entrou em palco — quase todos da sua legião de fãs femininas e muito devido ao seu ar de menino bonito —, mas mostrou que não é só aparência e que até sabe umas coisas de rock’n’roll. Do electrónico para o psicadélico e de volta para o electónico: chegou a vez de Massive Attack mostrarem que a boa música é intemporal. Com mais de 20 anos de carreira o grupo de trip-hop veio mostrar como se faz um espectáculo como deve ser, principalmente àqueles que toda a tarde lhes chamaram “aquela banda do Dr. House”. Apesar das músicas mais recentes não terem a qualidade a que nos habituaram, basta ouvir a “Tear Drop” ou a “Girl I love you” para perceber o porquê de serem considerados uma banda de culto. Um privilégo ver em palco o crème de la crème da sua constituição — falo de Horace Andy, Martina Topley-Bird, Daddy G e Robert Del Naja) — e um espectáculo musical e visual bem estruturado, com muita conotação política por trás (como de resto já é habitual). Apesar de os Massive Attack serem os cabeça de cartaz oficiais, para muitos essa honra cabia aos Disclousure. Cerca de 20 minutos depois da hora marcada lá subiram ao palco. O fogo demorou a começar a arder mas, o duo que é a grande sensação do momento da música de dança, pôs o Meco a dançar debaixo da lua durante mais de uma hora. DIA 2 O Super Bock Super Rock promete “Meco, sol e rock’n’roll”, mas no segundo dia o sol equeceu-se de aparecer. As nuves foram uma constante a tarde toda e, ao final do dia, o céu estava carregado e prometia chuva — e as coisas acabaram por correr um bocado mal, mas já lá vamos. O palco EDP neste dia ficou marcado por atrasos. Joe Satriani chegou 15 minutos depois da hora prometida, mas fez valer a espera. Bem disposto, mostrou o porquê de ser considerado um dos melhores guitarristas da actualidade: fez o que quis da guitarra, solos complicados pareciam brincadeira de criança e até com os dentes tocou. Saí do concerto de Satriani para ir ver The Cults, mas devia ter ficado onde estava. O grupo de Nova York parecia distante e o público não lhes deu muita atenção — a maior parte estava a guardar lugar para Woodkid e Eddie Vedder. O melhor concerto da noite foi uma cortesia dos Pulled Apart by Horses. O moche começou mal se ouviram os primeiros acordes das guitarras eléctricas e só parou no fim do concerto, de cinco em cinco minutos estava alguém a fazer crowd surf. O grupo esteve sempre bem disposto, o guitarrista eufórico e aos saltos, o vocalista a rebolar no chão. Até cerveja ofereceram a quem os via. A chuva prometida chegou a meio do concerto, mas ninguém se importou. “Fuck the rain!” era o lema, berrado constantemente quer pela banda quer pelo público. No entanto a festa teve de ser interrompida precocemente pois a água era tanta que os músicos já estavam a apanhar choques eléctricos dos instrumentos. O único sítio coberto no recinto era o palco Antena 3, e assim aproveitei para ver como estava o concerto da Capicua. Para os não entendidos em hip-hop a sereia Capicua explica. A tenda estava cheia, provavelmente foi o concerto naquele palco com maior adesão, mas não era só por causa da chuva. Sem papas na língua e com uma cerrada pronuncia do norte, Capicua mostrou que o rap também deve ter um lugar nos festivais. A chuva não durou muito tempo, mas conseguiu fazer os seus estragos. O palco EDP, encharcado, não estava em condições de ter concertos e foi preciso limpá-lo e montar uma cobertura. Sleigh Bells era suposto ser às 22h30, mas Alexis Krauss veio ao palco informar que ia haver uma mudança de planos e só actuavam às 3h da manhã, depois de Cat Power. Uma valente facada no coração de muita gente. Já o palco Super Bock continuou com a programação prevista, com o Woodkid a dar um concerto que quase roubava o protagonismo a Eddie Vedder. Comecei a ver o espectáculo um bocado de longe, desconfiada pois não grande fã. Mas à medida que o tempo passava dava por mim cada vez mais perto do palco, atraída pelo néo-folk épico do música francês e pela cumplicidade que este mostrou com o público. Um concerto muito bem pensado, cheio de teatralidade, e que encheu as medidas a toda a gente. Cat Power estava programada para a meia-noite, mas só subiu ao palco já depois da uma da manhã — o que atrasou também o concerto de Eddie Vedder. E como se não bastasse, deu uma espécie de mini concerto, de menos de uma hora, desculpando-se com o facto de que podia voltar a chover — se calhar não reparou que o palco já estava coberto e que o pessoal não se importava de apanhar uma valente molha para a ouvir. Mal acabou Cat Power, Eddie Vedder subiu ao palco Super Bock, perante um mar de gente. Ou se adora ou se detesta Eddie Vedder, e eu fico-me pelo segundo grupo. Mas aqueles que gostam dizem que o concerto foi espectacular, houve mesmo que chorasse em algumas músicas. Tocou músicas dos seus dois álbuns a solo, algumas de Pearl Jam e ainda covers de Bob Dylan e dos Beatles, e convidou a Cat Power e o Legendary Tiger Man ao palco. Foram duas horas e meia de concerto, o que para mim e para que estava à espera de Sleigh Bells foi demasiado tempo - uma espanhola ameaçou mesmo subir ao palco Super Bock e enchê-lo de porrada para que se calasse. Sleigh Bells acabaram por tocar eram já quase quatro e meia da manhã, provavelmente um dos maiores atrasos da história de festivais. Mas isso não impediu a banda de dar um concerto bombástica para os fãs que esperaram religiosamente à frente do palco EDP e para aqueles que vieram à procura de algo mais mexido depois de Eddie Vedder. DIA 3 O último dia do Super Bock Super Rock começou com o tributo a Lou Reed, ideia do Zé Pedro e que juntou em palco Lena de Água, Legendary Tiger Man, Capitão Fausto e outros. Talvez por isso o recinto tenha demorado mais a encher que nos outros dias — já que o sol hoje resolveu dar um ar de sua graça, porquê sair da praia mais cedo para ver uma banda de covers? Já perto das oito, subiram ao palco EDP os Big Church of Fire, banda de rock portuguesa cuja sonoridade parece perfeita para uma banda sonora de um filme do Tarantino. O guitarrista de Strokes, Albert Hammond Jr., deu um concerto para uma escassa e bastante apática plateia. Só a conseguiu animar um pouco quando, no fim, tocou uma versão da "Ever Fallen In Love (With Someone You Shouldn't've)", dos Buzzcocks. Depois de terem cancelado um concerto o ano passado em Portugal, os The Kills voltaram este ano para dar um dos melhores concertos do Super Bock Super Rock. É impossível alguém ficar indiferente a Alison Mossheart: à sua voz rouca e sensual, à sua energia e postura em palco, à mestria com que toca guitarra (e já repararam que ela é bastante agradável à vista?). Acompanhados por dois percussionistas e um coro de duas cantoras, mostraram que não é preciso muita treta para fazer boa música. O rock deles é sem merdices, sem enfeites. E chega para o público ficar como que hipnotizado e cantar em coro muitas das suas músicas. Podiamos ficar horas a vê-los, mas infelizmente o que é bom acaba depressa e o concerto acabou pouco mais de uma hora depois. Ainda faltavam largos minutos para o concerto de Foals e já estava difícil ir andar perto do palco. Para além de terem muitos fãs em Portugal, os Foals são também famosos pela qualidade dos seus espectáculos — ganharam em 2013 o Q best live act. E entende-se porquê. Tem energia para dar e vender e, mesmo estando rouco, Yannis Philippakis deu tudo o que tinha ao longo de mais de uma hora de concerto. Até quem não gostava particularmente do grupo (tipo eu), foi rapidamente conquistado pelo som electrizante que estes tipos têm ao vivo — os moche pitts e crowd surfings foram recorrentes. Yannis Philippakis, contagiado, acabou por entrar na euforia e lançar-se para o público. Se os Kasabian merecem ou não ser cabeça de cartaz é bastante discutível. Sempre achei que não, mas o concerto deles quase que me convenceu de que se calhar melhoraram como banda desde a primeira vez que os vimos, em 2006. Pelo menos animaram as hostes, mesmo que esta seja a enésima vez que vêm a Portugal e mesmo que a sua sonoridade não tenha nada de especial, nem de diferente. Sim, dão um bom espectáculo, sim conseguiram pôr toda a gente a saltar, sim até têm umas músicas engraçadas. Mas falta-lhes qualquer coisa, aquilo que distingue bandas gigantes de bandas apenas animadas. A 20.ª edição do Super Bock Super Rock terminou em grande com os C2C. Para quem não conhece, são quatro DJs de scratch que fazem maravilhas com os pratos e misturam vários estilos musicias, sempre com o dub e a electrónica como refrência. Se as pessoas estavam cansadas ao fim de três dias de festival, não se notava: a frente ao palco EDP encheu-se de corpos a dançar freneticamente pela noite dentro. Para o ano haverá mais, mas esperemos que sem chuva.

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