Helly Luv Está Mandando um Foda-se para o ISIS com Música Pop

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Helly Luv Está Mandando um Foda-se para o ISIS com Música Pop

A artista está no radar do ISIS por causa de seu novo clipe para a música “Revolution” em que ela aparece desfilando por uma zona de guerra em sapatos de salto dourados, organizando tropas e desafiando vários homens armados.

Estou há 30 minutos tentando falar por Skype com a estrela pop curda Helly Luv. Tanto a minha conexão de internet quanto a dela são uma merda, mas há uma diferença entre nós: ao mesmo tempo em que uma está escondida dentro de um pijama num apartamento de Nova York, a outra está se escondendo do ISIS em algum lugar do Curdistão. Enquanto os líderes mundiais batem cabeça para tentar achar uma estratégia para combater o ISIS, Helly Luv está atacando o grupo onde doí mais com suas letras pesadas, sua imagem impactante e uma conversa séria sobre luta.

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A sensação pop de 26 anos é tão política quanto divertida. O cabelo dela atualmente é vermelho à la Rihanna e seu rosto tem traços marcantes. Se tem medo das ameaças feitas contra ela, Luv não demonstra.

Helly Luv está no radar do ISIS por causa de seu novo clipe para a música "Revolution" em que ela aparece desfilando por uma zona de guerra em sapatos de salto dourados, organizando tropas e desafiando vários homens armados. A mistura de pop e política é uma parte crucial de quem ela é como artista e indivíduo. Dias depois de seu nascimento, Luv e sua mãe foram forçadas a fugir do Irã para a Turquia, onde ambas viveram nas ruas antes de chegarem à Finlândia como refugiadas. Aos 18 anos, ela foi a LA sozinha, onde acabou sendo descoberta. Agora, ela voltou ao Oriente Médio para criar músicas e clipes que combatam o terrorismo através de mensagens de união, orgulho e paz. Seu clipe "Revolution" foi filmado a cerca de três quilômetros da linha de frente que separa o ISIS das tropas peshmerga curdas. A VICE conversou com Helly sobre como foi crescer como refugiada curda, encontrar a fama e combater grupos islâmicos extremistas com sua música.

VICE: Você tem uma grande base de fãs no Oriente Médio e na Europa no momento. Mas também está enfurecendo muitos muçulmanos radicais, certo?HellyLuv: Ouço isso todo dia de críticos dentro da religião: eles dizem que estou fazendo algo errado e que "não deveria fazer isso porque sou mulher". Porém, estando aqui e vendo a nova geração, é disso que tiro minha coragem. São os mesmos adolescentes que se inspiram em Beyoncé e Rihanna. Eles entendem e apreciam o trabalho que estou fazendo. Quando era menina, eu não tinha um artista pop curdo em quem me inspirar, só artistas norte-americanos. Eu gostava de Michael Jackson e Whitney Houston, mas não tinha ninguém do meu lado curdo. Ver todas essas mensagens vindas de meninos e meninas curdos, ou do Oriente Médio, me deixa muito feliz. Sinto que estou fazendo algo importante.

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Fale sobre suas origens.
Nasci no Irã em 88 durante a Guerra do Golfo Persa. Nasci literalmente no meio da guerra: minha mãe não me teve num hospital. Estávamos em Úrmia, e, um dia depois do parto, eles me enrolaram em cobertores e colocaram minha mãe num cavalo. Nós viajamos por meses pelas montanhas até chegar à fronteira turca. Pagamos um cara para nos contrabandear pela fronteira, foi uma época muito perigosa e horrível. Quando chegamos à Turquia, não nos aceitaram no campo de refugiados logo de cara, porque havia centenas de milhares de curdos fugindo dos soldados de Saddan Hussein; então, quando chegamos lá, ficamos morando nas ruas. Depois disso, finalmente entramos no campo de refugiados e ficamos lá por nove meses. Felizmente, depois de nove meses, fomos aceitas na Finlândia, onde fomos os primeiros refugiados curdos a entrar na Finlândia. Morei lá minha infância inteira.

Como foi crescer na Finlândia?
Foi muito difícil para mim porque éramos os primeiros imigrantes curdos. Minha infância teve muito racismo. Na escola, eu era a única garota de cabelo preto e olhos escuros. Todo mundo era loiro de olhos azuis. Sofri muito bullying; assim, encontrei uma fuga na música. Fui aceita numa escola de música e fiz aulas de piano, canto, dança, atuação e arte. Música se tornou minha liberdade. Quando eu tinha 16, 17 anos, trabalhei como garçonete e professora de dança para finalmente poder ir a LA. Quando fiz 18, arrumei minhas coisas, comprei a passagem e fui a Los Angeles com uma mala enorme – e um sonho. Sozinha.

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Como você se adaptou em LA?
As lutas não eram o que eu tinha pensado! Eu pensava "Vou a Los Angeles e tudo vai ser ótimo", mas a realidade me acertou bem rápido e percebi que aquela não era uma cidade fácil, principalmente se você não conhece ninguém. Achei um pequeno apartamento no Craigslist que não se parecia em nada com as fotos do site! Fiquei puta porque era para ter uma banheira e tudo mais, mas o lugar era muito diferente das fotos e fedia como se alguém tivesse morrido lá dentro. O lugar era infestado de baratas, e fiquei sem eletricidade por duas ou três semanas. O senhorio me chantageava para receber mais dinheiro. O maior problema era que ele ficava trazendo prostitutas para o prédio, o que me perturbou muito.

Eu era muito jovem e não tinha ninguém em Los Angeles. Eu não podia ligar para os meus pais porque eles me fariam voltar imediatamente. Com tudo isso, acabei me metendo em confusão. Perdi muito dinheiro para o senhorio e acabei vivendo de biscoitos salgados de US$ 1 no café, almoço e jantar só para me manter em pé. Acho que todo mundo que foi a LA atrás de um sonho tem uma história parecida.

O que aconteceu? Como tudo mudou?
Eu só ia até as gravadoras esperando encontrar alguém com quem pudesse falar, porém percebi que, em LA, você é comido por lobos se não souber o que está fazendo e aonde ir. Logo, vi a parte feia da indústria, conheci muitos produtores que me ofereciam acordos do tipo "Se você fizer isso… então faremos isso". Sabe? E eu não queria que fosse assim. Tive certeza de que meu sonho tinha acabado e que eu teria que voltar à Finlândia.

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"Entendo que é divertido sair e ir para a balada, mas, enquanto você está na balada com seus amigos, há milhões de pessoas morrendo e sofrendo."

Duas semanas antes da minha viagem de volta, recebi uma mensagem de Los da Mystro e The Dream. Eles me acharam no MySpace – na época, o MySpace era grande –, e eu tinha alguns vídeos cantando e dançando lá; então, eles me ligaram e perguntaram "Quem é você e de onde você é?". Contei minha história inteira e eles ficaram chocados. Eles me pediram para cantar no telefone; assim, fiz minha audição por telefone. Cantei "I Have Nothing", da Whitney Houston, porque era uma música perfeita para aquele momento. E eles disseram "Helly, faça as malas, você vai a Nova York amanhã". Eu tinha 18 anos, assinei um contrato com eles – e, sabe, você não vira uma artista da noite para o dia. Levei anos para realmente me desenvolver como artista e melhorar meu inglês, porque eu ainda tinha sotaque finlandês.

"Risk It All" foi seu primeiro single. O que o inspirou?
Em 2013, conheci Gawain. Eu estava procurando algo que tivesse esse som do Oriente Médio. "Risk It All" foi inspirada no que estava acontecendo no Curdistão em 2013: eles estavam muito perto da independência. Isso foi antes do ISIS. Eu queria criar uma música que representasse e celebrasse a liberdade dos curdos, porque temos uma história longa e sangrenta. "Risk It All" é uma celebração disso: arriscar tudo por um sonho, e o sonho dos curdos é a independência. "Risk It All" também é uma música pessoal, também é sobre arriscar tudo pelos meus sonhos.

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"É triste que eles não me aceitem como aceitam o Oriente Médio moderno. Eles aceitam esses novos prédios e shoppings, mas não aceitam pessoas modernas."

Por volta da mesma época, em 2013, me convidaram para fazer um filme com Bahman Ghobadi. Ele é um diretor vencedor do Cannes e me chamou para ser a personagem principal feminina de seu filme Mardan. A estreia mundial foi no Festival de Cinema de Toronto. Depois disso, fiz Two Songs of Kurdistan, que é mais um documentário sobre minha vida e tudo que aconteceu depois de "Risk It All", porque obviamente a música é algo que ninguém lá tinha visto antes. Era algo muito diferente. Eu estava dançando com um leão usando uma saia curta; assim, logo depois disso, grupos islâmicos radicais começaram a me mandar ameaças de morte e eu tive de me esconder por dois meses. Foi uma época muito difícil da minha vida. Eu não podia ir a lugar nenhum. Mas muita gente ficou do meu lado e me tornei conhecida por causa de "Risk It All". Foi certamente um sucesso para mim.

Isso se tornou um estresse adicional, já que você tinha de se esconder o tempo todo?
Claro. Isso era injusto, mas a maioria das pessoas gosta do meu trabalho e me entende. Só algumas pessoas querem me apedrejar até a morte. É triste que eles não me aceitem como aceitam o Oriente Médio moderno. Eles aceitam esses novos prédios e shoppings, mas não aceitam pessoas modernas e todas as coisas modernas que vêm com isso. Acho muito injusto. Muitos jovens olham para mim, e estou fazendo isso por eles. As pessoas têm medo de fazer o que estou fazendo, o que eu entendo, porque é um grande risco e você tem de sacrificar tudo por isso. E eu sacrifiquei. Minha vida normal acabou: não posso sair na rua sem seguranças ao meu redor. É muito estranho.

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"O mundo não estava ouvindo a voz do Curdistão, toda a luta e dor que estamos passando com o ISIS. Todos os homens e mulheres pegaram qualquer arma que tinham e foram lutar contra o inimigo."

O que aconteceu depois de "Risk It All"?
Depois disso, fiz muito trabalho de caridade. Fechei o segundo pior zoológico do mundo, no Curdistão. Era para eu ter feito outra música, mas o ISIS atacou as fronteiras com o Curdistão pela primeira vez em junho. Na época, eu estava fazendo trabalho humanitário com os refugiados, mas sentia que não era suficiente. O mundo não estava ouvindo a voz do Curdistão, toda a luta e dor que estamos passando com o ISIS. Todos os homens e mulheres pegaram qualquer arma que tinham e foram lutar contra o inimigo. O inimigo tem armas fortes e poderosas, nós não temos nada. Essas pessoas foram enfrentar o inimigo porque são corajosas e querem proteger seu país, e isso me inspirou muito. Eu queria fazer uma música sobre isso e realmente fazer o mundo ouvir o que está acontecendo aqui.

"Revolution" não é só a história dos curdos, é a história de todos nós. O ISIS não é só inimigo dos curdos, eles são inimigos do mundo inteiro. É nossa responsabilidade nos unirmos e lutar contra eles. Se não fizermos isso, amanhã eles vão se expandir, se tornar mais poderosos. Fui a Los Angeles e criei "Revolution" com o mesmo produtor de "RiskIt All". Foi a música mais difícil de gravar: eu basicamente chorava o tempo todo. Violência e terrorismo estão em toda parte. Ontem, isso aconteceu na Alemanha; antes, foi na Tunísia; e, antes disso, foi o Charlie Hebdo em Paris.

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"Eu me sinto privilegiada por ser atacada pelo ISIS, isso significa que a mensagem é tão forte quanto suas armas e violência."

O que o ISIS tem a dizer sobre a sua música?
Eles têm muito poder, especialmente nas redes sociais; então, minha motivação era fazer uma música que fosse ainda mais poderosa. Obviamente isso funcionou, porque eles ficaram putos. Muitas pessoas me perguntam como é receber ameaças de morte, mas tento me concentrar nas partes boas da minha jornada. De certa maneira, me sinto privilegiada por ser atacada pelo ISIS, isso significa que a mensagem é tão forte quanto suas armas e violência.

O que você gostaria que as pessoas soubessem sobre você?
Minha mensagem é o suficiente. Se eu não existir amanhã, ficarei honrada se as pessoas receberem minha mensagem. Acho que é muito importante falar sobre o que falo. Eu podia fazer uma música sobre baladas e tudo mais, mas acho que seria inútil. Entendo que é divertido ir para a balada, mas, enquanto você está na balada com seus amigos, há milhões de pessoas morrendo e sofrendo. Você não pode ser ignorante e fechar seus olhos para isso: enquanto houver pessoas sofrendo com o terror e a violência, você é responsável também.

Em que lugar você se vê daqui um ano?
Se estiver viva [risos], meu sonho é fazer uma turnê e espalhar minha mensagem. Quero fazer mais trabalho humanitário– essa é minha paixão, quero fazer muito mais. Obviamente, sendo uma artista pop, também quero terminar meu disco. Há outro grande projeto em que estou trabalhando, porém ainda é segredo. Vou dizer que é sobre os mesmos assuntos em que tenho trabalhando. Vou fazer de tudo para continuar viva!

Siga a Helly Luv e a Rula no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor