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Música

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Uma banda de homens raros que conheci numa sala de ensaios no Porto.

Fotografia por Nuno Miranda Os Templários do Rock são uma banda de homens raros que conheci numa sala de ensaios no Centro Comercial Stop, no Porto. Antes disso só ouvira rumores: dois ex-polícias — e, ocasionalmente, um camionista — pegaram em guitarras, adoptaram os nomes de Templário Afonso e Templário Henriques e partiram para a criação de músicas e de um espectáculo que incorpora as tendências metalúrgicas medievais de séculos há muito passados, misturando-as com rock dos anos 70. Mais lutas de espada, pinturas faciais e, claro, uma atitude ameaçadora. Espero que esta descrição seja suficiente para toparem os contornos da cena sem ter de mandar para o ar referências culturais do rock, como Alice Cooper ou algo parecido. Estes gajos descrevem-se como sendo “a melhor banda rock portuguesa de sempre”. O Templário Henriques é o líder e mentor da banda. Depois de algumas peculiares conversas ao telefone, consegui marcar uma entrevista. Essa entrevista teve de acabar mais cedo e quando nos encontrámos novamente o camionista já tinha deixado a banda. Mais tarde, num outro encontro, fiquei a saber que o Templário Afonso também tinha abandonado a armadura. Comprimi todas as nossas conversas e este foi o resultado. VICE: Isto começou tudo num sonho, não foi?
Templário Henriques: Foi. Sonhei que estava vestido de templário a dar concertos por todo o lado. Depois liguei ao Templário Afonso e propus-lhe formarmos os Templários do Rock, vestirmo-nos como templários medievais e tocar rock’n’roll. E ele disse que adorava isso, que tinha visto o filme Coração de Cavaleiro, e aceitou. Aquele filme com o Heath Ledger? Paz à sua alma. Mas porquê esse fascínio pela Idade Média?
Sempre gostei da Idade Média. Gostava de ter sido um guerreiro víquingue, celta ou templário. Para mim, os melhores guerreiros de sempre foram os templários, os espartanos, os víquingues e os celtas. Sou um apaixonado por história, arqueologia e pela época medieval. Pelo que sei, és um gajo muito católico e costumas andar com parafernália religiosa no bolso. Para que serve isso?
Neste preciso momento, devo ter comigo cerca de dez objectos religiosos diferentes: cruzes, terços e um saco que nem sequer sei o que tem lá dentro. O São Bernardo é o nosso santo. Há aquela cena de um santo ter de ser um totó, mas aquele não — era um santo guerreiro. Posso ser muito católico, chorar com depressões, mas tão depressa sou também capaz de enterrar a espada no peito de um gajo se ele o merecer. Antes dos concertos costumam sacrificar animais ou fazem alguma cena medievalesca?
Não, mas temos um ritual. Espargimo-nos com uma coisa secreta porque há muita gente a querer-nos mal. Quando vamos tocar ocorrem sempre fenómenos estranhos. Ou o pessoal diz que vem e não aparece ninguém, ou rebenta o amplificador… Raul, conta o que te aconteceu quando vieste para a banda.
Raul: No primeiro ensaio, partiram-se logo duas cordas do baixo — o mi e o lá. Nunca me tinha acontecido, nem é muito frequente. Cordas partidas? Isso é terrível… Vocês são polícias e artistas rock, certo?
Templário Henriques: Os polícias ganharam-me um ódio muito grande e por causa disso estou de baixa psiquiátrica há um ano. É a primeira vez que estou a dizer isto numa entrevista. O mundo hoje está assim — não querem homens competentes a trabalhar. Estava há 21 anos naquele serviço. É uma chibaria terrível. Num dos últimos concertos escreveste no teu peito “morte aos chibos”.
Sim! Na polícia há aos milhares. Há um clima de terror em todo o lado, por isso é que temos uma música nova que se chama “País do Medo”. Como é que lidavas com esse ambiente?
Nos anos 80 eu chegava ao Comando com blusões dos Iron Maiden, dos Motorhead — cheios de pins —, calções, sapatilhas e sabes o que me diziam à entrada? “Ah, meu filho da puta, precisavas era de levar duas morceladas nesse lombo!” E eu dizia, “morceladas levas já tu, meu boi do caralho!”, e eles acobardavam-se porque eu nunca tive medo de ninguém. É como estes anéis que tenho aqui nas mãos… quando ia levar o serviço ao oficial de dia, ele olhava para os anéis e criava-se ali um mau estar dos diabos. O nosso comandante quando nos via passar virava a cara, só lhe faltava cuspir no chão. Ele devia era chamar-nos ao gabinete e dar-nos os parabéns pelo bom nome que damos às camadas jovens da polícia e por ajudarmos a limpar a imagem de bandidos que eles têm. Assim, os nossos colegas passariam a gostar de nós. São merdas como estas que nos transtornam o cérebro. Os Templários do Rock têm sido recusados e desprezados em vários sítios onde gostariam de tocar.
Ninguém nos chama para tocar. A Fnac não quer nada connosco, a Casa da Música muito menos. Disse-lhes que eram hipócritas, porque abriram as portas com Lou Reed que toca um rock simples, quando existem aqui gajos como ele. É uma hipocrisia tremenda. Vocês estiveram dois anos sem tocar.
Exactamente. Mas não cheguei a contar porque é que a polícia passou a perseguir-me. Pois não, meu. Conta lá isso.
Fui testemunha de um colega e o oficial queria que eu mentisse. A partir daí esse indivíduo começou a perseguir-me. Apresentei queixa, mas foi tudo abafado. Depois dessa perseguição, criei a banda. Quando começámos a ter algum êxito, só me diziam o horário de trabalho no próprio dia — tudo para não poder marcar concertos. Trataram-me abaixo de cão. E vieram as depressões…
Vê lá que os nossos colegas de trabalho disseram que nós não fazemos "pela sorte como, por exemplo, o Pedro Abrunhosa faz". Conheci-o pessoalmente e cheguei a pagar-lhe cafés aqui no Centro Comercial Stop, o dono do bar é testemunha. Agora não nos conhece. Num Verão fomos levar-lhe um disco a casa e atendeu-nos uma miúda de piercing à mostra, toda descascada, e disse que mais tarde o Abrunhosa nos contactava. E eu disse logo, “ó menina, por amor de Deus, já sei que não vai contactar nada”. E ela disse, “não se preocupe, o Pedro responde a toda gente”. Até hoje. Fotografia de arquivo cedida por Templários do Rock E como é que um camionista veio parar no meio de dois polícias?
Raul: Acho que, mais tarde ou mais cedo, os camionistas acabam sempre por se cruzar com polícias.
Templário Henriques: Sabes, há aquele estigma, “ah, são polícias! Mas porque é que esses polícias andam a tocar rock com essa idade?” Nunca nos vêem como músicos. E se nos dessem nome a nível nacional, enchíamos estádios. Ninguém se lembra que o das anedotas, o Fernando Rocha, era picheleiro e hoje está rico; ninguém se lembra que o Carlos Paião era médico e que o António Variações era cabeleireiro. Se fôssemos oficiais da polícia diriam, “o Sr. Comissário canta tão bem”. Por sermos agentes, somos uns bandidos que tocam rock’n’roll a denunciar tudo. Vamos tocar sempre até morrer, ninguém pode parar isto. [Passou algum tempo e voltei a ligar ao Templário Henriques para saber como estavam a correr as coisas. Havia novidades: o camionista tinha deixado a banda. Combinámos beber um copo no Stop.] Como é que aguentam o andamento dos concertos? Em comparação com outras bandas de rock, vocês já não são propriamente novos.
Templário Afonso: Tu estás a ficar mais “soft”.
Templário Henriques: Estás enganado, estou cada vez pior. Amanhã vou fazer uma caveira no peito a dizer “justiça para todos”. E depois uma nas costas a dizer “Templários do Rock”, com sangue a escorrer pelas costas abaixo.
Templário Afonso: Tens de ir para a América.
Templário Henriques: Pois. Isto é um país de tansos, de atrasados mentais. Há poucas pessoas como nós. Tenho andado a ler muito, cada vez gosto mais de ler. Li dois livros fabulosos: o primeiro foi O Tesouro de Lisboa, do Paulo Moura, que é sobre a tomada de Lisboa aos mouros, por D. Afonso Henriques; e o outro foi A Vida Desconhecida de Cristo, que conta onde esteve Cristo dos 12 aos 30 anos, porque ninguém sabe por onde é que ele andou durante essa idade. E como foi o vosso último concerto?
Foi muito mau. O concerto foi bom, mas foi mau demais porque só assistiram três pessoas. Um amigo que foi connosco e dois que vieram de táxi e que ficaram maravilhados. Já entraram em contacto connosco no MySpace a dizer que aquilo foi o concerto da vida deles — um concerto privado. E depois ficámos amigos. Um deles até tocou guitarra. Foi um concerto que me deixou de rastos, tanto que no dia seguinte fiquei de cama.
Templário Afonso: Tocar para três pessoas foi como voltar à estaca zero. Realmente, é chato. Mas falem-me sobre as vossas roupas especiais.
Templário Henriques: Os capacetes foram feitos por um polícia que tinha jeito para trabalhar com metal. Cheguei a levar o capacete para a esquadra e, às vezes, na brincadeira, punha-o na cabeça, fardado. Eles riam-se de mim e eu ria-me também. Quando gravámos o primeiro disco, eles chegaram a pôr a música “Somos os Templários do Rock” nos rádios dos carros, às seis da manhã, e acordavam a vizinhança. Como é que foi na televisão?
Quando fomos à TVI estava lá o Goucha e a rapariga que apresenta. Ela estava mortinha para vir falar comigo. Olhava, olhava — graças a Deus ainda atraio muito as mulheres. Depois veio logo a correr, comecei a falar e ela disse, “ah, tem um dentinho maroto”. E eu, “não é um dentinho maroto. Eu não tenho dentes”. Ficou ali um silêncio. Ficaram assustados. Mas então foram vistos por milhares de pessoas.
Templário Afonso: Quando fomos à televisão avisei as pessoas da minha família. Ninguém viu. Ninguém viu?!
Eles dizem que não viram. Um estava na casa de banho, outro foi buscar o filho à escola, outro ia de viagem, outro não sei quê…
Templário Henriques: A família não nos apoia.
Templário Afonso: Foi a mesma coisa quando aparecemos no telejornal da noite, ninguém viu. Mas se tivesse sido uma notícia do género, “o agente Brandão foi detido esta manhã”, toda a gente teria visto. Hoje, até fiz uma experiência engraçada, mandei um email a várias pessoas conhecidas a dizer que vamos tocar a Évora e, até agora, ainda ninguém teve a coragem de dar os parabéns. Parece que as palavras caem num poço. Fotografia de arquivo cedida por Templários do Rock Mas vocês devem inverter isso para vos dar força.
Mas se eu dissesse, “olhem, sou o pimbalhão que canta a ‘Chupa-me aqui Maria’ e vou estar na Queima”, eles diziam, “vais cantar a ‘Chupa-me aqui Maria’? Vou lá estar, conta comigo”.
Templário Henriques: No nosso primeiro concerto iam lá estar sobrinhas e primas. Chegou à hora e não estavam lá. Comecei a ligar para todas, mas tinham os telemóveis desligados. Da minha família só a minha mulher e os meus filhos me viram tocar, mais ninguém. Como é que são vistos pelas outras bandas?
Templário Afonso: Sentimo-nos plagiados.
Templário Henriques: Nunca se falou tanto em rock. Fui eu que comecei a falar em White Stripes e Led Zeppelin em Portugal, ninguém sabia quem eram. Agora andam os Xutos a falar de White Stripes, o Rui Veloso a dizer que vai fazer um álbum inspirado em Led Zeppelin. Eu ouvia Led Zeppelin com dez anos. Se formos aos vídeos, há um dos Xutos que é muito inspirado em nós, até hienas tem. Então, estão a promover o movimento rock em Portugal.
Templário Afonso: Tem de haver um 25 de Abril na música portuguesa.
Templário Henriques: É mais fácil entrar lá fora com o fado, do que entrar com rock’n’roll. De Portugal lá para fora com o rock nunca ninguém foi, mas os Templários do Rock vão, meu. Fazemos um rock ao estilo dos ZZ Top com som dos subúrbios de Londres — e esta mistura explosiva de Inglaterra com Estados Unidos entra em todo o mundo, seja em que língua for. Não é para emigrantes! Nós tocamos em qualquer ambiente, não temos medo de nada. Se me quiserem matar que me matem. [No início de Novembro, liguei ao Templário Henriques para lhe perguntar como tinham corrido as gravações do primeiro álbum e, mais uma vez, havia novidades. O Templário Afonso tinha saído e agora os Templários eram apenas ele.] Como correu a gravação do vosso álbum?
Eu e o Templário Afonso saímos do estúdio chateados, como sempre. O que aconteceu?
Gravámos e, quando chegou a altura de pagar, o Templário Afonso disse que não tinha dinheiro. Acho que foi a mulher que não lhe deu o dinheiro. Por isso decidi dar-lhe um fim-de-semana para pensar. Disse que me ligava e nunca me ligou. Mas eu não guardo rancor a ninguém. Ele em vez de construir o futuro anda a construir paredes em casa. Pena que isso tenha acontecido depois de quatro anos e meio juntos. Acho que vocês faziam uma grande dupla.
A saída dele foi muito boa. Agora estou melhor que nunca. E como resolveste a questão do álbum?
Não gostei da maneira de cantar do Templário Afonso. A voz dele era de baile. Depois de nos chatearmos decidi ser eu a cantar as músicas todas. No início não gostava de ouvir a minha voz. Mas tenho uma voz do caralho. Quando canto em inglês tenho má pronúncia, mas que se foda. E tiveste alguém a colaborar contigo?
Eu cantei. O Ricardo dos Lullabye tocou bateria. O Tozé dos Per7ume tocou guitarra e baixo. O José Rodrigues tocou guitarra. E o Paulo Barros dos Tarântula também fez uns solos de guitarra. Sei que convidaste mais pessoas para participar no álbum.
Convidei o Adolfo Luxúria Canibal e o Slimmy. Mas não aceitaram. Como reagiste?
Fiquei lixado com os dois. Mas depois acabei por ficar contente com a resposta do Adolfo. A música que ele iria cantar é muito íntima e, por isso, caí em mim. Acho que assim até foi melhor. Um dia que precisem de mim recebem o mesmo. Gostaste do resultado final do álbum?
O álbum vai chamar-se Templários do Rock e vai ficar na história. Vai ser masterizado na Suécia e editado mundialmente. E vamos fazer um videoclip da música “Veneno” que vai dar muito que falar. Estás com essa barbicha branca cada vez maior.
É incrível. Vou na rua e toda a gente pára a olhar para mim e diz, “olh’ó Pai Natal!” Ficam todos a rir, mas eu nem ligo. É bom para o meu projecto. Assim se fazem os mitos!