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Música

O 'Arrhythmia' do Antipop Consortium Foi a Jam da Warp para Um Futuro Intranquilo

Disco segue fazendo milhares de fãs pelo mundo e inspirando artistas a experimentarem a ousadia.

No encarte do álbum

Arrhythmia

, do Anti Pop Consortium, de 2002, você encontra a informação de que o segundo álbum do grupo foi captado e mixado no Brookdale Medical Centre, um hospital-escola administrado por voluntários em Brownsville, no Brooklyn. Aberto há 90 anos com a ajuda de doações públicas, o hospital mudou de nome várias vezes e passou por greves, diásporas, crise da AIDS, retrocessos e crescimento –  basicamente, o passado. E naquele hospital, em meio a toda a história do Brooklyn, algo da pesada estava sendo feito em um lugar misteriosamente chamado de "Prédio G". Soa como o lugar mais estranho possível para inspirar um álbum a atingir seu pleno potencial mas, como se viu mais de uma vez, o APC não era um grupo fechado a novas experiências.

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Quando o Arrhythmia foi lançado, a cena de hip-hop underground de NY (simbolizada por selos como Rawkus Records e Def Jux)  buscava o seu último grito no início dos anos 2000. Os sites de compartilhamento de arquivos tinham surgido há pouco tempo, mas ainda faltavam alguns anos para que as fronteiras entre underground e mainstream fossem borradas com o aparecimento dos blogs. Toda a música, com exceção do hip-hop, logo se tornaria um gênero único, como se tudo se misturasse em um mesmo caldeirão borbulhante. Mas essa era ainda uma época em que crítica e público se voltavam contra o hip-hop. O CMJ New Music Monthly afirmava em suas páginas que o Anti Pop Consortium estava "em uma missão para matar o hip-hop desde 1996". A SPIN dizia que o grupo colocava "o cérebro à frente do bling bling e mantinha a libido incógnita". Já a Pitchfork providencialmente ofereceu esta explicação: "O APC não soa de jeito nenhum como o Ludacris".

Parece justo dizer que os quatro caras que formavam o APC – os rappers Beans, M. Sayiid e High Priest, mais o produtor Eart Blaize – estavam ficando cansados dessas políticas de cena. Isso ajuda a entender porque eles moveriam sua música para o outro lado do Atlântico e se tornariam a marca registrada do hip-hop da Warp Records. Após uma curta turnê pelo Reino Unido, para a divulgação do single "Disorientation" (uma faixa que apareceu em destaque na compilação Collision Course, de Kevin Martin, aka The Bug), o grupo percebeu que seu estilo musical era mais bem recebido longe de casa. Os britânicos os aceitaram de braços abertos, bem distante das guerras culturais que aconteciam do outro lado do oceano. Como diria o Beans em uma reflexão em 2009, o público britânico "tende a enxergar a luz primeiro".

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O fundador da Warp, Steve Beckett assinou com o grupo – "um contrato bem grande", conforme lembra, por e-mail, o ex-funcionário da Warp e fundador da Lex Records, Tom Brown. "Todo mundo estava ouvindo as coisas antigas da Def Jux na época, e acho que o APC soou providencial". À medida que a Warp adentrava sua segunda década, ela começou a se ramificar para além da música eletrônica que formou sua reputação. Ao lado de álbuns dos artistas de confiança da Warp como Aphex Twin, Squarepusher e Boards of Canada, o período de 2001-2002 trouxe uma série de discos de artistas diversos: os amantes da psicodelia Broadcast, a art-house do expert em cinema Vincent Gallo, e o criador do The Day Today, Chris Morris. O APC encaixou-se confortavelmente na tendência progressista do selo. "A Warp sempre esteve de olho nas cenas – post-rock, hip-hop, etc – para além da música eletrônica, mas que tivessem valores similares", diz Brown.

Existem muitos motivos pelos quais a aliança do APC com a Warp faz sentido. O Arrhythmia atua na Warp como o tecido que conecta música eletrônica e hip-hop, um reconhecimento da influência de um sobre o outro. Os beats do grupo – geralmente combinando ritmos descentralizados e uma ordem austera de espaços vazios – eram distintos em suas similaridades com a programação cartilaginosa do Autechre e a trituração de BPMs do Aphex Twin.

Mesmo nos seus elementos mais acessíveis, havia uma profunda linhagem eletrônica na música, já reconhecida anteriormente no verso do Beans – "Eu movo multidões como Larry Levan" – sobre o beat do High Priest para "Bubblz". Congas e timbales disparam de um lado para o outro ao longo do frenesi neon-disco, e a adição densa de poesia/rap faz um encaixe perfeito ao invés de destoar. É um cruzamento da vida noturna urbana de NY e dos clubes disco aos cyphers no parque; da percussão do Latin Quarter aos clubes de poesia. Tudo montado sobre o frenesi da música eletrônica.

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Em outros lugares, as músicas saltam e trepidam, mesmo quando têm quase-ganchos. Atmosferas grandiosas são construídas – sequências de bateria e até cantores de ópera –, e então desaparecem em um movimento rápido. Um bumbo se transforma em uma tabla por um momento, um cantarolar distorce-se em si mesmo, um som metálico ressoa contra o beat até ser percebido. Em um interlúdio, uma voz alienígena creditada apenas como "Tron Man" faz uma pausa na ação para refletir sobre seu ser ("minha pele é pálida, eu preciso de sol"), antes de mergulhar em meio minuto de música em loop reverso. Você quase pode ouvir as sinapses surgindo e sumindo, surgindo e sumindo.

Após o lançamento de Arrhythmia, o APC excursionou com o Radiohead, outro grupo que estava experimentando a dance music polirítmica. Quando eles excursionaram nos Estados Unidos com o DJ Shadow – novamente, outro artista que estava encurtando os espaços entre cultura eletrônica e hip-hop moderno –, as brigas começaram a aparecer. Seis meses após o lançamento de Arrhythmia pela Warp, o grupo se separou (mas voltou mais tarde, lançando o Fluorescent Black pela Big Dada).

No espírito de outros importantes discos da Warp, eu fiquei pensando se uma influência havia gotejado sobre grupos modernos. Ouvindo APC, me vem uma centelha de alegria ao perceber o quão idiossincrático o Arrhythmia permanece. Se você olhar bem, dá pra captar momentos do signatário da Warp Flying Lotus flutuando em experimentalismo eletrônico, mas o Arrhythmia soa diferente de praticamente tudo no catálogo da Warp. Existem influências musicais, como os artistas eletrônicos mencionados acima, mas esses trabalhos são virados do avesso e inseridos em jams para um futuro intranquilo: polirítmico, complicado, pronto para disparar em 1.000 direções ao mesmo tempo.

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Palavras Fortes Ditas Suavemente: Como o Kwes se Tornou o Soul Man de Plantão da Warp Tradução: Stan Molina Siga o Daniel Montesinos-Donaghy no Twitter: @danielmondon